Na esplanada ou no elétrico bastam alguns minutos de distração

Os carteiristas disfarçam-se no meio dos estrangeiros para conseguirem roubar. Nas esplanadas, aproveitam a distração das vítimas com as malas. No elétrico, colam-se às enchentes

Na terça-feira à noite, Ana decidiu ir jantar com uma amiga no centro de Lisboa. Sentaram-se numa esplanada de um restaurante da Rua do Benformoso, no Martim Moniz, e no meio da conversa, a mala de Ana, que estava pousada na cadeira, desapareceu. Lá dentro tinha as chaves de casa, a carteira, o telemóvel e “várias contas para pagar”, o que só veio agravar a dor de cabeça.

Tudo terá acontecido por volta das 23h30 e foi quando Ana pensou em levantar-se para pagar que se apercebeu de que tinha sido roubada. Dirigiu-se de imediato ao dono do restaurante, que depressa lhe apresentou as suas suspeitas: o caso parecia não ser inédito e poderia ter sido um homem que tinha fama de ser carteirista naquela zona. No desenrolar da noite, o suspeito viria a ser confrontado por Ana, dizendo-lhe não ter nada a ver com o caso, e até se ofereceu para ir com ela à polícia apresentar queixa. Ainda foram juntos à esquadra – Ana, o dono do restaurante e o suspeito inocente – mas, por a espera prometer ser longa, acabaram por desistir. Na manhã seguinte, Ana foi novamente à esquadra e apresentou queixa do roubo, mas até agora ainda não obteve resposta. Não tem grandes esperanças de reaver a carteira, o que por vezes ainda acontece. Ainda assim, a PSP, questionada pelo i, informou não ser possível informar quantas carteiras ou telemóveis são efetivamente devolvidos aos donos.

Numa ronda por Lisboa não é difícil encontrar queixas idênticas. Na sexta-feira, junto à Esquadra de Turismo da PSP na Praça dos Restauradores, o i encontrou quatro pessoas à espera para apresentar queixa de roubos dos quais tinham sido vítimas. Uma das turistas relatou um episódio semelhante ao de Ana. Tinha saído para jantar na noite anterior, também numa esplanada. Deixou a mala na cadeira ao lado e, quando tornou a pensar nela, já não a viu. “Passados dez minutos virei-me e a mala tinha desaparecido, não sei como aconteceu.”

No elétrico 28

Passa pouco das 13h e está uma tarde de verão com muito calor e um sol abrasador. Apesar de ser hora de almoço e não haver nenhuma sombra, a paragem do elétrico 28, no largo do Martim Moniz, tem já a clássica longa fila de turistas à espera de vez.

O elétrico chega vazio, mas os 20 lugares disponíveis para viajar sentado são ocupados num ápice e o corredor depressa fica inundado de pessoas que se agarram com força às barras para seguirem viagem pela cidade. Ao longo do percurso vão entrando vários passageiros, mas é raro ver-se uma cara portuguesa entre os muitos estrangeiros. Viajar no elétrico é como se estivéssemos a dar uma volta ao mundo, mas apenas em 40 minutos. E para qualquer lado que olhemos, só se vê e ouve pessoas de nacionalidades diferentes.

À medida que o elétrico sobe as ruas íngremes de Lisboa e entram várias pessoas, duas caras chamam a atenção – parecem não encaixar no cenário. De estatura média e tom de pele bronzeado, é o modo como agem que causa estranheza. De pé, agarradas aos ferros de apoio do elétrico, observam tudo à volta. Perto do Intendente, tocam no botão vermelho e saem. No final da viagem, as suspeitas confirmam-se. Segundo o i apurou no local, as duas raparigas fazem parte dos pequenos grupos de carteiristas conhecidos de quem diariamente faz o percurso.

Apesar de os ladrões serem conhecidos dos guarda-freios, estes pouco podem fazer. Se entram no elétrico com um bilhete ou passe, não podem ser expulsos. A única diferença em relação ao viajante comum são as mãos sorrateiras que usam para roubar os turistas, e só havendo desacatos ou se alguém os apanhar em flagrante delito é que o caso muda de figura.

Quem está familiarizado com esta rotina sente que nos últimos anos os esquemas foram mudando. Há um maior cuidado dos carteiristas em disfarçarem-se de turistas para passarem despercebidos no meio dos estrangeiros. No entanto, há algumas pistas que acabam por acusá-los. Têm uma postura corporal diferente da dos turistas, atuam de uma maneira “peculiar e nervosa”, tentando estar o mais próximo possível das pessoas e olhando para tudo à sua volta. Já os turistas parecem normalmente tranquilos, passando a viagem a tirar fotografias e a apreciar a paisagem pela janela. Outro método fácil para identificar os ladrões é já conhecer as técnicas que eles normalmente usam. Costumam pousar um casaco ou um chapéu por cima das malas para roubarem mas, ultimamente, têm usado sobretudo mapas para disfarçarem os furtos.

Pontos estratégicos

Parece também haver algumas paragens mais problemáticas. É o caso do Intendente, Camões, Baixa e Graça. Normalmente, as filas nesses sítios são mais pequenas, mas o elétrico já vem cheio, o que torna os roubos mais discretos. Conseguem estar mais perto das pessoas devido à enchente e roubar sem ninguém dar conta.

Para quem anda na rua, também é notório que existem grupos de diferentes nacionalidades a atuar, como romenos, indianos ou búlgaros. E ultimamente têm sido mais cuidadosos por causa da polícia, que anda à paisana para ver se os apanha em flagrante.