E, pela madrugada, o ronco preguiçoso do farol

Inaugurado em Agosto de 1893, o Farol de Aveiro fica… na Barra, para lá da Gafanha da Nazaré – ergue-se 66 metros acima do nível do mar e é o segundo maior da Península Ibérica.

Para a gente da minha geração, que vivia os verões entre Águeda e a Praia da Barra, ali na linha reta de Aveiro, as madrugadas que se seguiam às noites passadas entre a esplanada do Café Farol, as catacumbas do Galeão e o areal coberto de névoa, eram embaladas pelo som emoliente da ronca do farol.

Ronca pode não ser um termo absolutamente técnico – embora os manuais falem de Casa da Ronca – em relação aos dispositivos de aviso sonoro que se utilizam em fases de nevoeiro. E, além disso, a ronca já foi substituída por um apito irritante que de embalador tem nada.

Esta é uma boa semana para se falar do Farol da Barra, que tem nome de Farol de Aveiro, que é da freguesia da Gafanha da Nazaré e do concelho de Ílhavo. Porque foi em Agosto que foi inaugurado, nesse ano já tão distante de 1893. Durou dois anos a sua construção. E é às riscas vermelhas e brancas, que o distingue da maioria dos faróis portugueses, mas que nem sequer é o motivo principal dessa distinção já que é o mais alto de todos em Portugal e o segundo da Península Ibérica.

62 metros de altura. Ergue-se a 66 metros acima do nível do mar.

Não inveja muito o campeão ibérico, convenhamos: o Farol de Chipiona, nos arredores de Cádis, vai até aos 63 metros, uma ninharia afinal, e foi inaugurado quatro anos mais tarde, o que até  parece deixar no ar um certo toque competitivo.

Por outro lado, em termos de campeonato da Europa dos faróis, o Farol da Barra atinge um muito razoável 16.º lugar, sendo o de Finisterra, em França, o mais alto do Continente, com 82 metros de altura.

O mais famoso do mundo, talvez seja a Lanterna de Génova que, com 77 metros, fica ainda longe daquele que é considerado o mais alto do planeta, situado em Jeddah, na Arábia Saudita, e que mede 133 metros.

Falámos da Lanterna de Génova, já vamos voltar ao Farol da Barra, ou de Aveiro, escolham vocês, não lhe chamem, por favor, farol da Gafanha da Nazaré porque esse é um pequenino, ali à barra do porto, com São Jacinto do outro lado, e que embocava na antiga ponte de madeira que agora já não há, levada pelo tempo, pela modernidade e, aqui e  ali, pela memória.

O farol primordial foi, como sabemos praticamente todos, o da  Ilha de Faros, ao largo de Alexandria, no Egipto dos Ptolomeus, e que daí deu nome a todas essas torres geralmente cilíndricas que guiam os barcos em direção aos molhes e aos cais. Uma das Sete Maravilhas do Mundo Antigo, teria muito provavelmente mais de 130 metros de altura, embora nestas coisas de anos contados para lá dos dois milhares comece a ser difícil acertar no alvo correto das medidas. Não seria poupado pelos terramotos que o transformaram em ruínas deprimentes.

Já o Lanterna de Génova surgiu no tempo das Descobertas, terminada que foi a sua construção em 1583, o que faz dele o mais antigo entre os mais altos. Ainda por cima teve um faroleiro emérito, um tal de António Colombo, tio de Cristóvão, descobridor da América com licença de Américo Vespuci.

271 mais 20 degraus…

Pois, para uns se safarem no mar, havia os que ficavam em terra, de vigília, que é disso mesmo que se trata quando se fala de faróis.

O Farol da Barra é um clássico, de luz branca, cujo alcance atinge qualquer coisa como 23 milhas náuticas, isto é, mais milímetro menos milímetro, quarenta e três quilómetros, assim mesmo, por extenso que bem o merece.

Repare-se: nisto de faróis, também há regras como nos semáforos. Quando pisca a luz vermelha, é obrigado o capitão do navio a dar o bombordo à luz. Quando pisca a luz verde, deve o comandante da embarcação dar o estibordo à luz.

Acrescente-se, para aqueles que da vida marítima, lacustre ou fluvial nada pescam – permitam-me a leviandade da expressão – que para quem está virado para a popa do barco, o bombordo fica à esquerda e o estibordo à direita.

Há uma teoria que explica esta terminologia e a torna simples de perceber. As direções estipuladas vêm dos termos franceses babord e tribord que, por sua vez, dividem a palavra Battrie escrita de forma visível nos conveses respetivos: ou seja, ‘ba-bord’ e ‘trie-bord’. Isto em tempos mais hodiernos pois havia já um bombordo e  um estibordo para distinguir os caminhos do mar, sendo que o bombordo vinha mesmo da expressão portuguesa ‘bom bordo’, referindo-se, para os que desciam o Atlântico em rota para as Tormentas, tinham a costa de África à esquerda, muito bom se compararmos com a vastidão inóspita do oceano à direita.

Bem, voltemos ao Farol da Barra, ou de Aveiro, assunto que aqui nos traz neste sábado canicular.

Entre os grandes mundiais, instala-se no 22.º lugar.

E teve influência nos dois faróis que dominam os arredores de São Petersburgo, na Rússia, no Lago Ladoga, o Storozenskhiy e o Osinovetskyi, vestidos ambos com as mesmas risquinhas vermelhas e brancas que lhes dão, convenhamos, um ar bem mais de verão do que de inverno.

E está aí para quem o queira visitar, subindo os 271 degraus em caracol mais os 20 de metal até à lâmpada gigante e magnífica.

O projeto da sua construção foi iniciado pelo engenheiro Martins Cabral e concluído pelo seu colega Melo Mattos. 
Uma necessidade na época para a segurança do trânsito marítimo que incluía, não o esqueçam, até frequentes viagens entre Lisboa e Porto. A zona em que foi erguido é de muito escassa visibilidade para as embarcações: sendo essencialmente plana, contribuiu para frequentes ilusões em relação às distâncias. Por isso, investiu-se em grande num farol: 51 contos! 

Paredes de alvenaria e betão de 60 metros de espessura.

O vermelho era do grés de Eirol, ali para os lados onde o rio Águeda e o rio Vouga se juntam para irem encaixar nos canais labirínticos da Ria de Aveiro.

«Que ferro! É de estalo!», diria o Ega, n’Os Maias, que já tinham percorrido as mãos e os olhos ávidos dos leitores portugueses de então, escritos por esse mágico Eça que passou alguma da sua infância em Verdemilho, Aradas e num dos palheiros da Costa Nova do Prado, tudo ali na zona.

E é mesmo. Basta ir lá e ver…