Sentir o tempo

Um dos grandes homens da cultura de Espanha e um dos mais respeitados filósofos contemporâneos, Fernando Savater, publicou, em finais do ano passado, uma nova edição de um dos seus livros de referência, Contra as Pátrias.

Um dos seus novos artigos, com o sugestivo título ‘Mortais’, leva-nos agora às interrogações dos atos dos jovens que participaram no terrível atentado de Barcelona. Leva-nos a interpelar-nos acerca da vida e da auto imolação, da brutalidade dos dogmas e da irracionalidade dos atos, da dita pureza religiosa e das razões que os levaram, num instante, e com força e raiva, a rezar «cinco vezes» na direção de Meca. Mas também nos leva a uma interrogação acerca deste tempo, do tempo que vivemos. Das suas incertezas e das suas perplexidades. De alguns outros e novos dogmas e de novas e subtis formas de censura.

Sabemos bem que o tempo é uma palavra. E o tempo é, na verdade, um «contínuo não espacial, no qual os acontecimentos ocorrem numa sucessão aparentemente irreversível desde o passado, através do presente, e agarrando o futuro». Mas o tempo também é a «experiência da duração». E não ignoramos que o tempo é imaterial. Não o vemos, não o ouvimos, não lhe tocamos. Mas sentimos sempre o tempo. Sentimos que podemos ocupar o tempo e passar o tempo ao mesmo tempo. Mas também sabemos que no silêncio não «há afirmativa nem negativa». Por isso importa falar e refletir, dar a cara e assumir combates.

Sabemos bem, de experiência de e da vida, «o tempo vai a passo, mas não descansa, nem dorme». Mas agora que o tempo de férias está a terminar, sabemos bem o que é viajar no tempo e pelo tempo. Percebemos que o Guadiana desagua para a esquerda e do outro lado a vida é diferente, a água um pouco mais quente, que se celebra a ‘siesta’, que os anéis mudam de mão ou, até, que a língua, bem rápida, por vezes se não percebe. E sabemos, desde há muitos anos, que no final de uma linda ponte se chega a outro espaço, a outro território, a uma outra Pátria. Mesmo que sintamos que, por vezes, importa ser, neste tempo, ‘contra as pátrias’! E com a plena consciência que nesta época da internet o passado filtra o presente e temos a impressão que o futuro já aqui está. Mas também, agora atravessando uma fronteira em que só muda a rede de telemóvel, estamos a sentir, e a viver, «o único barco que nos permite navegar pelo rio do tempo». É o que fizemos. E são estas perplexidades que o tempo de férias nos aporta. Já não com os suculentos caramelos de Salamanca mas sim com o preço bem mais baixo da gasolina do outro lado do Guadiana. Com a certeza de que também o IVA, e outros impostos, nos ajudam a sentir o tempo e as suas circunstâncias. Mas com a íntima convicção de que todos temos raízes e elas se moldam, mas não se destroem, com o tempo. Por isso o sentimos. E viajamos com ele.

* Advogado