Não é o ciclo. É o spin

É difícil perceber como é que o PS tem um porta-voz a chamar ‘racista’ a Passos, mas quer um ‘tempo de acordos’

O ciclo político começou muito antes das últimas legislativas e poderá durar muito para lá das eleições autárquicas deste ano.

«Eu quero acabar com o tabu segundo o qual o PS ou governa sozinho ou governa aliado à direita». A frase é de António Costa, o que não surpreende. A curiosidade é outra. Costa não o disse depois de falhar em derrotar a direita em 2015, como justificação para a ‘geringonça’, ou na campanha desse ano. Costa disse-o no seu primeiro congresso como líder do PS, em finais de 2014, com Rui Tavares, que já aí defendia uma solução de governo idêntica à atual, sentado na plateia. 

O plágio, felizmente para Costa, não é crime em política, mas a sua idealização começou aí, fará agora três anos. A partir do momento em que Costa prometeu, ainda era Passos primeiro-ministro, «um salto coletivo no regime partidário português» para «tentar encontrar alguma solução de governo à esquerda», só não viu quem não quis ver. A ‘geringonça’ estava ali. 

Para mim, esse foi o preâmbulo de um novo ciclo que perdura até hoje. O Partido Socialista não «governa sozinho» nem «aliado à direita», tal como disse Costa em 2014, independentemente do ‘desafio para um acordo depois das autárquicas’ feito agora ao PSD pelo primeiro-ministro. Não se trata de uma mudança de ciclo; trata-se de uma mudança de spin.

Pode ser difícil pensar a Europa e o futuro de Portugal no quadro comunitário com dois partidos que abominam a Europa e o quadro comunitário, mas o PS já sabia isso quando se aliou ao Bloco de Esquerda e ao PCP, sabendo ao mesmo tempo que é o dinheiro da União Europeia que sossegará os desejos de investimento público de ambos. 

A ideia já defendida pelo presidente da República e agora defendida pelo primeiro-ministro – que após as autárquicas dar-se-á uma mudança de ciclo político – tem coincidências a analisar e, oxalá, divergências entre motivações. 

Por um lado, Costa não deixou de proclamar o fim do «tempo de disputas» no semestre que antecede o congresso para a liderança da oposição até às próximas legislativas. O homem que poderá candidatar-se contra Passos Coelho para presidente do PSD é Rui Rio – e se é um vice-primeiro-ministro que António Costa quer, aí o tem. Eu, que continuo com o que o Costa disse em 2014 na cabeça, não acredito nisso. 

Por outro lado, é bastante difícil compreender como é que o mesmo Partido Socialista que tem um porta-voz a chamar «racista» a Passos Coelho pensa em «tempo de acordos» depois de seja o que for. 

Mas se Costa não quer verdadeiramente um acordo com o PSD, e esta coluna defende que não quer, por que é que o disse em entrevista?  

Ora, a criação de um facto político para a sua recusa se tornar a notícia não é novidade. Centeno foi ‘candidato a presidente do Eurogrupo’ para o primeiro-ministro dizer que não abdicava do seu ministro; Costa ‘desafia PSD para acordo’ e poderá dizer que foram os sociais-democratas a bloquear o consenso e a prejudicar o país em relação aos fundos europeus. 

A inverdade a servir de catalisador do spin. 

Não resulta para sempre. 

Ou resultará?