Nuno Canta. “O PCP quer voltar ao aeroporto do engenheiro Sócrates. Isso já é história”

Presidente da Câmara do Montijo apoia geringonça, mas não poupa críticas aos comunistas do Montijo

Nuno Canta é o único presidente da câmara socialista da península de Setúbal e não poupa críticas ao PCP por, ao contrário do que aconteceu a nível nacional, não estar disponível para fazer acordos com o PS. “Há uma tentativa permanente de obstrução”. O autarca socialista diz que se sente na aldeia do Astérix por estar rodeado de autarcas comunistas e acredita que o novo aeroporto vai mudar a região. “Esta solução é mais barata e está provado que dura 50 anos”, afirma o socialista, que prevê ter “aviões a descolar e a aterrar” daqui a quatro anos. O presidente da Câmara do Montijo, numa conversa com o i esta semana, confessa ainda que gosta de touradas e garante que naquela região a tauromaquia está com mais força do que nunca.  

O PS conseguiu fazer um acordo a nível nacional com a esquerda. O que é que impediu que existisse um entendimento com o PCP no Montijo?

Aqui não tem existido. É fruto das circunstâncias. Existe aqui uma luta histórica entre o Partido Comunista e o Partido Socialista. Temos essa questão histórica. 

Tem pena que não seja possível um entendimento? 

Tenho pena. O PS já governa o Montijo há 20 anos. Nas últimas eleições autárquicas houve uma maior dispersão do voto. Nós aceitamos esses resultados e tentamos fazer um acordo, em primeiro lugar, com o PSD. Não nos quiseram dar essa estabilidade. Não aceitaram pelouros, nada. Fomos também falar com o PCP para tentarmos criar alguma estabilidade governativa

Isso antes da geringonça…

Sim. Antes da solução nacional. O PCP não quis nenhuma coligação. Nós tivemos de governar com maioria relativa. 

O acordo a nível nacional não ajudou a desbloquear essa situação?

Não. Havia interesse das oposições em que se mantivesse este tipo de coisas. Isso foi evidente. É natural criar coligações nas autarquias a seguir às eleições. Estamos cá pela terra, não estamos cá por cada um de nós, nem por cada um dos partidos. Muitas vezes acontece que os partidos são colocados em segundo plano e existe aquela ideia de estarmos a governar para a terra. Infelizmente isso não aconteceu com esta oposição. Houve realmente muitos bloqueios. Tivemos dois orçamentos, o de 2015 e de 2017, que nem sequer passaram na câmara. PSD e CDU juntaram-se e criaram uma maioria negativa e a proposta foi chumbada. Estamos a falar de chumbar todas as verbas que estão previstas para os ordenados, todas as verbas previstas para a educação, todas as verbas para o investimento… Havia a ideia de que sem orçamento teríamos eleições antecipadas. Não é assim nas autarquias. 

Como é que um autarca que tem tantas dificuldades em dialogar com o PCP vê esta solução a nível nacional?

A nível nacional a solução é diferente. 

Foi um adepto deste acordo com os comunistas e o Bloco? 

Fui. Acho que o PS e o PCP têm vantagens em se unirem. Não sabemos se isto é conjuntural da parte do Partido Comunista ou se é uma questão para durar. Esta coligação é apoiada na diversidade dos partidos. Os partidos não perdem a sua autonomia. Cada partido mantém a sua força e colocaram Portugal à frente das suas convicções mais profundas. Isto é uma coligação por Portugal. Isso não aconteceu no Montijo. Há uma tentativa permanente de obstrução.

Na apresentação da sua candidatura pediu uma maioria clara…

Pedi, pedi… Uma maioria clara e absoluta. Este foi um mandato difícil. Não foi só esta questão relacionada com a conjuntura interna. Houve também uma grande dificuldade do ponto de vista financeiro devido às políticas de austeridade do anterior governo do PSD e do CDS. As carências financeiras marcaram muito a nossa gestão. O que conseguimos é verdadeiramente histórico porque melhoramos todos os indicadores económicos e financeiros da câmara. Todos. O PSD dizia que a câmara estava falida e nós provamos que isso não era verdade e somos hoje um dos municípios com melhores indicadores económicos e financeiros do país.

Se não tiver maioria absoluta está disponível para continuar mais quatro anos numa situação de instabilidade?

Temos de ter essa disponibilidade.  Não vamos desistir da nossa cidade. Essa é a grande diferença entre quem é mesmo da cidade, que nasceu e foi criado aqui, e quem não é de cá. Nós não abandonamos a nossa terra, independentemente das condições, das dificuldades, das mistificações, dos boatos que muitas vezes aparecem.   
Julga que os bons indicadores económicos do país podem ajudar o PS a ter um bom resultado nestas autárquicas?
Este governo ainda não teve tempo para permitir um desenvolvimento económico mais sustentado no país, mas os indicadores que hoje aparecem são muito fortes e dão-nos uma perspetiva de futuro muito boa. Sente-se aqui na população esse respirar. 

Espera colher alguns frutos dessa governação como autarca socialista?

Isso traduz-se sempre num benefício para qualquer um dos autarcas do país. Um governo que está fazer uma boa política a nível nacional tem influência em qualquer uma das autarquias locais e particularmente naquelas que são da sua cor política. 

Qual é o ponto da situação em relação ao aeroporto do Montijo?

O aeroporto é para nós um grande projeto. Há muita a gente a dizer que o governo me está a ajudar. Eu compreendo essa lengalenga…

Foi o que disse o presidente da câmara de Alcochete…

Sim, por acaso não li, mas sei que veio falar nisso. É uma frase para desviar as atenções, porque muito antes de o Partido Socialista estar no governo já eu defendia o aeroporto e defendia com força. Já defendia essa solução no tempo do dr. Passos Coelho. 

Defende o aeroporto no Montijo por uma questão local ou por achar que é a melhor solução para o país?

Por várias questões. Obviamente que para nós é muito importante. É extremamente importante porque eu vou conseguir localizar no meu território o que quase todos os municípios ambicionam. 

Uma obra destas para um autarca é uma espécie de sorte grande?

É verdade, mas também nos batemos por ela. Não ficamos quietos.

Ajudou o governo ser do PS?

Ajudou, se calhar, o autarca ser do PS. Se calhar ajudou. Tivemos muitas conversações para perceber que esta era a melhor solução. 

O que é que vai mudar?

É um motor de desenvolvimento económico. Vai produzir riqueza e vai criar empregos. Se perguntar a qualquer autarca do país se quer uma coisa para criar empregos, a resposta que obtém é: “Sim, imediatamente, venha ela”. Hoje em dia as políticas autárquicas são viradas para o desenvolvimento económico. 

Mudou a forma como os autarcas gerem os seus municípios ou a crise também obrigou a isso?

Os municípios já não estão vocacionados, como se vê aí em algumas propostas desfasadas no tempo, para as infraestruturas públicas. Isso é importante, mas nós temos de ter outra perspetiva. Nós começamos esta luta antes deste governo e, felizmente, conseguimos que este governo fosse ao encontro das nossas ideias. É um motor de desenvolvimento que vai tornar a península do Montijo e de Alcochete muito mais central na região de Setúbal e mesmo no país. Vamos ter aqui um elemento de afirmação neste território. Tenho muita pena que os autarcas da CDU não tenham capacidade de ter uma visão suficientemente alargada para perceber isto. É também um elemento de fortíssima afirmação da região de Setúbal perante a região de Lisboa criando uma coisa que é a cidade das duas margens. Nós temos de ter um rio, um estuário e cidade de um lado e de outro. Este aeroporto, vindo para cá com um fluxo que ronda quase os 10 milhões de passageiros por ano, irá concretizar essa cidade das duas margens.

Até que ponto é que outras localizações não dariam mais garantias a longo prazo?

É muito discutível. Nós já defendemos o aeroporto no Campo de Tiro de Alcochete quando foi o eng. Sócrates, mas isso tudo foi abandonado com a troika e as políticas de austeridade. O governo de Passos Coelho e Paulo Portas abandonaram essa situação da construção dessas grandes infraestruturas como o aeroporto, o TGV, a terceira travessia do Tejo…

O país tinha condições para fazer essas grandes obras que chegaram a ser anunciadas pelo governo de José Sócrates há cerca de dez anos? 

Não tinha. Foi uma questão também das circunstâncias do país. 

Esta solução…

Esta solução é mais barata e está provado que vai durar 50 anos. 

O presidente da câmara de Alcochete, Luís Miguel Franco, disse que o anúncio feito pelo governo só serviu para favorecer o PS no Montijo…

Essa questão não foi assim. O que interessa aqui é o interesse nacional e há uma urgência para o país e para a região de Lisboa em ter um alargamento da capacidade aeroportuária. Foram tomadas decisões contrárias a esse aumento da capacidade aeroportuária. Podem ser justificadas ou injustificadas, mas o que é facto é que foi assim. Isto torna urgente uma solução. 

Como é que está a preparar a vinda do aeroporto para esta região?

Nós estamos a preparar-nos desde o início para recebermos um aeroporto civil. Agora há uma decisão e a ideia é que em 2021 possamos ter aviões a descolar e a aterrar. Nós tivemos o cuidado de apresentar à ANA – Aeroportos de Portugal o caderno de encargos. Para a construção deste novo aeroporto é preciso uma nova entrada da Ponte Vasco da Gama no Montijo e é preciso concluir a nossa circular externa à cidade de modo a que essa circular seja a principal via de utilização para, por exemplo, irmos para o Alentejo ou vir de Setúbal e chegar ao aeroporto. Concluir mais uma ou duas avenidas aqui no Montijo de modo a ligar a circular externa ao interior da cidade e permitir maior desanuviamento do tráfego da cidade. 

A população do Montijo é favorável ao novo aeroporto?

Muito favorável. Até os votantes do Partido Comunista, que está contra esta solução, são a favor. O PSD votou favoravelmente a moção do aeroporto, mas o Partido Comunista votou contra. Não é a favor deste aeroporto dizendo que nós deveríamos regressar ao aeroporto do engenheiro Sócrates. Isso já é história, mas eles esta solução não querem. A CDU está contra isto, mas mesmo aqueles votantes muito fiéis da CDU que são do Montijo estão a favor do aeroporto. A cultura desta terra é uma cultura de transportes. De chegada e de partida de pessoas. Esta solução vai ao encontro do desígnio histórico da cidade. 

Mas não foi essa a razão principal que o levou a defender o aeroporto nesta região. Espera que com o aeroporto venham outras coisas?

Nós vamos criar muitos emprego. Irão ser criados também muitos empregos com as empresas que vão aparecer com o aeroporto. Ter aqui um aeroporto com aviões de low cost corresponde a ter empresas ligadas às tecnologias de informação. Essas empresas têm tendência para se instalar junto destas infraestruturas. Nós também estamos à procura de internacionalizar a nossa economia. Isto é uma oportunidade que quase ninguém tem. É claro que se olharmos para isto tudo parece que nos saiu a sorte grande, mas isto implica uma visão. Nós lutamos por esta solução, mesmo com o Partido Comunista contra. Eu tenho os autarcas comunistas, meus vizinhos, todos contra, mas gosto de ser a aldeia do Astérix. Penso que nós a partir do dia 1 de outubro vamos ter de nos sentar para ter uma estratégia comum. Nós o que pedimos é uma maioria clara para podermos liderar com força esta solução para o Montijo. O presidente da câmara precisa de ter força para junto dos investidores ter a possibilidade de afirmar os interesses da região.

O Montijo é uma terra ligada à tauromaquia. É aficionado?

Sou. Esta é uma terra que apoia a tauromaquia. Desde sempre. Estas terras estão muito envolvidas na festa brava.

Hoje os políticos têm alguma vergonha em assumir que gostam de touradas?

Eu não tenho essa vergonha. Nós devemos respeitar quem não gosta e essas pessoas devem respeitar quem gosta. A Câmara Municipal do Montijo apoia os seu grupo de forcados. Não com financiamentos, nada disso, mas pagando, por exemplo, o seguro de vida do grupo de forcados, porque muitas vezes há fatalidades e, em alguns casos, são pessoas muito jovens. 

O PAN e o Bloco de Esquerda, por exemplo, têm contestado os apoios das autarquias à tauromaquia.

Pois, estão no seu direito. É natural que apareça essa imagem. É natural, por exemplo, que as pessoas tenham uma preocupação com os animais de companhia. Mas depois esquecem outras questões. Quando os animais de companhia são abandonados na rua temos um problema de saúde pública. Não podemos ver isto de forma simplista. A legislação tem de salvaguardar a saúde pública das pessoas e é por isso que as câmaras durante anos e anos tinham a condição de poder abater animais doentes. Hoje é mais difícil fazer isso e é um problema. Esse problema vai manifestar-se daqui a dez ou vinte anos. A tuberculose, para dar um exemplo de uma doença que hoje está mais controlada, foi-nos transmitida pelos animais domésticos. Nós temos de ter esta visão holística – para utilizar uma expressão que esses partidos gostam – da situação. 

Os defensores dos animais acham que a tourada, mais tarde ou mais cedo, vai acabar. Qual é a realidade que existe nesta região?

Posso dizer-lhe que o Montijo nunca teve tantos cavaleiros como tem hoje. Temos muita gente jovem. Muita gente jovem nos forcados. É aqui, mas também em Alcochete, na Moita, em Coruche, em Vila Franca de Xira… É com muita dificuldade que eu vejo que um dia possam acabar as corridas de toiros. Percebo a visão dessas pessoas, mas é uma coisa com vários anos. As touradas já foram proibidas em Portugal e não durou muitos anos, porque as pessoas movimentaram-se para que elas voltassem a existir. Aqui há uma grande tradição nesse sentido. 

Como autarca como é que olha para o poder central? Sente que há algum desconhecimento do que se passa fora de Lisboa?

Por vezes sim. Acho que temos melhorado, porque, em Portugal, não havia aquela prática que existe, por exemplo, em França, em que o Presidente da República ou primeiro-ministro já foi presidente de uma região metropolitana ou presidente de câmara. Havia um percurso político. Aqui em Portugal diz-se logo que quem tem esse percurso está a ser carreirista, mas tem benefícios porque o autarca contacta diretamente com a realidade e executa políticas de proximidade. Existe por vezes [no poder central] um afastamento da realidade das coisas. Quando há esse afastamento é sempre mau. Há pessoas muito experientes no parlamento que ultrapassam essa realidade, mas há situações em que nós notamos isso. Eu não sou daqueles que acham que entre o poder nacional e o poder local tem de existir uma espécie de disputa. Quem é que faz melhor ou pior. Não é assim. Cada um tem a sua área de enquadramento e, mais do que isso, nós devemos procurar a complementaridade das coisas.

O problema dos incêndios fez renascer a discussão sobre o abandono do mundo rural. Como é que vê essa questão?

O que é que é isso do afastamento do mundo rural? É o abandono das pessoas que deixam a sua terra para virem à procura de emprego? As pessoas têm de ter uma vida digna. O país idealizado no Estado Novo era um país ruralizado. Só muito tardiamente é que apareceu, por exemplo, a mecanização agrícola. Somos dos países da Europa que até mais tarde levou a tração animal na agricultura. Isso era um entendimento que havia do país, mas desapareceu quando você deixa de ter a empregabilidade agrícola. Nós temos de ter um emprego. A luta pelo emprego, a atratividade das empresas, é importante. Isso é que é o fator de fixação das pessoas. 

Mas não teria sido possível o país ter apostado noutro modelo de desenvolvimento? 

Foram as próprias dinâmicas dos territórios que, se calhar, apanharam todos de surpresa. Temos de perceber as dinâmicas territoriais. Mas depois temos outros problemas. Quando se centraliza as pessoas todas em Lisboa e no Porto há problemas como os bairros degradados. Temos problemas de pobreza gravíssimos. Agora como é que se muda isto? Agarra num empresário e diz-lhe: “o senhor tem que ir pôr a sua fábrica em Castelo Branco”. Não pode ser assim, não consegue. Como é que se resolve isto? É muito complicado. O mundo rural tem tendência a ficar desertificado com menos gente na agricultura. A questão do desenvolvimento é muito difícil e é por isso que quando aparecem estas oportunidades com o aeroporto são questões fundamentais para a terra. Não se compreende como é que há forças politicas contra. 

No lançamento da sua candidatura agradeceu à sua mulher. O que é que o levou a fazer essa referência especial? 

É uma questão familiar. Eu acho que quem está de fora – não só as mulher es como os filhos e a família mais direta – sofre muito a ouvir dizer coisas deste e daquele. Muitas vezes mentiras e boatos que não correspondem minimamente àquilo que a pessoa é e temos de resistir a isso. Todos os políticos deviam agradecer a quem está ao seu lado e permite, muitas vezes, suportar as agruras da política. Foi simplesmente por isso e porque nós temos uma relação estável e duradoura. Também agradeci aos meus filhos que, muitas vezes, têm de suportar algumas opiniões negativas sobre o pai. São coisas que nós não gostamos de ouvir.