‘Anda à procura da menina?’

Felizmente não podemos escolher o sexo dos filhos, ou o mundo estaria deserto há muito tempo

Um amigo que já tinha uma filha e esperava o segundo filho, quando soube que este era um rapaz disse-me contente e com ar cómico: ‘É o casalinho piroso’.

Acredito que a maior parte das pessoas gostasse de ter um ‘casalinho piroso’. Além de fazer um par amoroso, é quase a equação perfeita. Assim pode experimentar e viver as duas variáveis possíveis. Sabe que não perde nada. Teve tudo a que tinha direito.
Talvez por isso, quando assim não é, a quem vê de fora parece que falta qualquer coisa.

Mal nasce o primeiro filho, muitas vezes a reação é: ‘Muito bem. Agora precisa de ter um irmão’. De preferência, do sexo oposto ao do que nasceu. Mas se se dá o caso de o primeiro filho ser um menino, o comentário é certo: ‘Agora falta a menina!’. Com o passar do tempo, a pergunta torna-se: ‘Para quando a menina?’. E após o segundo filho menino, a deceção por parte dos outros é mais que muita: ‘Outro menino? [com a desilusão estampada no rosto] É preciso é que tenha saúde’. Ao terceiro menino, o comentário das pessoas com quem nos cruzamos na rua não falha: ‘Anda à procura da menina?’, e com alguma ansiedade quase ordenam: ‘Agora tem de tentar a menina!’.

A menina é a escolha eleita, principalmente das senhoras. Porque se identificam mais com as meninas, por causa dos enormes laços, dos vestidinhos irresistíveis e até porque, se for rapaz, ‘quem vai cuidar de nós quando formos velhos?’. Os rapazes são uns piratas que fazem a cabeça das mães em água, sem piada nenhuma e sem tudo o que as meninas têm de amoroso (e de complicado). Felizmente ainda não podemos controlar o género dos filhos, ou o mundo já estaria deserto há muito tempo.

Se a referência à menina que não existe se repete desde o primeiro filho, ao quarto menino já quase ninguém se contém. ‘São todos rapazes?!’. Perante a resposta afirmativa, a reação varia pouco. Se ando à procura da menina é um clássico. Já devo ter ouvido a pergunta umas boas dezenas de vezes. Mas há quem vá mais longe: ‘Foi preciso ter azar. Coitadinha. É mesmo falta de sorte’.

Não é preciso dizer que estes comentários são tidos invariavelmente à frente dos meus filhos, uma vez que são eles que suscitam a admiração e indignação perante meu o fado. A minha resposta não muda: ‘Nunca procurei menina nenhuma. Sempre quis ter muitos filhos e sempre quis ter meninos. Estou muito feliz e tenho muita sorte’. Já quanto aos meus filhos, nestas situações, não posso dizer o mesmo. Acho que têm mesmo muito azar por terem de ouvir sempre a mesma lengalenga. Muitas vezes o mais velho, que a ouve há mais de sete anos, já responde por mim: ‘Não. Nós gostamos é de meninos!’. Mas posso imaginar o que sentirão ao imaginar que poderão ter nascido só porque nós queríamos uma menina e a desilusão que foi saírem assim… meninos.

Talvez haja quem procure mesmo a menina. Se assim for, não quero imaginar a desilusão a cada ecografia. Sei de quem tenha 10 filhos rapazes! Aí seria de facto uma injustiça da natureza. Mas de uma coisa tenho a certeza: não serão menos amados e menos queridos do que a mais perfeitinha menina cor-de-rosa cheia de lindos vestidos.