Emoções em potência

Uma exposição no Museu do Caramulo celebra os 70 anos da marca Ferrari com dez modelos que são verdadeiras obras de arte.

á 70 anos, mais precisamente a 11 de maio de 1947, a Ferrari estreava-se em competição. Enzo Ferrari, o seu fundador, tinha trabalhado para a Alfa Romeo e só então ficou livre de utilizar o seu nome num automóvel por ele produzido. Duas semanas depois da estreia, a marca do cavalino rampante vencia o Grande Prémio de Roma.

A data redonda é assinalada no Museu do Caramulo com a exposição Ferrari: 70 anos de paixão motorizada, que exibe dez automóveis da scuderia de Maranello. 

«Não quisemos nada menos do que o melhor», explica Tiago Patrício Gouveia, o diretor do Museu. «Já de si esta é uma marca de topo e nós fomos buscar os topos da marca. Quando se chega a este nível, estamos a olhar para verdadeiras obras de arte».

O exemplar mais antigo presente na exposição é um Ferrari 195 Inter, de 1951, que pertence ao Museu. Todos os outros carros vieram de colecionadores privados do país, «de Lisboa até Vila Nova de Famalicão». Há-os para todos os gostos, desde um 500 Mondial, de 1955, uma das joias da coroa, a um 599 F1, de 2007, passando pelos icónicos F40 e F512M, mais conhecido por Testarossa.

Só dois dos automóveis presentes na exposição, revela o diretor do museu, foram para o Caramulo a rolar – já os outros, embora possam andar na estrada, seguiram em transportes apropriados. Tiago Patrício Gouveia faz uma analogia. «Cada um destes carros é como um Picasso. Nenhum proprietário lhe diria: ‘Venha cá buscar o Picasso a casa, meta-o na mala do seu carro e leve’. As pessoas querem o Picasso bem embalado, bem acondicionado por dentro, com uma embalagem de madeira por fora, num camião climatizado. É um bocadinho o que acontece com estes automóveis».

Performance acima do conforto

O objetivo máximo de Enzo Ferrari foi sempre competir. Mas cedo percebeu que precisava de vender automóveis para custear a sua paixão.

«A Ferrari nunca quis produzir automóveis para agradar a pessoas que queriam andar em carros rápidos. Apenas o fez porque precisava de financiar o departamento de competição», diz Patrício Gouveia. «Se eles experimentavam qualquer coisa, como uma caixa de velocidades, um eixo ou um motor que não resultava, enfiavam num carro de produção e vendiam. Não estavam muito preocupados com isso. E mesmo os carros de produção, que eram vendidos para rolar na estrada, muitas vezes eram utilizados para competição a seguir».

O conforto não era decididamente uma das prioridades da marca. «O conforto vinha completamente em segundo plano», continua o responsável. «De tal maneira que só nos anos 60 é que a Ferrari se começa a preocupar com isso e faz o Ferrari 250 Lusso, que quer dizer luxo. Porque os outros eram muito espartanos, até um bocadinho desconfortáveis».

E ainda são automóveis rápidos? O diretor do museu esclarece. «Os mais antigos são hoje, a nível de velocidade, carros absolutamente banais». Ainda assim, rápidos para quem vai ao volante. «Um dos carros do museu que eu considero mais rápidos é de 1902. Anda a 30 km/h, embalado chega aos 50, mas quando vai a 50 a emoção é total: parece que vai mais rápido do que um Ferrari a 350 km/h. Não tem para-brisas, não trava, é difícil fazer caixa, só tem travões à transmissão, tem as jantes de madeira, aquilo tudo vibra, solta, abana, manda óleo, faz barulho, dá uma enorme sensação de velocidade». 

Regressando à marca italiana, «o Ferrari 195 Inter foi dos primeiros carros produzidos pela marca, especialmente carroçarias fechadas. Tem 130 cavalos – na altura para se ter 130 cavalos tinha de se ter um Ferrari V12, com motor de alumínio, que custava um dinheirão. Hoje em dia qualquer carro a diesel que esteja à venda por um preço médio de mercado tem 130 cavalos», esclarece Patrício Gouveia.

Qualquer erro pode custar caro

Licenciado em Engenharia Automóvel e há 18 anos diretor do Museu do Caramulo, um dos poucos do mundo que tem desde o início toda a coleção de automóveis históricos em funcionamento, Tiago Patrício Gouveia está habituado a conduzir clássicos. E sabe quais os cuidados a ter quando se leva estes carros para a estrada. «Antes de partir tem de se fazer um check-up para garantir que está tudo em condições. Temos de ter os pneus com a pressão indicada, líquido refrigerante, óleo no motor, óleo nos travões. E na condução é importante ter em mente algumas coisas. Os carros dos anos 50, por exemplo, normalmente têm travões de tambor, portanto o carro não trava a direito, deve-se travar suavemente. Antes de começar a puxar pelo motor, deve-se dar algum tempo para aquecer o óleo do motor. E depois é preciso sentir o carro: os cheiros, os sons. Quando sente aquele cheiro de ferro de soldar já sabe que tem um problema elétrico, se sente cheiro a líquido refrigerante deve ter ali alguma fuga. Temos de estar alerta para estes indicadores. Se ouvir ruídos que não deve pode estar alguma coisa fora do sítio, a gripar ou a raspar, convém abrandar e trazer o carro para casa ou chamar a assistência».

Inversamente, para quem sabe dominá-los, conduzir um automóvel deste tipo proporciona um prazer incomparável. «Estamos habituados a guiar carros a que podemos chamar eletrodomésticos. Praticamente andam sozinhos. Estes são o oposto disso: não se pode passar de caixa de qualquer maneira, não se pode travar de qualquer maneira, não se pode acelerar de qualquer maneira. Quando se consegue fazê-lo bem é um prazer enorme. Posso dizer que já conduzi desde o nosso 195 Inter até outros Ferraris, como o F40, e tive experiências ótimas: a potência do carro, o arranque, o poder de travagem, também as dificuldades que eles apresentam. O F40 não tem direção assistida, não tem ABS, não tem controlo de tração, portanto qualquer erro que se cometa pode ser um erro que vai custar muito caro».

Tiago Patrício Gouveia considera no entanto que não se deve ter um respeito «exagerado» pelo valor e a história destes carros. «Ter um Ferrari para andar a zero à hora não faz sentido. Aqui no museu temos um bocadinho menos respeito do que normalmente as pessoas têm. Não é a exagerar, não é para estragar, não é para partir, mas é utilizar o carro: guiá-lo como ele deve ser guiado».

Vermelho de corrida

Entre os dez carros em exposição no Caramulo há quatro azuis e seis vermelhos. «Infelizmente não temos nenhum amarelo», lamenta o diretor do museu. Patrício Gouveia explica por que associamos o vermelho à Ferrari. «Nas competições e Grandes Prémios daquela altura, os carros estavam pintados com as cores dos países dos seus concorrentes. E os italianos usavam aquele vermelho, que era a cor também da scuderia Alfa Romeo quando era gerida pelo Ettore Ferrari, e mais tarde da própria Ferrari. Por isso lhe chamam rosso corsa, vermelho de corrida».

A cor ‘oficial’ da marca italiana era, no entanto, o amarelo, que surge no emblema do cavalino rampante. Quem diria?