O dia em que Passos foi cata-vento

O que Passos disse no Pontal sobre os imigrantes não foi xenófobo. Foi ignorante

Dos cinquenta minutos que Pedro Passos Coelho discursou na Festa do Pontal, o país ouviu vinte segundos. Foram estes: “Vejam as alterações que foram feitas à lei dos estrangeiros que permitem que qualquer pessoa possa ter autorização de residência em Portugal desde que arranje uma promessa – uma promessa, reparem bem – de ter um contrato de trabalho”. E estes: “O que é que vai acontecer ao país seguro que temos sido se esta nova forma de ver a possibilidade de qualquer um residir em Portugal se mantiver?”.

O presidente do PSD, que já revelou numa moção estratégica não ser apreciador de “cata-ventos de opinião”, poderia começar por não tomar posições políticas tendo como base notícias sem declarações oficiais ou clarificação jurídica.

As alterações à lei da imigração aprovadas pela ‘geringonça’ não resumem a autorização de residência a “uma promessa”, como Passos insinuou, mas a um contrato vinculativo que, de facto, se chama “promessa de contrato de trabalho”, não deixando de ser já um contrato. Visa esse contrato facilitar a vida às empresas que pretendam entrevistar ou oferecer estágios a estrangeiros antes de concederem contratos definitivos em território nacional.

A lei, oriunda de diretiva europeia, tem como objetivo uma flexibilização do mercado laboral que um líder “europeísta”, “reformista” e “moderado” não deveria utilizar como arma política – pelo menos sem ir lê-la.

Não sendo segredo que alguns quadros do PSD vêem a segurança como uma área por explorar no debate público, convinha fazê-lo com pés e cabeça, sem oferecer retórica de bandeja ao Partido Socialista. Dizer que o país ficará menos seguro devido a imigrantes depois de manter o apoio a André Ventura em Loures roça o masoquismo mediático.

O “parecer do SEF” que os sociais-democratas invocam para criticar a dita lei, por exemplo, não veio sequer a público. Foi mencionado vagamente num jornal; ninguém o viu. E Passos, como ex-primeiro-ministro, sabe que o problema do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras não deriva de preocupações securitárias, mas de reivindicações orçamentais que nem são novas: começaram no seu governo.

Se o aumento da imigração que esta lei vai criar coloca em causa a sustentabilidade infra-estrutural do SEF? É provável. Com os serviços públicos cativados como estão pelo ministério de Mário Centeno, tal não surpreende e merece denúncia.

Mas entre isso e o que Passos Coelho disse no Pontal, há uma diferença. É a que separa populismo de eleitoralismo, um ativista de um primeiro-ministro e um comentador de um estadista.

Passos, contrariamente à maioria, costumava ser essa diferença.