Já é azar, e vítimas, a mais para não haver responsáveis

Marcelo sabe que não pode pactuar com os políticos que vão de férias em paz e descanso enquanto o povo que os elegeu (?) sofre com calamidades e falta de socorro e de comando

Aos poucos, Marcelo Rebelo de Sousa vai-se demarcando de António Costa e do seu Governo.
É um pormenor, mas não é de somenos: o Presidente da República interrompeu as férias para ir ao Funchal marcar importante presença e informar-se in loco sobre mais uma tragédia neste verão louco em Portugal.

Desta vez, morreram 13 pessoas vítimas da queda de um carvalho centenário.
Mais uma vez, tudo o que se viu nas reações públicas de quem dito responsável foi a tentativa de… desresponsabilização.

Uma vergonha!

Jorge Coelho recusa-se ainda hoje a falar sobre as razões da sua demissão na tragédia de Entre-os-Rios.
Ministro das Obras Públicas do Governo de António Guterres e homem forte do aparelho socialista, Jorge Coelho demitiu-se no dia em que caiu a ponte. Não perdeu tempo: independentemente de inquéritos, peritagens ou o que quer fosse, para Jorge Coelho «a culpa» não podia «morrer solteira». Por isso, demitiu-se.
Nunca mais voltou a falar sobre o assunto, é certo. Nem voltou a exercer funções políticas e públicas (tirando comentador).

Coelho sabe que tinha na sua secretária, eventualmente nalguma gaveta, um relatório que alertava para os perigos de várias estruturas. Entre-os-Rios era uma delas. E semanas antes caíra outra, na Figueira da Foz, felizmente sem vítimas mortais.

Ora, Jorge Coelho não se demitiu na sequência da queda da ponte da Figueira, mas obviamente que o fez em Entre-os-Rios. Porquê? Porque houve vítimas mortais.

E sempre que há vítimas mortais, sejam elas simplesmente por omissão, negligência, incompetência ou mera incapacidade para as evitar, «a culpa não pode morrer solteira». Não pode!

António Costa tem razão quando diz que a demissão deste ou daquele ministro não resolve nada.
Infelizmente, é verdade. Nada devolve a vida aos infelizes que estavam no sítio errado à hora errada.
Mas aos vivos, ou sobrevivos, a ideia da desresponsabilização, da impunidade, da ausência de consequências para quem dito responsável não é indiferente.

Em Pedrógão Grande, já vai para mais de dois meses, morreram seis dezenas e meia de pessoas.
Agora no Funchal, morreram 13.

Uma vida humana é uma vida humana. É o bem mais sagrado a salvaguardar.
Quando tanta gente se indigna com o racismo e xenofobia do discurso de Trump nos Estados Unidos, com a deriva ditatorial do senhor Maduro na Venezuela ou com as ameaças pífias dos testes nucleares do ditador Jong-un na Coreia do Norte, quem de bom senso junta-se-lhes na condenação.

Os desvarios destes senhores são, na verdade, uma ameaça para a Humanidade. Atentam contra a dignidade, a liberdade, contra os direitos humanos mais elementares e, sobretudo, contra vidas humanas.

Sejam de esquerda, de direita, ou de coisa nenhuma.
Mas, neste país pequenino, a facilidade com que se alijam responsabilidades com vidas colhidas a pessoas – crianças, idosos, homens ou mulheres, avós, pais, mães, filhos – também não pode deixar-nos indiferentes.

Porque uma vida não pode ser assim desconsiderada.
Não chegam as lágrimas, os abraços, os beijinhos ou a solidariedade, os inquéritos, estudos e palavras ocas ou promessas vãs.

É preciso que os ditos responsáveis, se o são, assumam as consequências das suas responsabilidades.
Só assim são confiáveis. De outro modo, não o são.

Se a demissão não resolve coisa nenhuma, como bem diz António Costa, a ausência de assunção de responsabilidades, a desresponsabilização e a impunidade agravam e muito os problemas.
Porque se repetem. E repetem. Mais incêndios, mais quedas de árvores, mais avionetas que se despenham ou aterram em zonas cheias de gente – sejam hipermercados ou praias.

A menorização da responsabilidade aumenta o risco e os comportamentos desviantes. E abala a confiança.
Não basta exercer o poder. É preciso assumir as consequências e responsabilidades inerentes, ou então, não se serve.
E quando não se serve, o melhor serviço público, a melhor missão, é sair.
Essas senhoras e senhores que andam a brincar com a vida dos outros não servem a causa pública.

E, se não se demitem, deviam ser demitidos.
Marcelo Rebelo de Sousa sabe que não pode pactuar com os políticos que vão de férias em paz e descanso enquanto o povo que os elegeu (ou permitiu fazerem-se eleitos) sofre com calamidades, falta de socorro e de comando.
Já é demais. Não se pode continuar a deixar andar.

Vá lá que o sismo em Lisboa foi ‘só’ de grau 4,3 na escala de Richter. Há quem diga que se houver um sismo ‘a sério’ a coisa vai ser feia. Porque enquanto se albarda o burro à vontade do freguês, que é como quem diz se embeleza a cidade para consumo de turista, as verdadeiras obras de sustentabilidade da capital e de prevenção de riscos que são reais estão por fazer.

E se houver azar… é mais uma calamidade imprevisível com vítimas mas sem responsáveis. Porque ninguém podia prever uma coisa assim.
Presidente, não chegam os recados ou as mensagens sub-reptícias ou subliminares. Importa agir, e já. E cito-o: doa a quem doer. Porque é demais.
Já é azar e vítimas a mais para não haver um único governante ou autarca (seja lá de que partido for) responsável.

PS: O Governo decretou luto nacional pela tragédia na Madeira. As festas prosseguiram em muitos concelhos do país. Para onde vamos?