Angola, Portugal e o futuro

Parece, pois, que as sondagens (para não variar!) eram mais uma expressão do desejo pessoal dos seus autores do que um retrato fiel e rigoroso da dinâmica política e social angolana. O que não é um exclusivo de Angola – basta pensar no exemplo das sondagens falhadas nos Estados Unidos da América e…em Portugal

1.As tão aguardadas eleições em Angola decorreram esta semana: apesar de os resultados ainda não serem definitivos, já se pode asseverar uma vitória significativa do MPLA. Esta força política conseguiu a eleição do seu candidato presidencial, bem como uma maioria qualificada na Assembleia legislativa – infirmando, desta forma, as sondagens publicadas nas últimas semanas que apontavam o cenário da coexistência de um Presidente do MPLA com uma Assembleia dominada pela oposição.

Parece, pois, que as sondagens (para não variar!) eram mais uma expressão do desejo pessoal dos seus autores do que um retrato fiel e rigoroso da dinâmica política e social angolana. O que não é um exclusivo de Angola – basta pensar no exemplo das sondagens falhadas nos Estados Unidos da América e…em Portugal.

2.Claro que voltaram as acusações de falta de democraticidade e as críticas à natureza autoritária do regime angolano – e, como já é tradição, Francisco Louçã arrogou-se no estatuto de zelador oficial pela transparência cívica em Angola. Louçã sabe tudo sobre o processo eleitoral angolano, incluindo os votos forjados, quem pressionou quem, quem forjou o quê. Louçã é uma espécie de Deus dos bons costumes – está sossegado (e remunerado a peso de ouro!) nos estúdios da SIC em Carnaxide, mas ao mesmo tempo está em Luanda a fiscalizar a “transparência” do acto eleitoral angolano.

3.Além disso, Louçã mantém a sua coerência de sempre: quanto discorre sobre a Venezuela, diz (contrariado e dissimuladamente) que, de facto, a Venezuela assiste a uma deriva ditatorial, mas que há que impedir qualquer intervenção imperialista, susceptível de violar a soberania do povo venezuelano – já que no concerne a Angola, o “Deus do Bloco de Esquerda”, o “Patriarca de Catarina Martins e das manas Mortágua”, já urge o Estado Português a assumir uma posição de condenação absoluta  do acto eleitoral que decorreu na quarta-feira.

O que quer Louçã? Que Portugal entre em Angola, substitua o próximo Presidente João Lourenço – e meta no poder os seus amigos políticos? Sejamos claros: mesmo que a UNITA vencesse em Angola, Francisco Louçã (e os seus apóstolos e apostolas trotskistas) estariam hoje a condenar o resultado do veredicto eleitoral e a acusar o novo Presidente de ser pró-imperialista, pró-capitalista, blá, blá, blá.

O que Louçã quer não é o aprofundamento democrático de Angola – o que Louça quer é que o Bloco de Esquerda lá do sítio conquiste o poder. São realidades (e desejos) completamente distintas.

4.Enfim, a análise sobre a política angolana padece frequentemente de simplismos inúteis e de acusações exacerbadas, mais emocionais do que racionais. Importa para compreendermos a realidade política deste nosso país irmão e nosso parceiro na CPLP atentar nas suas circunstâncias. Porque a política – tal como a vida dos homens – é sempre condicionada, marcada ( e/ou determinada?) pela sua circunstância. Circunstâncias, essas, que são de diversa natureza – histórica, geográfica, social e económica.

5.Ora, Angola é ainda um Estado em construção: até 1975, era uma província portuguesa, integrada no território nacional. Logo, só há quarenta e três anos é que a nação angolana se afirmou como realidade política auto-determinada e dotada de soberania própria.

Quarenta e três anos podem ser já significativos na vida de uma pessoa – mas é um espaço temporal insignificante na vida dos Estados. Isto porque a vida das pessoas, individualmente consideradas, é limitada, enquanto que a vida dos Estados tende a ser perene.

Porque as pessoas – cada um de nós – tem consciência da sua finitude, ao passo que os Estados têm a consciência (e a aspiração) da sua eternidade.

Pensemos, por exemplo, no caso da nossa Pátria. Portugal é um Estado soberano que se afirmou internacionalmente logo no século XII – há nove séculos, portanto. Significa isto que o Estado se consolidou definitivamente aí? Não – o processo de construção do Estado soberano é longo, complexo, com avanços e recuos. Com impulsos e refluxos, sempre marcados por factores próprios de cada tempo. 

6.A nossa História foi marcada – depois do reconhecimento da independência portuguesa – por resquícios das cruzadas, por crises dinásticas, pela perda da independência e domínio filipino, por processos de centralização do poder no rei, por invasões de potências estrangeiras e mobilização da coroa portuguesa para território extra-europeu, pela busca de concretização de novos ideários políticos com a tensão absolutismo/liberalismo, atingindo o seu vértice máximo  com a guerra civil, revoltas populares, crise da monarquia, regicídio, afirmação da república sem rei nem roque, institucionalização de regime autoritário, que mais não foi do que o regressar do absolutismo em pleno século XXI, processo revolucionário, efectivação e desenvolvimento da democracia até aos nossos dias.

E se há lição que podemos extrair da nossa História – de Portugal e do mundo – é a de que não há democracia sem haver Estado – não é possível a consolidação de um regime democrático se antes não se garantir a estabilidade e a viabilidade do Estado.

Tentar impor democracias à força ou ensaiar democracias improvisadas – é o primeiro passo para garantir o triunfo de um regime autoritário, senão mesmo totalitário e sanguinário. Primeiro, constrói-se o Estado ou, pelo menos, garante-se a viabilidade institucional do Estado – depois constrói-se a democracia.

Quantos países conhecemos que, sob o pretexto de instituir uma democracia à pressa, redundaram em regimes absolutamente ditatoriais? Muitos – basta pensar na história mais recente e no flagelo internacional que dá pelo nome de “Estado islâmico” (que é um produto do vazio de poder gerado por Estados falhados…).

7.Em segundo lugar, importa atentar na circunstância geográfica – ou, se preferirmos, geopolítica.

Angola integra um continente marcado por uma intensa instabilidade política, uma realidade social pautada por assimetrias de riqueza bem significativas (para a bitola do nosso espaço geopolítico, chocante), com uma história muito específica – até há bem pouco a grande maioria dos países eram colónias de potências europeias.

Portanto, o processo de construção do Estado angolano iniciou-se há muito pouco tempo, agravado pelo seu contexto geográfico e a realidade política do seu continente. O mais expectável seria Angola redundar igualmente num Estado falhado, marcado por uma sangrenta guerra civil e aproveitamento externo das suas riquezas naturais.

Ora, como tem sido assinalado por muitos (mesmo neo-conservadores), Angola surpreendeu pela positiva: conseguiu unir dois lados que até há bem pouco tempo lutavam até à morte, consolidando a Nação; promoveu a formação do Estado, institucionalizando o poder e aprovando uma Constituição (que muitos constitucionalistas portugueses qualificam como uma “Constituição avançada”) que impõe a obrigação de o poder político construir uma República baseada no princípio democrático e a oposição tem cada vez mais espaço de manobra para intervir e afirmar as suas posições políticas. 

Dirão os mais cépticos: “mais isso não basta”. Talvez não baste – e o poder político e o povo angolano são os primeiros a sabê-lo. Mas afirmar o Estado, promover a construção da democracia, unir a Nação – tudo isto em quarenta e três anos, temos de admitir que o balanço não é tão negativo como alguns querem fazer crer. Pelo contrário.

8.Basta pensar, mais uma vez, no caso português: em quarenta três anos, conseguimos construir a democracia perfeita? A nossa democracia está longe de ser perfeita – e a geringonça veio provar que há vícios anti-democráticos nos que vestem a pele (só a pele!) de democratas militantes.

E, felizmente, beneficiámos de uma circunstância geopolítica privilegiada, que se prende com a nossa inserção na Europa e a relação de amizade inquebrável que mantemos com os Estados Unidos da América. Ora, se nós não conseguimos aquilo com que gerações de portugueses sonharam para a nossa ditosa Pátria (havemos, no entanto, de conseguir no futuro!), por que razão exigimos que o Povo angolano alcançasse o impossível em quarenta e três anos e num continente politicamente instável, mais propenso ao conflito do que ao consenso, mais propenso à autoridade do que à liberdade?

Angola tem tudo para ser uma referência política e económica no continente africano – e vai sê-lo. Há que prosseguir o caminho de estabilização, corrigindo os erros e eliminando desigualdades.

9.Resta-nos, pois, desejar o maior sucesso ao novo Presidente eleito, João Lourenço: a causa do sucesso de Angola também é uma causa de Portugal.

Sem complexos históricos, sem altivez neo-colonialista, orgulhosos do nosso passado comum, mas ainda mais animados e confiantes quanto ao nosso futuro comum baseado na amizade fraterna.

Portugal ajuda Angola, como os melhores amigos se ajudam mutuamente em caso de dificuldade – ajuda, não manda. O povo português não faltará a Angola – como o povo Angolano certamente não faltará a Portugal.