Fogos. Incêndios feriram 121 bombeiros nas duas últimas semanas

Corporações ouvidas pelo i admitem cansaço, mas dizem que é a maior a preocupação com o estado da floresta. Associação defende maior acompanhamento da saúde dos soldados da paz

Nas duas últimas semanas, o combate aos incêndios causou ferimentos a 121 bombeiros, que representam assim a maioria das vítimas registadas pelo INEM na sequência dos fogos. A informação foi ontem dada ao i pela Autoridade Nacional de Proteção Civil, que adiantou que, de 11 de agosto até ao momento, tinham sido registados 152 feridos nos incêndios.

A associação Chama Saúde, que no ano passado divulgou um estudo sobre a saúde dos bombeiros, defende que é preciso ir além dos períodos críticos dos fogos e analisar o estado de saúde dos soldados da paz de uma forma mais regular. “Os nossos bombeiros voluntários não têm sistema de saúde próprio e não são seguidos do ponto de vista médico”, frisou ao i Cecília Longo, presidente da associação.

No ano passado, um estudo publicado por esta associação revelou que cerca de dois terços dos 40 mil bombeiros portugueses são voluntários e a sua saúde não é monitorizada. Para a associação, a falta de um sistema de saúde próprio é uma “falha grave” e a responsável alerta que a permanente exposição ao fumo pode originar inflamações nos brônquios e obstruir as vias respiratórias. Neste estudo foram inquiridos 582 bombeiros, dos quais 312 afirmaram ter algum problema ou doença pulmonar. Só cerca de metade (47,9%) praticava exercício regularmente e 43,6% são fumadores, o que aumenta o risco de problemas respiratórios.

Cansados mas com sentido de missão

O período crítico de incêndios termina a 15 de setembro, mas os bombeiros vão acusando cansaço. Ainda assim, domina a preocupação com o estado da floresta, que ciclicamente torna os verões mais difíceis de superar, disseram ao i comandantes de corporações que têm estado mobilizadas no combate aos fogos.

Para perceber o ânimo dos operacionais, o i fez uma ronda por algumas das corporações das zonas mais fustigadas este ano pelas chamas. O sentimento é de estarem a cumprir uma missão, mas os receios acabam por estar no estado de abandono das matas e áreas florestais, referiu Luís Lopes, comandante dos Bombeiros Voluntários de Leiria. O mesmo sentimento de receio e preocupação também se faz sentir nos Bombeiros Voluntários de Abrantes, segundo afirmou António Jesus, o comandante, ao i.

Desde o início do mês de agosto já deflagraram cerca de 2900 incêndios. O recorde registou-se no passado domingo, com 286 fogos, o dia com mais incêndios deste verão. As chamas, que este ano ganharam proporções trágicas, obrigam a um esforço redobrado por parte dos operacionais no terreno. “Os bombeiros que eu comando estão no máximo 24 horas no teatro de operações e são substituídos por outras equipas. Nas 24 horas, além do almoço e jantar, fazem refeições intermédias, como é conveniente, até para poderem parar e terem algum descanso e para conseguirem repor a hidratação necessária para as operações de combate, que são bastante desgastantes”, refere Luís Lopes, que admite que existe por esta altura algum cansaço, mas sobretudo preocupação com o que ainda pode acontecer.

Acompanhamento psicológico

As horas consecutivas sem descansar levam a um desgaste físico e psicológico. Das corporações que o i contactou, nenhuma tem, ainda assim, casos de operacionais que necessitem de acompanhamento psicológico.

No entanto, as corporações de Leiria e Abrantes fazem saber que têm à sua disposição uma psicóloga para eventuais pedidos de apoio. “Queremos ter operacionais devidamente preparados para essas situações. Obviamente que temos situações de exceção que transcendem aquilo que são as nossas missões normais, e nessas sim, haverá depois um acompanhamento particular se se justificar, mas neste momento não tenho nenhum operacional que precise de ser acompanhado individualmente e com um programa mais específico que tenha sido consequência destes incêndios”, justificou o comandante dos Bombeiros Voluntários de Leiria.

Jaime Marta Soares considera que o sentido de missão acaba por ser um fator de proteção dos bombeiros, mesmo a nível emocional. “Ultrapassam essas dificuldades complexas com o sentimento de missão, com o sentimento de que são necessários, são precisos naquele momento, e que sem eles o país entraria numa situação de catástrofe ”, diz o presidente da Liga dos Bombeiros Portugueses. “O bombeiro, por si só, tem a sua própria autoproteção, está habituado a combater esses traumas que possam existir, traumas do cansaço, traumas psíquicos, traumas psicológicos. Essas mulheres e esses homens são resistentes a todas essas situações e efetivamente nunca se deixam vencer por elas”, continua o responsável.

Quanto à vigilância médica, Marta Soares explica que está em curso um programa que pretende avaliar anualmente 6 mil bombeiros, para que ao final de cinco anos todos tenham passado por uma consulta. Já foram avaliados metade dos operacionais e, depois de um ano de suspensão, foi lançado o concurso para retomar a iniciativa.

Para Cecília Longo, além de uma vigilância médica mais rotineira, importa reforçar junto dos operacionais hábitos de vida saudáveis, como terem cuidado com o excesso de peso ou fazerem mais exercício, até porque isso se reflete na preparação física para combater os fogos.

“Eles ultrapassam essas dificuldades complexas com o sentimento de missão”.