Os blocos de atividades e a igualdade de género

Ao longo dos 38 anos da minha carreira de professor nunca vi dois livros, ou duas provas, em que o grau de dificuldade fosse tão homogéneo

Nos últimos tempos têm aparecido nas redes sociais e na comunicação social notícias sem fundamento a denegrir a imagem das editoras de livros escolares.

Os últimos alvos das críticas foram os ‘Blocos de Atividades’ para meninas e para rapazes. De vários sítios vieram críticas muito graves, como: ‘acentuam estereótipos de género’, ‘as atividades para os rapazes promovem o contacto com o exterior, enquanto as raparigas são relegadas para atividades domésticas’, ‘as atividades para os rapazes são mais difíceis do que para as meninas’, etc.

Vários especialistas corroboraram na comunicação social tais acusações.

E alguns aceitaram criticar duramente livros que não conheciam. O Público publicou a opinião da professora Sara Falcão Casaca, ‘com diversa investigação sobre a igualdade de géneros’, e da deputada socialista Elza Pais (ex-secretária de Estado da Igualdade). Ambas criticaram asperamente os ‘Blocos de Atividades’. 

A professora Sara apenas viu «duas páginas» mas não teve problemas em declarar «muito preocupante a representação social transposta para os blocos de atividades».

A ex-secretária de Estado da Igualdade, «confrontada com a descrição das publicações, que desconhecia», também considerou «absolutamente inadmissível» que se reproduzam daquele modo «estereótipos de género», que consubstanciam uma atitude «discriminatória».

A Comissão para a Cidadania e Igualdade de Género também se pronunciou contra o conteúdo dos livros, e por fim o senhor ministro-Adjunto do primeiro-ministro solicitou à editora que retirasse o livro do mercado

Ora, analisando os livros com cuidado, nenhuma das acusações tem qualquer fundamento. 

1.ª acusação: «Acentuam estereótipos de género».

É evidente que os rapazes e as meninas são diferentes. Têm alguns gostos diferentes e aspetos físicos diferentes. As autoras limitam-se a reconhecer diferenças que são aceites pela sociedade. É socialmente aceite que as raparigas usam saias e vestidos e gostam de pintar as unhas, e os rapazes não. Verificamos todos os dias que os rapazes gostam mais de futebol e que as meninas gostam mais de bonecas. Ninguém fica admirado se vir uma avó a fazer tricot, mas o avô não. 

Se as ilustradoras tratassem os rapazes e as meninas como iguais, com os mesmos gostos e com as mesmas atividades, é que estariam erradas. Até nas gramáticas o género masculino é diferente do género feminino!

Mas, além de não acentuarem os estereótipos, as autoras até se esforçam por os combater: a Érica tem 9 bolas entre os seus brinquedos; a Filipa tem 8 patinhos de borracha; o Jorge arruma o quarto; o Paulo e a Paula fazem coleção de cromos; é o pai que vai deitar filho e lê um livro antes de ele adormecer; a casa do rapaz tem roupa a secar e vasos de flores, enquanto a casa da rapariga só tem portas e janelas. 

A acusação de que «acentuam estereótipos de género» não tem, por isso, qualquer fundamento.

2.ª acusação: «As atividades para os rapazes promovem o ‘contacto com o exterior’, enquanto as raparigas são ‘relegadas para atividades domésticas’».

No ‘Bloco de Atividades’ vemos o contrário: a Camila e o Sérgio apanham «muitas folhas para fazer colagens»; a Célia e o Rui gostam de «passear mesmo em dias de chuva»; a Olga e o Óscar foram ao Jardim Zoológico; o Samuel e a Susana foram ver os póneis ao picadeiro; a Cláudia e o Cláudio foram à capoeira dar milho às galinhas; a Inês e o Vasco foram apanhar maçãs e laranjas; a Madalena e o Nuno foram para a rua tirar uma fotografia a um bando de pássaros, etc. Há até uma situação que permitiria a acusação contrária pois, enquanto o Martim fica em casa a ver os peixes do aquário, a Marisa vai para o casa de campo da avó dar cenouras aos coelhos.

3.ª acusação: «As atividades para os rapazes são mais difíceis do que para as meninas». 

Ao longo da minha já longa carreira de professor (38 anos), nunca vi dois livros, ou duas provas, em que o grau de dificuldade fosse tão homogéneo.

A Mónica e o Tomás têm de encontrar 5 retângulos; os meninos e as raparigas têm de desenhar um castelo com as mesmas figuras geométricas; a menina tem de desenhar uma trança mais curta à Joana e o rapaz uma cauda mais curta ao papagaio; o Rodrigo tem de pintar 4 carros amarelos e 5 cor-de-laranja, e a Maria 4 contas amarelas e 5 contas cor-de-laranja; o Mário tem que contar 5 canetas e 4 lápis, e a Mafalda 4 lápis e 5 canetas; eles e elas têm de pintar os «balões em forma de estrela»; a Inês e o Vasco têm de contar o mesmo número de maçãs e laranjas; o Leonardo e a Mimi têm de «numerar as imagens de 1 a 6»; a Érica e o Ivan têm de contar o mesmo número de brinquedos; o sudoku das meninas tem o mesmo grau de dificuldade que o sudoku dos rapazes; elas completam os tracejados da camisola da Íris e eles da camisola do Igor; eles e elas têm de encontrar palavras que rimem; elas têm de desenhar a expressão triste e feliz da Carolina, e eles a expressão triste e feliz do Lucas; até os 3 labirintos têm graus de dificuldade semelhantes, só que o menos simples das raparigas é o primeiro e o menos simples dos rapazes é o segundo.

Opinião de Alcides Azevedo Canelas, professor