Incapacidade para gerir a nossa casa comum

1. MALDIÇÕES. Parece que o Diabo anda à solta em Portugal neste Verão, dirão os mais supersticiosos. Azar atrás de azar, desgraça atrás de desgraça. O roubo de armas em Tancos, a tragédia de Pedrógão Grande, o carvalho que caiu no Funchal, o andor que tombou no Minho, um País que continua a arder, como…

1. MALDIÇÕES. Parece que o Diabo anda à solta em Portugal neste Verão, dirão os mais supersticiosos. Azar atrás de azar, desgraça atrás de desgraça. O roubo de armas em Tancos, a tragédia de Pedrógão Grande, o carvalho que caiu no Funchal, o andor que tombou no Minho, um País que continua a arder, como sempre, mas agora batendo todos os recordes. É claro que existe sorte e azar; é claro que existem atos da natureza. Mas todos estes casos espelham em sua essência a nossa incapacidade colectiva para gerir a nossa casa comum. Uso expressões englobantes – ‘nossa’, ‘colectiva’, ‘comum’ – porque a responsabilidade é em última análise de todos, ‘governantes’ e ‘governados’. Mas não o é em graus iguais. Ao cidadão culpa-se a ignorância, a incúria e a insuficiente responsabilização democrática. Aos ‘governantes’ (estes e todos) culpa-se a ineficácia em prover serviços públicos básicos nos quais a segurança dos cidadãos está à cabeça. Passam-se novas leis, anunciam-se reformas históricas, mas não se consegue garantir a vigilância electrónica de um paiol, a limpeza e delimitação da floresta ou a simples inspeção de um carvalho centenário. 

2.ÁGUAS PROFUNDAS. Nesta semana começou a ser discutida nas Nações Unidas a proposta portuguesa de extensão da sua plataforma continental. A ser aprovada, Portugal passará a ter jurisdição sobre os solos e subsolos marítimos (e suas riquezas) para além das 200 milhas marítimas, numa área 40 vezes superior à superfície emersa e equivalente à da Índia. Se tal acontecer é uma boa notícia. Mas não nos iludamos com manás. Como a história contemporânea mostra à saciedade o cerne da riqueza das nações não são os recursos naturais mas a natureza das suas instituições políticas. Incentivam o ‘fazer’ e ‘fazer acontecer’? Envolvem os cidadãos na governação e na partilha do valor criado? Acautelam as gerações futuras? Ou, pelo contrário, estão capturadas em benefícios de uns poucos? As calamidades deste Verão e casos como o do GES e PT fazem-me duvidar. 

3. A ECONOMIA. Regressado a Portugal depois de dois anos de ausência é óbvia a alteração do clima económico. Nota-se nos indicadores-desemprego em queda, as maiores taxas de crescimento deste século, exportações fortes – e no semblante das pessoas. Isto é indubitavelmente bom. Mas o crescimento não é assim tão forte (sobretudo em termos de convergência) nem garantido que vá perdurar. Quem chegou de fora naturalmente pergunta: Porquê? O que mudou? Estão os fundamentos da economia mais sólidos? Ou estaremos de novo a subir porque a maré está cheia?