Rui Moreira: ‘Não me acusem de não ter feito em 4 anos o que não fizeram em 40’

Não se zangou com Costa, de quem é amigo pessoal, mas admite ter causado preocupações políticas. Quer uma campanha ‘sem truques’.

Quando Fidel Castro faleceu, dirigentes do PS/Porto enlutaram e dirigentes do CDS/Porto distanciaram-se desse luto. É só um exemplo. Mas como foi gerir apoios tão ideologicamente distantes?

Isso começou logo desde o início. Quando nos começámos a organizar para as eleições passadas, tínhamos pessoas desde a extrema-esquerda à direita, empenhadas. O que nos interessa é a visão da cidade. Não somos um partido, não temos uma visão unanimista destas questões. Tanto sobre isso como sobre o futebol temos opiniões diferentes. E é perfeitamente normal que num grupo de cidadãos haja visões mais díspares, sobre questões sociais, da ética e da política internacional.

Não foi difícil isolar a questão do Porto como cidade de tudo isso?

Se as pessoas estiveram concentradas num objetivo, não… Nós tínhamos anunciado objetivos muito claros e a solução para esse ‘problema’ passa por esse princípio. Dizer ao que vínhamos: uma base de trabalho em garantir as boas contas – que já vinham do dr. Rui Rio – e anunciámos a questão da cultura que é uma questão muito transversal, indo da esquerda à direita, juntando as pessoas. Foi na cultura que fizemos essa comunhão.

É difícil conciliar a aposta na cultura com a saúde orçamental?

Nós demonstramos que era possível fazê-lo. É um mito que se criou à volta das governações, que não se pode ter boas contas com boa cultura.

Depois dessa transversalidade ideológica, é candidato e todos os partidos da esquerda (do PS ao PCP) têm um candidato contra si… 

… já tinham da última vez…

Certo, mas como é que procura manter uma boa relação com o seu eleitorado de esquerda estando sozinho contra ela? 

Porque muito do eleitorado que vota nas legislativas nesses partidos, quando começa a pensar no Porto seleciona o projeto com as propostas que querem para a cidade. 

E o que é que as pessoas querem para a cidade?

Querem encontrar alguém que lhes resolva os problemas, que os  identifique e não tenha medo deles, o que me parece perfeitamente razoável. Não perguntamos às pessoas que fazem parte das listas em quem votaram nas legislativas. Nunca me lembrei de perguntar se são de direita, se são de esquerda.

E o Rui Moreira é o quê? Já o li definir-se, ainda que reticentemente, como um ‘liberal de esquerda’, dando o exemplo de Sá Carneiro. 

Sim, é mais nessa linha de Francisco Sá Carneiro. Mas também, se quiser, aquilo que hoje defende o Professor Adriano Moreira. Sempre o considerei uma das personalidades mais interessantes do pós-25 de Abril, até pela relação que estabeleceu com o passado: pela noção que ele tinha que o país ia continuar depois do 25 de Abril, que não era um país novo, mas sim um país com soluções novas. É uma visão muito próxima da minha.

É sempre ‘ao centro’?

Não sei… Eu acho que ‘o centro’ provavelmente não existe. Relativamente a cada uma das questões e a cada tempo temos que ter pensamentos diferentes. Se me perguntar se sou favorável ao Estado social, sou e acho que é muito importante; mas se me perguntar se o Estado social esgota as necessidades que temos enquanto sociedade, não. Nem mesmo aí ‘o centro’ existe. Há 15 anos, por exemplo, alguma direita achava que o Estado social era solução para qualquer problema e hoje já não acredita…

E essa visão mais prática e menos ideológica da política talvez nunca tenha estado tão ausente do Parlamento, não acha? A crispação é forte. 

Sim, eu nunca vi o Parlamento tão radicalizado desde a Constituinte. Ou melhor: nunca vi o parlamento tão barricado. Mas criaram-se barricadas perante uma circunstância anómala em que o partido que teve mais votos não formou governo. Eu acho que isso criou, de um lado e de outro, um clima de intensa crispação que era improvável.

Essa é uma crispação que o distancia de Lisboa? 

A mim a política nacional não me seduz, não é Lisboa propriamente dita até porque os deputados que lá estão não são só de Lisboa (risos). Também resultado dos deputados hoje serem quase funcionários dos partidos, fazem toda a sua vida nos partidos, vêm das ‘jotas’ e têm uma ligação quase profissional aos partidos. E esse é um problema que se vem a avolumar. 

E é algo que o distancia das estruturas partidárias.

Claro. A formação de ‘diretórios’ que vão tomando conta da própria estratégia dos partidos. Estes sempre tiveram um papel, mas os partidos não deixavam de ter influências externas. O caso do PSD no Porto, por exemplo, em que sempre houve uma máquina, uma concelhia, uma distrital, mas, além disso, havia um conjunto de ‘senadores’ – como Miguel Veiga, Valente de Oliveira ou Miguel Cadilhe – que tinha uma influência muito importante. Hoje, isso esbateu-se e é difícil encontrar personalidades semelhantes junto dos partidos.

Os partidos sentiram dificuldade em renovarem-se intelectualmente?

Não, não é ‘intelectualmente’ porque eu não quero colocar aqui em causa os méritos intelectuais das pessoas. O problema é que o aparelho deixou de ser um instrumento para ser ele próprio o promotor da iniciativa. 

Reconhecendo esses defeitos dos partidos, não deixa de ter uma boa relação institucional com eles. 

Claro. E sempre defendi que não há modelo democrático sem a existência de partidos. Os partidos são um pouco o sal da democracia, se quiser. O que acho é que os partidos nos últimos anos mudaram e se calhar nós até estamos atrasados nisso. Repare que um pouco por toda a Europa os partidos tradicionais que dominavam a Europa no pós-guerra se diluíram. A democracia-cristã em Itália acabou, o Partido Socialista Francês acabou e não sei se o Partido Socialista Espanhol ainda existe ao certo… Um pouco por toda a Europa perderam a capacidade de renovação.

E isso não é uma janela para um ‘independentismo’?

Claro que é.

Este ano fizemos no SOL um trabalho sobre “quem seria o Macron português?”. Vários analistas apontaram o seu nome. 

Há uma janela para novos protagonistas que podem começar como independentes mas que, mais cedo ou mais tarde, se pretenderem entrar na política nacional ou europeia vão ter que entrar nas famílias políticas, que é aquilo que eu não quero.

A boa relação institucional com os partidos também existe com o Governo atual. A relação é mais fácil do que era com o anterior Executivo?

Não. Eu tive uma excelente relação com o Governo anterior e tenho uma excelente relação com este Governo sempre que isso é conveniente para o Porto. Somos exigentes e não deixamos de reclamar quando entendemos que temos direito a alguma coisa. Naturalmente, não só gostamos de tratar bem as pessoas como me recuso a fazer discursos anti-Governo ou anti-ministro. Há uma relação institucional que a Câmara Municipal do Porto pretende manter com o Governo, independentemente de que Governo for. Com o anterior Governo, com o Acordo do Porto foram resolvidos vários problemas: do aeroporto ao terminal da Campanhã, para lhe dar só dois exemplos. Com cada Governo há uma capacidade de diálogo e o mérito não é só nosso, também é de quem reconhece a importância que a cidade do Porto tem. Essa foi, desde o princípio, uma das nossas ideias: que o Porto tivesse voz perante a governação. 

Mas reconhece que há uma presença de vários quadros que colaboraram em instituições da cidade que foram para este governo quando o mesmo não se viu entre 2011 e 2015. 

Sim, mas o Governo anterior já estava em funções há bastante tempo quando começámos aqui. 

Está o Porto a servir de escola para os governantes do executivo atual?

Eu preferia que eles tivessem ficado cá! (risos) Mas compreendo que venham “à pesca” aqui, é normal.

Porque recusou o debate na TVI entre os candidatos ao Porto?

Nas últimas autárquicas definimos a existência de dois debates: um televisivo (no Porto Canal) e um radiofónico (na Antena 1). Faltando quatro semanas para as eleições, decidimos participar em quatro debates alargados, o que me parece perfeitamente normal e razoável. Fizemos uma escolha de não participar em todos. Eu tenho que ser candidato mas também continuar a desempenhar o papel de presidente da Câmara. Veja só este fim-de-semana o que ocorre na cidade do Porto: Red Bull Air Race, Feira do Livro, o sr. Presidente da República, o sr. ministro da Cultura… Não seria normal em democracia que um candidato que ainda é presidente de Câmara tivesse que participar em oito ou nove debates. 

A relação com Manuel Pizarro era saudável no executivo camarário, mas recentemente subiu de tom em entrevistas. Disse que o Porto estaria decrépito sem turismo, que Rui Moreira receia confiar na sua equipa… Como vê esta mudança de postura?

Eu faço uma campanha sem truques. Já disse ao que vinha, demonstrei-o há quatro anos e cumprimos as expectativas que as pessoas têm em relação à cidade. O meu objetivo é garantir que teremos condições para continuar a governar bem a Câmara Municipal se nos derem a vitória no dia 1 de outubro. Sem truques. 

Portanto não contrapõe as acusações do vereador Pizarro. 

(pausa) Aí respondo-lhe com silêncio. A entrevista não daria para eu contrariar porque há coisas que não valem a pena contrariar. Um pouco como a história do ‘branco é, galinha o põe’… Basta olhar para o que se passa no Porto para perceber que não é isso que se passa na cidade do Porto. Eu até admito que Manuel Pizarro quisesse dizer outra coisa, ou seja, que o turismo foi importante para a reabilitação interna do Porto. Se calhar saiu-lhe mal. Tem que perguntar-lhe a ele.

Recentemente disse que não integraria a vereação de outro presidente caso não fosse eleito. 

Ninguém entenderia que alguém que foi presidente de Câmara fosse depois vereador de outro presidente de Câmara. Não faria sentido, nem para mim nem para quem estivesse no poder.

O PSD acusou-o de falta de obra e impugnou a sigla da sua candidatura. Como reagiu?

Mais uma vez estamos a falar em truques. Eu ainda não consegui perceber ao certo se ele [Álvaro Almeida] é independente, se se identifica com o PSD, se se identifica com as suas promessas… Durante estes meses, ainda não consegui perceber o que ele pensa.

Mas das acusações de falta de obra e de excesso de trânsito. 

Claro que o trânsito está pior, há mais movimento e não houve investimento no transporte público nos últimos dez anos. Com as obras do metro em que acreditamos, o trânsito será mitigado. Quanto às promessas, apresentámos 22 objetivos claros e apenas um não foi concretizado. 11 foram concretizados totalmente e 10 estão em curso. Não me acusem de não ter feito em quatro anos o que não fizeram em 40.

Nesses 40 anos também estão os mandatos de Rui Rio. É uma relação que esfriou? Em 2013 apoiou-o, agora apoia Álvaro Almeida…

Em primeiro lugar, há quatro anos ele não deu apoio: simpatizava, se quiser, com a nossa candidatura porque não simpatizava com a de Luís Filipe Menezes. Sejamos claros.

Podia não ter ‘simpatizado’ com Menezes e não ter ‘simpatizado’ com ninguém. Mas simpatizou consigo. 

Ele nunca manifestou apoio à minha candidatura publicamente. Aquilo que Rui Rio entenderá da nossa candidatura hoje é uma questão que terá que perguntar-lhe a ele. Não é perfeitamente normal que Rui Rio surja como apoiante da candidatura do PSD? Tem aspirações à liderança. É normal que apoie a candidatura do PSD, mesmo que seja uma candidatura com o truque de dizer que é independente.

Não se chatearam?

Não é uma questão de chatear. Eu não sou amigo pessoal de Rui Rio.

Nunca foi?

Não.

Eu sei que é independente mas não deixa de ser autarca e não deixa de ser político. Acha que as eleições locais devem ter consequências nas lideranças partidárias?

São os partidos que devem fazer essa avaliação. Mas espero que as eleições não sejam vistas assim porque isso ofuscaria o debate de ideias para as cidades. Seria quase perverso: utilizar uma cidade para rampa de lançamento de ambições nacionais, em função de maus resultados do seu próprio partido. Parece-me uma coisa horrível.

Esta paixão pelo Porto é para ir até ao limite de mandatos?

Não, provavelmente não. O normal é fazer dois mandatos. 

Portanto este será o último.

Em condições normais, sim. Neste momento quero fazer mais um mandato. Depois veremos, mas acho que dois mandatos servem para concretizar um projeto.

Está mesmo de parte ir depois para a presidência do FC do Porto? 

Essa questão persegue-me há anos. Eu gosto muito do Futebol Clube do Porto, mas está neste momento muito bem entregue. Aliás, estamos à frente do campeonato (risos).

Mas se um dia achar que não está bem entregue, poderia avançar?

As coisas fazem-se nos tempos certos. Há uma coisa, para já, que posso garantir: se o eleitorado do Porto confiar em mim, eu governarei a cidade nos próximos quatro anos. Depois, já terei 65 anos…

Ainda é um jovem… 

Não sou nada!

Mas não descarta. 

Vamos lá ver, isso seria a mesma coisa que descartar receber amanhã a lotaria nacional…

Para si, o Futebol Clube do Porto seria como ganhar a lotaria?

Não… É evidente que gosto do Futebol Clube do Porto. Houve um tempo em miúdo em que queria ser o Seninho [antigo jogador], é evidente que a determinadas alturas as pessoas têm esses sonhos. Mas aquilo que hoje me preocupa é cumprir os próximos quatro anos. Depois, tenho muitos interesses – escrever, de estar com os meus netos. O mais provável é dedicar-me a escrever umas coisas.

Eu vou escrever que não descarta, não se importa?

Escreva o que quiser e eu digo o que quiser. Essa é a grande facilidade desta relação. (risos)

O sonho de criança não mitigou?

Aquilo que acontece no meu clube não é algo a que eu seja indiferente. O Porto está muito bem gerido e espero que o senhor Jorge Nuno Pinto da Costa possa cumprir o seu mandato, como espero cumprir o meu se for eleito. Também não lhe pergunta se quer ser presidente da Câmara do Porto… 

Se um movimento independente se organizasse em partido e o convocasse para a liderança rejeitaria?

Não estou interessado, neste momento. Não tenho nenhuma aspiração à política nacional ou europeia. Já demonstrei há muito tempo que não. Fui muitas vezes convidado e disse sempre que não e continuarei a dizer que não. 

Receia que o excesso de turismo possa causar descontentamento?  

Eu acho que o turismo tem sido extraordinariamente importante para o país e para o Porto. Até a desertificação do interior está a ser combatida pelo turismo. Gerir a pegada do sucesso do turismo é necessário, claro, e faz-se com os instrumentos com os municípios têm. Um dos temas mais referidos é o alojamento local e é bom que se entenda que os municípios não têm nenhuma competência no que diz respeito ao alojamento local.

Mas não é problemático?

Não se pode vir agora dizer que o alojamento local é ‘o inimigo de todos’. Foi importante. Permitiu reabilitar casas de famílias, permitiu que fossem rentabilizados recursos, mas é evidente que não é possível continuar a crescer à velocidade que cresce sem regulação. O que não é normal é que um proprietário que queira reabilitar a sua casa tenha mais vantagens, em termos fiscais com o alojamento local do que em alugar a si ou a mim. É  uma responsabilidade que o Governo deve enfrentar de frente em vez de onerar condomínios.

Houve um grande impacto com a criação da marca ‘Porto’. Como se separa a marketização de uma cidade da preservação da sua identidade? 

São coisas diferentes. A marca é um instrumento importantíssimo para a afirmação da cidade no seu desenvolvimento cultural, económico e social. Uma não dissolve a outra. Há uma essência e há uma marca. Foi um pouco como a Coca-Cola: primeiro estranhou-se, depois entranhou-se. (risos)

A amizade pessoal com António Costa não ficou abalada depois de rejeitar o apoio do PS?

Da minha parte, não. Acredito que da parte dele também não, mas, naturalmente, ter-lhe-á causado preocupações do ponto de vista político.