A greve (anunciada) dos juízes

Os juízes acham-se no direito de ameaçar com uma greve para outubro, afetando a validação dos resultados eleitorais das autárquicas. E a presidente da respetiva associação sindical – a juíza desembargadora Manuela Paupério – defende a greve com o argumento de que o Estatuto dos Magistrados Judiciais não vai ao encontro, designadamente, das reivindicações salariais…

As divergências com os juízes são uma antiga ‘pedra no sapato’ do PS enquanto Governo. Em 2005, era Sócrates primeiro-ministro, o encurtamento das férias judiciais, em nome da melhoria da eficácia da Justiça, gerou não pouca polémica.

No Parlamento, o ministro da Justiça à época, Alberto Costa, defendia mesmo que «com esta mudança é esperado um aumento de 10% dos processos concluídos». Não passou de uma utopia.

Alguns anos volvidos, as férias judiciais voltaram à ‘moda antiga’, e a morosidade dos tribunais não se alterou.

A presidente da associação sindical deu largas, contudo, a uma exuberante febre epistolar, dirigindo duas cartas abertas a António Costa, com curto intervalo, nas quais realçou a insatisfação dos juízes, que não se conformam com o novo Estatuto anunciado.

E o pior é que, em vez de exprimirem o descontentamento utilizando os canais inerentes à representação de um órgão de soberania, os juízes optaram por manifestar-se como se fossem pastoreados por uma qualquer Ana Avoila, que costuma ‘decretar’ greves na Função Pública à medida dos interesses do PCP, por interposta CGTP.

Há desconforto entre os juízes? É legítimo que não o escondam. Mas é ilegítimo que queiram fazê-lo com recurso à greve, quando são titulares de um órgão de soberania. É admissível que o Presidente da República, o primeiro-ministro ou um deputado da Nação se declarem em greve?

Não é. O constitucionalista Jorge Miranda não tem dúvidas. Para ele, os juízes, como os demais titulares de órgãos de soberania, «não são trabalhadores subordinados». E, portanto, «não se acham em qualquer situação aproximável da dos trabalhadores das empresas privadas ou da Administração Pública».

Num artigo publicado em junho, Jorge Miranda enfatizou mesmo que os juízes «encontram-se perante o Estado numa relação de identificação. Não são empregados do Estado». Faz sentido. E jurisprudência.

Basta lembrar, como faz Miranda, que há outras categorias profissionais onde o direito à greve seria «inconcebível», exemplificando com os militares, os agentes militarizados ou das forças de segurança.

Os juízes querem ser vistos como uma corporação à parte? Seria estranho.

Manuela Paupério sentiu-se incomodada com o «desdém» e o «embrulho paternalista» que serviram a António Costa para comparar as reivindicações dos juízes às dos médicos, enfermeiros e trabalhadores dos Serviços de Estrangeiro e Fronteira, que já anunciaram greves corporativas para os próximos meses.

Mas a verdade é que se puseram a jeito… Porque, se a independência dos magistrados também passa pelo seu perfil económico e social, será que estão assim tão mal pagos?

Vejamos. Num trabalho publicado pelo DN em 2010, apurava-se que um juiz auferia mensalmente 3.900 euros de base, ao fim de sete anos de carreira, ou seja, mais do que os 3.800 euros de um deputado. Com 15 anos de serviço, já subia para 4.844,83. Um desembargador (o caso de Manuela Paupério), com cinco anos de serviço, ganhava 5.951,43. E por aí adiante até ao topo, indexado ao vencimento do Presidente da República.

Curiosamente, ainda em 2010, num estudo publicado pelo Conselho da Europa, concluía-se que Portugal era um dos países europeus com melhor rácio de profissionais de Justiça, e que a remuneração dos juízes em fim de carreira tinha um nível bastante superior à média salarial nacional. Mais concretamente, 4,2 vezes acima do salário médio bruto nacional.

É certo que não são salários comparáveis aos do presidente da Caixa Geral de Depósitos. Mas o Presidente da República, o primeiro-ministro e os deputados também poderiam queixar-se do mesmo…

 

Nota negativa: A passagem à reforma de António Chora, líder da comissão de trabalhadores da Autoeuropa durante 20 anos, facilitou o ‘assalto ao castelo’ das ‘tropas’ do PCP, via CGTP, que há muito o desejavam sem nunca o terem conseguido. A greve absurda decretada pelas estruturas sindicais deixou Chora «espantado».

Não tem que ficar. Para o PCP, hoje como ontem, é indiferente a sorte dos milhares de trabalhadores da Autoeuropa ou doutras empresas fornecedoras – tal como o destino (que já esteve em risco) de uma das nossas principais empresas exportadoras. O desígnio do PCP passa pelo controlo dos trabalhadores, custe o que custar, sejam da Autoeuropa, dos transportes coletivos ou da Função Pública. E a fábrica de Palmela já esteve mais longe. Haja memória do que aconteceu na Lisnave…