Realidades complementares e a experiência aumentada da vida real

O second life talvez tenha sido uma experiência à frente do seu tempo e hoje não é um tema quente para ninguém.

Lembro-me de um vídeo, dos muitos que passam pelo mural de Facebook, onde uma multidão corria, como se a fugir de uma ameaça de bomba ou a tentar garantir os primeiros lugares num concerto. Facto curioso: todos levavam um telemóvel na mão. As pessoas não estavam a fugir de nada, corriam para o local onde tinha sido avistado um Pokémon, calculo que um dos mais difíceis de apanhar no jogo Pokémon GO. Comentei o tema com alguns colegas e foram vários os que disseram «essa é a realidade em que as pessoas vivem». Dei por mim a pensar, mas qual realidade? O que é que isto de centenas, talvez milhares de pessoas, a correrem para apanharem um bicho virtual significa? Isto é que é a realidade?

A realidade virtual não é propriamente um tema novo. Há muito que deixou de ser um exclusivo da ficção científica e já conhecemos vários exemplos da sua aplicação. O velhinho second life, um mundo virtual lançado em 2003 quando não tínhamos nem Facebook nem iPhone, chegou a ter mais de um milhão de utilizadores mensais. Muitas marcas apostaram na plataforma, Mercedes-Benz, Adidas, Dell, construíram lojas, museus e fizeram vendas. O second life talvez tenha sido uma experiência à frente do seu tempo e hoje não é um tema quente para ninguém.

Nunca se falou tanto de realidade virtual ou aumentada como hoje. Será que já estamos na altura certa? O foco dos fabricantes de equipamentos no desenvolvimento de produtos para as experienciarmos é um bom indicador da sua vitalidade. Google, Samsung, Sony ou HTC são apenas exemplos de marcas que estão a fazer uma aposta muito significativa nestas linhas. E a maioria das pessoas tem uma capacidade tecnológica instalada, com os smartphones ou o acesso permanente à banda larga, que permite usufruir destas experiências com conforto e qualidade. Sobretudo através do smartphone, a interface de eleição com a realidade virtual preferida por mais de metade dos utilizadores.

O impacto das outras realidades – gosto de termo complementar para agregar realidade virtual e aumentada – ainda é algo que estamos a descobrir, duvido que esgotemos o seu potencial nos próximos tempos. O que conseguimos fazer hoje já é, no mínimo, impressionante, como ter um ecrã gigante disponível em qualquer lado para ver um filme ou uma série, viajar para o outro lado do mundo e explorar o Taj Mahal ou o Angkor Wat como se estivéssemos lá, acompanhar um concerto ou um jogo de futebol em tempo real como uma visão 360º do evento. Por enquanto é caro, mas já é possível.

Não acredito na democratização desta tecnologia num curto espaço de tempo. Mas não vejo que seja possível parar este movimento, o seu contributo para uma experiência mais rica de locais, eventos e marcas é inegável. No essencial, com o recurso às realidades complementares estamos a colocar conteúdos em contexto, a facilitar o acesso a mais possibilidades e a promover a interação. É isto que as marcas procuram.

É seguro assumir que a barreira do hardware será facilmente transposta. Os óculos em cartão do Google custam quinze dólares (ou são oferecidos em algumas ações) e permitem uma experiência bastante satisfatória. Para outros níveis de investimento, também já estão disponíveis soluções com outros padrões de qualidade. O grande desafio está, como em quase tudo o que envolve proximidade digital às pessoas, no conteúdo. É aqui que as marcas podem fazer uma grande diferença, assumindo-se como produtores e distribuidores. Entregando conteúdos relevantes, a tecnologia já permite uma boa experiência com as realidades complementares.

Na realidade em que todos vivemos o papel da tecnologia é, essencialmente, melhorar a experiência do mundo em que vivemos. Por muito estranho que possa parecer a algumas pessoas, correr pela rua para caçar um boneco virtual até pode ser muito divertido.

 

*Responsável Planeamento Estratégico do Grupo Havas Media