O inimigo público

Os comentadores políticos em Portugal têm uma influência desajustada em relação à sua real importância. Talvez isso aconteça por o país ser pequeno. E, certamente, por ação de Marcelo Rebelo de Sousa que, primeiro no Expresso e mais tarde na TV, se tornou um protagonista muito influente. Demasiado influente. 

Hoje, é Luís Marques Mendes quem pretende apresentar-se como seu sucessor no papel de ‘comentador do regime’. Vem da mesma área política e até é visto como seu amigo dileto. 

Mendes subiu a pulso no comentário político. Começou com uma crónica pouco marcante no Correio da Manhã e conseguiu chegar à SIC – canal que lhe deu audiência e uma aura de respeitabilidade.

Faz comentários aparentemente equilibrados, que se fossem feitos por outra pessoa não provocariam nenhuma reação especial. Acontece que Marques Mendes não é uma pessoa qualquer: já foi líder do Partido Social Democrata e é seu destacado militante, já foi ministro de Governos do PSD, e é conselheiro de Estado.

E aqui começa a questão levantada pelos políticos-comentadores. Mendes procura fazer o papel de comentador isento, independente, capaz de criticar a esquerda e a direita. Mas isso só é possível para as pessoas verdadeiramente independentes. Alguém que foi líder partidário não é visto por ninguém como independente. Por isso, o que ele diz do seu partido e dos outros não tem o mesmo valor.

Quando Mendes diz, por exemplo, que «a oposição (e, portanto, também o PSD) está totalmente desacreditada», isso tem muito mais peso do que dizer que o Governo errou aqui ou ali. Fazendo um paralelo com o futebol, é completamente diferente um ex-presidente do Sporting dizer que a equipa do Sporting não joga nada do que mesma crítica ser feita por um benfiquista.

De certa maneira, Marques Mendes quer ter sol na eira e chuva no nabal. Quer continuar no PSD, manter o estatuto de ex-líder, mas na TV vestir o fato de independente e dizer o que lhe vem à cabeça. 

É claro que isto irrita sobremaneira os que andam no terreno a puxar a carroça e a dar o litro pelo partido. Há semanas atrás, Fernando Seara escrevia no SOL: «Uns (…) sofrem dores de estômago – provenientes, acredito, de digestões abundantes, pois, mesmo não sendo altos, continuam a comer cada vez mais». A frase não deixava muitas dúvidas sobre a pessoa a quem se referia. De facto, na semana anterior, Marques Mendes criticara Seara por andar a saltitar de concelho em concelho: primeiro Sintra, depois Lisboa, agora Odivelas… 

E acredito que Pedro Passos Coelho também se irrite com Mendes. O problema é sempre o mesmo. Quando este o critica, as pessoas dizem: «Eh pá, até o Marques Mendes diz mal do Passos Coelho, que foi vice-presidente dele!». E isso faz muito mais mossa do que se fosse um comentador socialista (ou mesmo apartidário) a atacá-lo.

Os políticos-comentadores levantam outro problema: o seu objetivo último não é fazer análise – é fazer política. Eles querem continuar na TV, embora por outros meios, a sua carreira política. A empenhada presença de Marques Mendes na SIC visa seguir as pisadas de Marcelo Rebelo de Sousa, com a esperança de poder vir a suceder-lhe em Belém. Há quem não acredite, alegando que é muito baixo para a função. Mas a altura impediu porventura Mitterrand ou Sarkozy de chegarem a Presidentes da França?

O problema não é a altura – é, de certa forma, a venda de gato por lebre. É querer fazer passar por análise isenta aquilo que é uma forma de promoção pessoal e política. 

Num recente programa, Mendes falava em tom muito crítico da fuga dos futebolistas ao fisco. Mas quando chegou a Ronaldo, disse: «Esse é um caso diferente…». Pois claro! Quem ousa meter-se com Ronaldo? Quem corre o risco de criticar o português mais popular em Portugal e no mundo?

Mendes fez-me lembrar João Galamba que, um dia destes, defendia que a ministra Constança Urbano de Sousa não devia demitir-se por causa de Pedrógão. Mas quando lhe lembraram que o PS exigira a demissão da ministra Paula Teixeira da Cruz por muito menos, apressou-se a dizer: «Esse era um caso diferente…». As diferenças variam de acordo com as conveniências.

Marques Mendes, finalmente, tem o problema de ser olhado como porta-voz informal do Presidente da República. Mas, bem vistas as coisas, isso dá-lhe ainda mais importância. Pensar-se que o Presidente fala pela sua boca garante-lhe uma influência acrescida. 

Tudo somado, é claro que há uma diferença abissal entre os políticos-comentadores e os verdadeiros comentadores. Estes fazem, em teoria, análises desinteressadas; aqueles, dizem o que lhes interessa. Mas as televisões recorrerão cada vez mais a essa ‘espécie’, precisamente por isso: eles provocam guerras nos seus partidos e as guerras trazem audiências. Quanto mais os sociais-democratas criticarem Marques Mendes, melhor será para a SIC.   

Nesse aspeto, os comentadores afetos ao PS levantam muito menos ondas – e por isso são menos interessantes para as televisões. Quem se preocupa, por exemplo, com o que diz António Vitorino (que, por sinal, também é baixo)?