Deftones. “Donald Trump é o produto de um tempo confuso”

Por lapso, os Deftones foram empacotados na imundície nu-metal. Vinte anos depois, resistem sem acaso. E ainda têm uma visão do mundo

De regresso a Lisboa para um concerto no Super Bock Super Rock após sete anos de separação física dos fãs portugueses, o reencontro com os Deftones adquire contornos geracionais e remonta a uma era que a banda recusa. É a nostalgia a primeira correia de transmissão dos seguidores mas o que os Deftones querem mesmo é ir sem voltar. O pretérito é sempre imperfeito e em 2008 sofreram o maior revés pessoal quando o baixista Chi Cheng foi projetado para fora do automóvel onde seguia com a mãe e entrou em coma induzido. Após um longo período de internamento, o músico acabou por morrer. A obra dos Deftones sempre foi construída em torno da angústia e do nervo, e a perda de um membro pô-los de novo à prova. Em álbum e na estrada, a resposta foi inequívoca. Estão vivos e, ainda que amadurecidos por vinte anos de abalos, sem precipícios, ainda agitam a fé. Enquanto o vocalista e símbolo Chino Moreno testava manobras nos bastidores do MEO Arena, o baixista Sergio Vega e o DJ Frank Delgado falavam sobre o lugar da banda e o estado do mundo. 

Deixaram um álbum gravado com o Chi Cheng a que deram o título provisório de “Eros”. Acabará por ver a luz do dia?

Frank Delgado – Duvido. Nem sequer falámos sobre isso. Existe, estava a ser trabalhado mas nunca foi concluído. Acaba por ser mais um mito. Depois do acidente do Chi, deixámos de pensar no “Eros”. Para que pudesse sair, teríamos que voltar a essas canções e terminá-las. Muitas nem sequer têm voz. É pouco provável que aconteça. 

Há um antes e um depois do acidente do Chi?

FD – Penso que sim. Tudo isso faz parte desta longa jornada por que temos passado. O que aconteceu com o Chi teria acabado com a maioria das bandas. Provavelmente, deixavam-se abater pelos acontecimentos e a forma de colocar uma pedra sobre o assunto era separar-se. Nós fomos capazes de canalizar a energia [negativa] da morte do Chi e continuarmos. A nossa sobrevivência resulta daí. E desde aí não parámos. 

Em que ponto da vossa “jornada” se encontram agora?

FD – Nós começámos aqui e fomos sempre os mesmos [faz uma linha reta com o indicador]. Estamos sempre no pico. Nunca descemos ao precipício. O “White Pony” [álbum de 2000] vendeu mais mas fomos sempre relevantes. Os números foram sempre crescendo em relação aos anteriores. As editoras nunca tiveram que se preocupar connosco. 

Sergio Vega – Este [Gore, de 2016 ] foi número um na Austrália, esteve nos dez primeiros aqui, nos cinco primeiros ali…

FD – O “White Pony” só chegou a número dois, curiosamente. Mas agora estamos num momento da carreira em que vemos as editoras preocupadas com a rádio…nós não perdemos um segundo com isso. É agradável consegui-lo mas…

SV – A nossa função como músicos é escrever as melhores canções possível, trazer ideias fixes e trabalhá-las em grupo. Queremos sempre ser melhores e desafiar-nos. Não é a rádio que nos vai objetar a atingirmos os limites, como disse o Sergio. Sentimo-nos muito bem em palco, temos uma ótima energia e são esses os motivos que nos levam a continuar e querer mais. 

Há não muitos anos, James Hetfield confessava que os Metallica viviam para os fãs e só por isso resistiam à passagem do tempo. A fidelidade dos fãs é o Santo Graal de uma banda rock?

SV – É a experiência completa. São faces diferentes do mesmo. Para mim, o processo criativo é egoísta mas como somos cinco, temos de encontrar um consenso enquanto grupo. Essa é uma parte única de estar numa banda. Depois, há o período de gravação, para mim bastante excitante. E no fim, partilhamos tudo com as pessoas, vamos para a estrada tocar aquilo que trabalhámos, gravámos e ensaiámos. É uma fome que vai nascendo quando se está a criar. E assim que os concertos terminam, voltamos ao princípio porque, naturalmente, surge uma vontade de ter material novo para mostrar às pessoas e testar. É como um círculo perfeito que se alimenta a si mesmo. Felizmente, o entusiasmo que qualquer uma das partes nos traz nunca diminuiu. Talvez porque sejamos grandes fãs de música. Não vivemos demasiado fechados em nós mesmos, enquanto banda. Sou muito amigo de outros grupos e noto quando começam a perder o centro de gravidade porque se olham demasiado ao espelho, veem o reflexo e só pensam nelas. Deixam de ouvir música, o que nem sequer é natural. Quando se está ativo, é natural estar-se envolvido com o meio. 

FD – Quando estamos em digressão, é para os fãs. Somos nós e eles. Dar e receber energia. Quando estamos a compor, é um processo muito mais solitário. É para nós.

Ouvem música diferente da que fazem para limpar os ouvidos ?

SV – Nem sempre, depende. Há bandas que sempre ouvi por serem aspiracionais. É àquele nível que pretendo chegar. Por exemplo, os Pink Floyd. E os Radiohead. Ouço muito rap também. Quando estou em viagem, estou sempre atento ao que eles [olha para Frank Delgado] estão a fazer. Mantém-me inspirado. Nem sempre ouço música da minha coleção. 

Em 1998, gravaram uma versão de “To Have and To Hold” para um tributo aos Depeche Mode, uma das maiores referências dos Deftones, quando a maioria vos relacionava com bandas como Limp Bizkit e o movimento nu-metal. Chegaram a um público diferente?

SV – Nós vimos de um tempo em que havia diversos movimentos a borbulhar. Tanto gostávamos de música dos anos 80, como de rap puro e duro. Havia o punk, o thrash e o hardcore. Para mim, foi mais duro crescer segregado [Sergio Vega era baixista da banda de hardcore progressivo Quicksand] mas pela experiência do Frank estas bandas emergiam ao convergir. 

Como é que olham para o facto de as gerações nascentes se relacionarem com o rap, como dantes se relacionavam com o rock, e para o rock ser hoje consumido sobretudo por adultos? Há um braço de ferro?

SV – De há algum tempo para cá, os rappers passaram a inspirar-se na cultura ética do rock. “Nós somos estrelas rock e usamos T-shirts dos Metallica”. É fixe. Não me sinto em competição. Sempre gostei de rap (ri-se).

FD – Todos os géneros têm os seus ícones, o submundo emergente e o desconhecido. Dentro disto, há melhores e piores. Haverá sempre rappers e bandas pesadas a aparecer Alguém disse que o rock estava finalmente morto. Isso é verdade se pensarmos numa perspetiva abrangente mas se fores um miúdo de uma cidade, haverá sempre bandas de rock. Nunca nada morre. Tudo o que é preciso é a vontade de viver a música e ir a concertos. Se estás à espera que a rádio te dê alguma coisa, é complicado.

Vêem fãs novos nos concertos?

FD – Definitivamente, muitos. E seja lá porque motivo vieram, porque conheceram através de pais, tios ou irmãos, dá-nos anos de vida. Temos muito para dar a diferentes escalas etárias (ri-se). 

SV – É muito engraçado ver as pessoas de vinte anos a reagir às canções do “Gore”. E, por outro lado, os pais a delirar quando voltamos aos primeiros álbuns [”Adrenaline” de 1995 e “Around The Fur” de 1997]. É um grande ajuntamento multi-geracional. 

Como americanos, pensam que o governo Trump representa o país ou é um acidente de percurso?

FD – É triste. E o produto de um tempo confuso. Não creio que ele esteja minimamente habilitado [para ser Presidente dos EUA] . Ele é um boneco. Não sabe nem o que diz, nem o que faz. E tem o cargo mais importante do mundo. Implica com tudo, com a política europeia e global. Acho que vai acabar por arruinar tudo. 

SV – Demorou menos de um ano a perder a confiança dos que o elegeram. 

FD – É um grande azar tê-lo na Casa Branca mas creio que acabará por se derrotar a si mesmo. 

SV – Quando o filho [Donald Trump Jr.] e o genro [Jared Kushner, conselheiro e diretor de campanha nas últimas eleições] for chamado a depor devido ao apoio russo à campanha tudo aquilo se irá desmoronar. 

FD – As pessoas vão acabar por fartar-se do facto de o que ele diz não ter qualquer interesse nem adesão à realidade. As pessoas inteligentes esperam que ele caia.

SV – Não votei nele mas sei de quem votou e está dececionado.