Gang of Four. O tempo reencontrado

Se na árvore genealógica do punk existe o apelido funk, é graças a eles. Este sábado, contam a história do futuro no Reverence Santarém

Nasceram no furacão punk mas canalizaram a distorção para o funk. À negatividade no future, os Gang of Four responderam com dança. Não era música de festa mas apelava a um caráter lúdico, nunca confundido com demissão social. Foram decisivos na transição do punk político, social e musical para uma paleta diversificada em que o punk se manteve como atitude e causa. Regressaram sem brio nos anos 90 e quando o punk voltou a estar na ordem do dia, foram endeusados. Dos LCD Soundsystem aos Franz Ferdinand, dos Bloc Party aos Radio 4, o novo mundo ficou a saber quem eram os Gang of Four. E aí, voltaram para ficar. Este sábado no rebatizado Reverence Santarém, contam a história do futuro desde que, em 1979, “Damaged Goods” deixou punks a pensar se botas de biqueira de aço eram calçado confortável para dançar. Ao telefone, o fundador e resistente Andy Gill conta a versão dos acontecimentos. 

Há quarenta anos quando os Gang Of Four se formaram, o punk era um movimento socialmente reativo e politicamente empenhado. Em 1979, ano em que gravaram “Damaged Goods”, Margaret Thatcher foi eleita primeira ministra inglesa. Encontra semelhanças com o tempo atual?

Sim, nós começámos antes. A Margaret Thatcher só foi eleita depois. [O contexto] é sempre diferente e sempre igual. Ao olhar para trás, algumas questões coincidem. Os problemas importantes são os mesmos. As pessoas distraem-se muito facilmente com o superficial. Os mais novos pensam que por terem um telemóvel novo, com portais abertos para tudo, o mundo é diferente, mas as inquietações repetem-se. (pausa) Surpreende-me que as pessoas não se sintam…mais impulsionadas a agir. Por outro lado, o mundo está num momento divertido. Trump é um caso puro de entretenimento. 

Também defende, como outras personalidades, que o rock se demitiu desse combate?

Não tenho resposta para isso, sinceramente. Naquela altura, também não havia assim tantas pessoas com o desejo prosaico de escrever sobre o que estava a acontecer – nem sobre eles próprios nem sobre os amigos – e elaborar uma análise social do que nos rodeava. Nós éramos assim. Foi isso que nos levou a formar uma banda mas não era assim tão comum. Também posso falar da minha experiência como produtor. Muitos compositores e escritores de canções são tão dispersos que acabam por não chegar longe. Lidei com muita gente. Há bandas como os Killing Joke a objetar ao que se passa no mundo mas é raro. 

Foi o hip-hop que tomou esse papel de resistência capaz de influenciar novas gerações como o punk?

De alguma forma, sim, mas a generalidade do hip-hop é misógina. A imagem gangsta do fora da lei é muito semelhante à do rocker desalinhado mas na, minha opinião, o hip-hop tem muito de Donald Trump. Agora, quando ouço um álbum como aquele do Kanye West…

“Yeezus”?

Sim, esse. Tem rasgos de génio. É absolutamente brilhante. Definitivamente, ele é um tipo com problemas mas o álbum é fabuloso. 

O que é que o prendeu aos Gang of Four durante quarenta anos, apesar de todas as mudanças na formação, dos fins e recomeços?

Gosto do trabalho com outras pessoas. Gosto de acrescentar alguma coisa às pessoas enquanto produtor mas também gosto de trabalhar na minha música. O processo criativo de pensar das canções, sentar-me à guitarra e encontrar o ritmo certo dá-me muito gozo. Neste momento, tenho a liberdade de decidir onde quero ir. Não tenho de negociar. Agora, estou a compor para um próximo álbum. Às vezes, pode ser frustrante mas quando encontras a saída para uma canção é entusiasmante. Deve sair um single em outubro e novembro.

Está preocupado em chegar às pessoas ou um álbum é feito por gozo pessoal?

Não, preocupo-me em chegar às pessoas. Nós fizemos um disco em 95 [“Shrinkwrapped”] que ninguém conhece porque não fizemos promoção. Um álbum é feito para comunicar. Fico contente que ao longo dos anos as pessoas tenham descoberto o disco mas se investes tanto, é para as pessoas o ouvirem. Se não, é frustrante.

E a relação com o palco?

Dar concertos é um contacto imediato. É o oposto de fazer um disco que é um processo muito longo.

Ficou surpreendido quando uma nova geração de bandas de início de século, desde os Franz Ferdinand aos LCD Soundsystem ou Bloc Party, começou a citar os Gang of Four como referência?

Foi uma surpresa. As bandas mais antigas influenciadas por nós eram os R.E.M., os Red Hot Chili Peppers e os Massive Attack. De repente aparece uma nova geração. Os Radio 4, os Futureheads que produzi…confesso que não estava à espera. Lembro-me de o editor da Mojo ter escrito num artigo de opinião que o mundo inteiro estava a descobrir os Gang of Four. 

Chegou a dizer que, no caso dos Red Hot Chili Peppers, era mais do que uma influência. 

Foi? Ah, sim. Disse que o riff de guitarra de um single deles, o “Can’t Stop”, era igual ao de uma canção nossa. [Ao jornal Metro inglês, em 2011, Andy Gill relatou um episódio em que abordou o baixista dos Red Hot Chili Peppers, Flea, e este lhe perguntou porque é que nunca os tinha processado]. Foi um bocadinho demais mas a vida é assim (ri-se). 

Porque é que acabaram e recomeçaram várias vezes? 

Muito teve a ver com o John King [guitarrista]. Ele entusiasmava-se e depois, quando a banda estava em forma, fartava-se. Foi muito por causa ele que acabámos e recomeçámos. Quando isso acontecia, eu ia produzir outra banda. E depois voltávamos. Foi sempre muito on e off. Pode ser frustrante porque ganhas balanço e depois volta tudo ao ponto de partida.

Em 2006, estiveram em Paredes de Coura no epicentro desse revivalismo do punk e pós-punk. Ainda se recorda?

Sim, era um festival no norte do país, certo? Recordo-me. O que poucas pessoas sabem é que estivemos em Portugal no final dos anos 70 para dar cinco concertos com o Steve Harley e os Cockney Rebel. Era incrível como o público gostava do que nós fazíamos. Sempre que fomos a Portugal, sentimo-nos muito bem recebidos e compreendidos. Foi engraçado porque o Steve Harley não ficou muito contente por nos chamarem para fazer tantos encores. Ligavam as luzes quando ainda estávamos a tocar.