Água. Autarquias sem meios para fiscalização

Em Portugal consome-se o triplo de água que a ONU considera ser o necessário para higiene e alimentação. O consumo excessivo torna-se ainda mais preocupante perante o atual estado de seca. Governo quer que autarquias implementem medidas de redução, mas estas não têm como fiscalizar se privados estão a cumprir. 

Em Portugal, o consumo médio de água chega aos 150 litros diários, sendo que nos meios urbanos estes níveis de consumo são ultrapassados. Um número que representa o triplo daquilo que a ONU considera ser o necessário, 50 litros diários, para que no dia a dia uma pessoa consiga fazer o seu consumo, a sua higiene e cozinhe.   

Neste contexto, a que se soma um estado de seca de forma acentuada em 15 distritos e concelhos do interior do país, o Governo deu orientações às autarquias, através de uma comissão de acompanhamento da seca, para que se apliquem sete medidas com vista a reduzir e racionar o consumo de água nestas regiões. Diminuir a rega dos jardins e hortas, proibir o enchimento de piscinas, lavagens de viaturas e logradouros e encerrar fontes decorativas são algumas das medidas que o executivo quer ver aplicadas em 14 concelhos do Alentejo. 

No entanto, algumas autarquias dessas regiões dizem ao SOL que «é quase impossível» fazer a monitorização e fiscalização das medidas que podem levar à redução do consumo. Ou seja, sem campanhas de sensibilização para racionar o consumo, as medidas desenhadas pelo Governo «são ineficazes», atiram os autarcas ouvidos pelo SOL. Até porque a estratégia para a redução no consumo só pode passar pela sensibilização não havendo qualquer penalização prevista.  

Além disso, explica o presidente da Câmara de Alvito, António Valério, «não podemos entrar em casa das pessoas para controlar e ver se estão a fazer um bom uso da água» e o uso da água para lavar carros, por exemplo, «as pessoas fazem-no na intimidade das suas casas, dos seus jardins, dos quintais, onde não temos acesso», sublinha. 

Além disso, lembra a Câmara de Almodôvar, as autarquias «não têm pessoal suficiente» para fiscalizar essa matéria. 

Desta forma, a fiscalização só acontece «se virmos água a ser mal utilizada», ou seja, «a escorrer pelas ruas públicas». Nesses casos, «é evidente que identificamos o munícipe e procuramos atuar», explica o autarca de Alvito. Mas é uma atuação que vai sempre, sublinha António Valério, no sentido de alertar e controlar a situação com uma atitude pedagógica.  

Autarcas vão desenhar medidas

Perante uma estratégia ineficaz para a redução no consumo, os autarcas vão arregaçar as mangas e desenhar outras medidas que poderão ter mais sucesso. As medidas começaram a ser debatidas numa reunião da Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional (CCDR), que decorreu no dia 26 de julho. Nessa reunião, os autarcas decidiram voltar ao assunto no encontro que está previsto para a segunda quinzena deste mês – querem uma redução do consumo «mais eficaz», garante António Valério.   

Os autarcas avisam que é «vital» que se faça «uma campanha de sensibilização muito séria junto das povoações».Até porque «o problema da falta de racionamento no consumo da água não se sente apenas na altura da seca, é do ano inteiro», alerta o autarca de Alvito. Por isso, remata: «Esse tipo de ações devem ser uma constante na nossa ação, sobretudo nas escolas, onde os alunos deviam ser alertados para este problema». 

Fora da salas de aulas, são vários os municípios que fizeram cartazes e folhetos para distribuir e onde se leem várias dicas para reduzir o consumo.  

Medidas não são avaliadas há quatro anos

As medidas de eficiência do uso de água não são avaliadas há quatro anos, denunciou em junho a associação ambientalista Zero. A propósito da situação de seca que o país está a atravessar, a associação lembra que em 2005 foi aprovado o Programa Nacional para o Uso Eficiente da Água (PNUEA), que «está na gaveta há quatro anos».

O PNUEA estipulava para o período 2012-2020 limites para o desperdício de água para o setor urbano, agrícola e industrial, para redução de perdas nos sistemas de abastecimento, tendo sido preconizadas 87 medidas que no conjunto poderiam traduzir-se numa poupança de cem milhões de metros cúbicos por ano, lembra a Zero.

A associação ambientalista alertou ainda que «apesar de existirem medidas preconizadas em vários planos estas dificilmente se aplicam na prática e não refletem a realidade atual». No setor urbano, por exemplo, a Zero estimava que apenas cerca de 44% das medidas foram parcialmente implementadas. E sublinhou ainda que apesar dos baixos níveis de precipitação, «apenas em julho deste ano» foi criada a Comissão de Acompanhamento da Seca.

Área agrícola

Fora consumo diário em casa, na área agrícola o Governo quer  que se faça uma utilização dos recursos hídricos nas albufeiras mais críticas, onde estão incluídas as de Monte da Rocha, a da Vigia –  que tem uma situação mais preocupante – e a de Póvoa e Meadas. Também para a captação de água subterrânea será necessária uma autorização e está interdito o abeberamento de água dos animais nas margens de albufeiras públicas.

Todas as medidas definidas pelo Governo têm como objetivo estabelecer reservas para o abastecimento de água equivalente a dois anos. Caso estas medidas não sejam eficazes, o Governo admite vir a proibir o uso não prioritário  de água e estabelecer dotações mínimas de rega. Pondera ainda vir a utilizar meios excecionais, como cisternas, para abastecer as povoações, intensificar o controlo da qualidade das massas de água ou intensificar o controlo das práticas de regadio e das rejeições das ETAR. Está ainda em cima da mesa uma nova legislação para apertar as regras no consumo de água.

Ainda assim e apesar de todas estas medidas e preocupações, Portugal atravessou períodos de seca mais severos em 1995, 2005 e 2012.