Pedrógão. Esquerda culpa privados por dúvidas em torno das doações

Costa visa RTP, Passos quer explicações e Marcelo prefere esperar. Nem no governo a quantia é certa

O problema não é o governo, são os privados. É assim que a esquerda – do porta-voz do PS, João Galamba, à líder do Bloco, Catarina Martins – responde às dúvidas levantadas pela oposição acerca do paradeiro, e da quantia, dos donativos às vítimas dos incêndios que despontaram em Pedrógão Grande, em junho.

Ontem, Martins, que coordena o Bloco de Esquerda, considerou a situação “inacreditável”.

“As entidades privadas a quem toda a população de boa fé entregou donativos, têm de saber explicar o que é que estão a fazer com esses donativos e também, se houver algum problema, naturalmente as entidades competentes terão de investigar”, disse Catarina Martins, considerando que “o governo já deu as explicações”, não sendo “no fundo público que há problema”, mas “nas entidades privadas”.

“O problema não é o fundo que o governo pode gerir, o problema são os fundos que estão nas mãos de entidades privadas, misericórdias e outros”, considerou a bloquista.

Maioria privada

Já João Galamba, porta-voz do Partido Socialista, havia também responsabilizado o setor privado no Twitter. “O Estado só participa na gestão do Revita, o resto a gestão é inteiramente privada”; “Repito: a responsabilidade de gerir essa parte (esmagadora maioria) dos donativos é privada”, escreveu o deputado do PS.

As “explicações” do governo mencionadas por Catarina Martins foram dadas na véspera por António Costa, primeiro-ministro, e por Vieira da Silva, ministro do Trabalho.

Na RTP, que horas antes Costa exemplicara como uma das campanhas solidárias, dizendo que “só a RTP sabe o que fez com o dinheiro”, Vieira da Silva garantiu que o governo “não quis assumir a gestão” dos donativos, tendo antes oferecido ajuda “a coordenar” por ser tarefa “difícil”.

Esclareceu o ministro que não é o Estado a gerir o fundo (Revita), mas “um presidente de Câmara que foi escolhido pelos presidentes de Câmara que foram atingidos (o de Castanheira de Pera), um Provedor de uma Misericórdia (a do Pombal), e o presidente do Instituto de Segurança Social”.

É bom que se esclareça

António Costa, na entrega dos prémios Champalimaud, também recentrou a responsabilidade da gestão para os três enumerados por Vieira da Silva, e acrescentou: “É bom que se esclareça que grande parte dos donativos não foi recebida pelo Estado. Por exemplo, a RTP, que promoveu um espectáculo e recebeu bastante dinheiro, entregou-o a uma outra entidade – e só a RTP pode explicar o destino que lhe deu”.

O primeiro-ministro clarificou ainda que o “Estado organizou um fundo, o Revita, que até ao momento só recebeu donativos no montante total de 1,961 milhões de euros” e que relativamente às verbas desse fundo, “as intenções de doação chegam até 4,9 milhões de euros, apesar de, efectivamente, só termos recebido até agora 1,9 milhões”.

Teresa Morais, que havia criticado esta semana o governo por “incapacidade de gerir os donativos privados”, adianta ao i que “o governo, além de ter falhado na protecção e no apoio às populações também falhou nas expectativas que criou relativamente à gestão dos fundos dos particulares que ele próprio se propôs fazer”.

Passos não a Marcelo

Pouco tempo depois de Teresa Morais ter pedido explicações ao governo em conferência de imprensa sobre os donativos em solidariedade à tragédia que despontou em Pedrógão Grande, o presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, veio também pedir um esclarecimento sobre o tema. “Foi-me explicado a 17 de agosto, mas acho que deve ser explicado aos portugueses que só uma parte do fundo é gerida pelo Estado e outra por outras entidades. É preciso explicar aos portugueses aquilo que me explicaram a mim: de onde o dinheiro veio, quem é que o está a gerir, como e quanto”, revelou o chefe de Estado, que deixou um apelo: “Era bom que nas três semanas até às eleições [autárquicas], aquela tragédia, aquelas famílias e vítimas não possam ser envolvidas na campanha eleitoral local”. Passos Coelho, por sua vez, descartou qualquer trégua e respondeu, também em declarações à comunicação social: “O facto de haver eleições não significa que o governo deva deixar de explicar ao país aquilo que faz”.

Ontem, a União das Misericórdias revelou já ter gasto 12 mil euros dos 1,6 milhões que angariou em solidariedade com Pedrogão. A Cáritas Portuguesa também revelou ter recebido 1,769 milhões, sendo que 1,3 milhões dessa quantia estão destinados ao referido Revita.