Tempos difíceis na Casa da Democracia

Gosto de pensar na Assembleia da República como a Casa da Democracia onde estão, ou deveriam estar, os pesos e as medidas com que se afere a qualidade do regime. Gosto de pensar que Winston Churchill tinha razão quando disse que «a democracia é o pior dos regimes, com excepção de todos os outros». E…

Gosto de pensar na Assembleia da República como a Casa da Democracia onde estão, ou deveriam estar, os pesos e as medidas com que se afere a qualidade do regime. Gosto de pensar que Winston Churchill tinha razão quando disse que «a democracia é o pior dos regimes, com excepção de todos os outros». E gosto de pensar que ‘os eleitos exercem o poder em nome do povo e no interesse do povo’. Tudo excelentes intenções!

Como cidadão votante, sempre achei que o ponto máximo foi atingido na Constituinte, quando a qualidade dos deputados era de fazer inveja a qualquer Parlamento das democracias mais avançadas. Depois, foi o Diabo. Cada nova Assembleia Legislativa descia um grau na escala da qualidade, até se atingir um nível que está próximo da indigência. A usura do tempo, a preguiça e o comércio dos interesses deixaram marcas que não se apagam. 

 Aparte cenas lamentáveis, com que de vez em quando o país é brindado, os espectáculos mais degradantes montados naquela casa são, sem qualquer dúvida, as Comissões Parlamentares de Inquérito, vulgo CPI. Para vergonha de todos, em dezenas de Comissões, o Parlamento tem para mostrar um único caso bem-sucedido. Um score pouco lisonjeiro.

Ainda recentemente, a nossa Assembleia da República passou a si própria um inconcebível atestado de menoridade ao aceitar, sem protesto, o enxovalho de ver as mais altas instâncias do Estado não lhe reconhecerem isenção para conduzir o inquérito aos acontecimentos de Pedrógão Grande. Não há duas leituras: o inquérito foi confiado a uma ‘comissão técnica independente, constituída para averiguar o que se passou nos incêndios’ porque a AR não merece a confiança do país. É um precedente terrível. 

Como uma desgraça nunca vem só, seguiu-se a votação do inqualificável Relatório da Comissão de Inquérito à Caixa Geral de Depósitos. 

Difícil escolher o pior: se a investigação trapalhona, se as incríveis conclusões do Relatório, se o ridículo da votação. Gostaria de acreditar que a fantochada se deveu ao facto de ainda haver deputados honrados que recusaram votar porque… o absurdo tem limites, mas temo que não tenha sido essa a razão. Assim sendo, enquanto não tiver uma explicação decente, só posso imaginar as piores razões. 

O desastre só não foi completo porque, com a subtileza habitual, o BE passou a perna aos partidos maioritários e enviou a tralha toda ao Ministério Público. 

Que se cuidem os que se têm esforçado para manter enterrados os desmandos que atiraram a CGD para os cuidados intensivos. A CPI bem quis ajudar a ‘pentear o macaco’, mas esqueceu-se de ensaiar a votação e a coisa deu para o torto. Agora, aparecem uns quantos a reclamar a repetição da votação. Casa de doidos, quanto mais mexem, pior cheira. Não enxergam que não há peneira – ou CPI – que seja capaz de tapar o Sol!  

A bola está no campo do Ministério Público. Dele se espera que faça as perguntas que a CPI não quis fazer e exija os documentos que foram negados aos deputados. Tarde ou cedo, alguém fará sair para a luz do dia os segredos que continuam guardados nas caves da Avenida João XXI.

A bem da Nação!