Viver para Contar: um espetáculo indigno

Como é que um indivíduo completamente destituído de autoridade, incapaz de manter a disciplina, sem o mínimo respeito por si próprio, pode ser professor? 

Há umas semanas escrevi sobre um fenómeno terrível: as transformações do corpo que estão na moda entre os japoneses, tais como simulações de tumores, cortes na língua e até amputações de mãos. 

Hoje escrevo sobre um vídeo não menos horrendo transmitido pela CMTV – uma televisão que tenderá a tornar-se líder na informação, pois aposta fortíssimo numa ligação permanente à realidade. Contando com inúmeros repórteres-correspondentes espalhados pelo país, chega sempre primeiro aos acontecimentos – seja um incêndio, um acidente ou um caso de violência doméstica. 

É acusada de fazer um ‘jornalismo tabloide’ – e com razão. Mas a verdade é que esse jornalismo atrai as pessoas. «Nada do que é humano me é estranho», dizia Terêncio, mais de cem anos antes de Cristo. O papel dos intelectuais é entender estes fenómenos, não é rejeitá-los. 

Outra vantagem da CMTV é interromper as emissões para dar ‘diretos’. 

Enquanto os outros canais mantêm olimpicamente a programação mesmo que o país esteja a arder, a CMTV não se ensaia nada para interromper uma telenovela, um debate ou um filme para pôr no ar um ‘direto’. Assim, o telespetador tem a sensação de estar sempre ligado à realidade. Pode ver um programa descansado sabendo que, se alguma coisa de importante acontecer, a emissão será interrompida para dar a notícia. E isso faz toda a diferença.

Pois bem, a CMTV emitiu recentemente em exclusivo um vídeo surreal. Nele, viam-se imagens de uma sala de aula de uma escola em Braga em que um professor, alegadamente homossexual, se deixava humilhar pelos alunos. Estes batiam-lhe e simulavam sodomizá-lo, enquanto ele dava gritinhos e palmadas no rabo. A certa altura zangava-se e corria atrás dos alunos com uma cadeira na mão, levando estes a saltar por cima das carteiras, para gáudio dos outros colegas. Os diálogos entre professor e alunos, que não reproduzo, eram do mais torpe que se pode imaginar.
 
Em qualquer ambiente, aquela ‘tourada’ protagonizada por pessoas seria um espetáculo patético e deprimente. Mas numa sala de aula era inimaginável. 

E obriga a que se pergunte: como é que um indivíduo destes, completamente destituído de autoridade, totalmente incapaz de manter a disciplina, sem o mínimo respeito por si próprio, pode ser professor? Os professores não deveriam ter uma avaliação que esclarecesse isso?

Entrevistado pela estação, o fulano – que é professor de Filosofia – ainda ensaiou uma explicação, dizendo que não fez queixa à direção da escola pois aquilo eram «brincadeiras» para facilitar a aproximação entre professor e alunos. E garantiu que lhe tinham prometido que o vídeo não seria divulgado. O homem sente-se, pois, atraiçoado. Mas em que mundo vive? E não percebe que o problema não é a divulgação do vídeo mas permitir aquelas cenas degradantes que o humilham a ele e desacreditam a escola? Como é possível um professor admitir numa aula uma simulação de violação, com ele a ser sodomizado por um grupo de alunos, enquanto os restantes riem? 

Entretanto, o professor foi suspenso, e o Ministério Público indiciou-o por suspeitas de abuso de menores. 

Frequentei o Liceu D. João de Castro, onde havia professores que toda a gente sabia serem homossexuais. Um professor de Inglês, outro de Matemática, outro de Religião e Moral, etc. Mas não passava pela cabeça de ninguém pôr em causa a autoridade do professor nas aulas. Podia haver uma piada ou outra dita mais ou menos discretamente no exterior do liceu, fora do edifício, mas não passava disso. As aulas decorriam na mais absoluta normalidade. 

E isto porque havia um ambiente geral de disciplina, e uma autoridade superior – que era a própria autoridade da direção da escola – que tornava impossível uma cena como aquela. 

Hoje passa-se o contrário. Para os alunos fazerem o que fizeram àquele desgraçado professor, é porque o clima na escola está muito degradado. É porque existe um ambiente que favorece a transgressão. 

Hoje podemos dizer que as coisas no ensino público (porque no privado é diferente) estão de pernas para o ar. Antes havia um ‘sistema forte’ que protegia os professores fracos e impossibilitava abusos; agora há um ‘sistema’ fraco onde tem de ser o professor, pela sua autoridade pessoal, a manter a disciplina nas aulas. Não é o sistema a garantir tranquilidade aos professores, são estes que individualmente têm de o conseguir. E os que não conseguem, afundam-se. 

É urgente resolver este problema, porque sem disciplina não há ensino que resista. E sem ensino não há sociedade que resista.

Aqueles alunos do vídeo vão ficar marcados para toda a vida pelas cenas indignas que viveram no tempo de estudantes.