Lego. Empresa em queda livre tenta recuperar peça a peça

A quebra de receitas penalizou os lucros e o grupo não hesitou: serão cortados 1400 postos de trabalho. Mas esta não será a única mudança na empresa com 85 anos

No início do ano, a Lego aparecia como a marca mais poderosa do mundo. A posição da fabricante de brinquedos foi sublinhada pela consultora Brand Finance, que colocava a Lego acima da Google, da Nike ou da Disney. No entanto, a empresa tem estado a braços com uma queda nas vendas e são várias alterações que têm vindo a ser pensadas, de forma a fazer face às dificuldades do grupo. 

As vendas caíram pela primeira vez na década e penalizaram os lucros. O resultado é o despedimento de 8% dos trabalhadores até ao final do ano, o que equivale a um corte de 1400 postos de trabalho. A notícia foi avançada pela empresa, depois de ter registado uma quebra de 3% nos lucros. Nos primeiros seis meses do ano, a Lego registou lucros de cerca de 457 milhões de euros.

“Estamos dececionados com a queda nas receitas nos mercados onde estamos estabelecidos, e tomámos medidas para fazer face a isso”, afirmou o presidente Jorgen Vig Knudstorp. “Infelizmente, é essencial tomar essas duras decisões”, rematou.

Além do corte no número de trabalhadores, a Lego desenhou outras estratégias, nomeadamente, na organização da empresa. Em janeiro, Bali Padda entrava para o cargo de CEO, mas o ano não vai terminar com o atual líder, que fecha a porta ao grupo já no mês de outubro. Para o seu lugar entra Niels Christiansen, dez anos mais novo. 

Jorgen Vig Knudstorp esclarece que a situação já vinha a ser pensada há mais tempo e que Bali Padda, de 61 anos, já sabia que iria ficar muito tempo com o lugar. “Isto não é uma humilhação. Definitivamente, não nos desapontou. Bali sabia que eu ia começar imediatamente a procurar um sucesso”, afirmou numa entrevista ao “Financial Times”.

A estratégia da marca passa agora por fazer novas apostas e por tentar conquistar novos mercados. “Estamos a trabalhar de forma muito próxima com os nossos parceiros e estamos confiantes de que temos potencial de longo prazo para alcançar mais crianças e os nossos bem posicionados mercados na Europa e nos EUA. Também vemos grandes oportunidades de crescimento em mercados em expansão como a China“.

Uma história de sucesso Peça a peça, a empresa foi conseguindo ao longo dos anos construir uma história de sucessos, que fez da Lego uma das marcas mais valiosas do mundo. Durante anos, o grupo, nascido em 1932, conseguiu introduzir dinâmicas que permitiram ir acompanhando as mudanças de comportamento dos consumidores. Desde cedo, abriram-se novas portas e diversificaram-se apostas, nomeadamente, na área do cinema. O sucesso comercial foi imediato com o filme “Uma Aventura Lego”. 

Agora, um dos grandes desafios é o mundo digital. Para continuar a crescer, a Lego tem procurado encontrar soluções nesta área e são vários os exemplos do que tem vindo a ser feito neste campo. Uma das apostas mais recentes foi a entrada na maior plataforma de streaming de música do mundo, o Spotify. Para estar mais próximo do público alvo, a empresa criou uma playlist para ser usada durante as brincadeiras. Além disso, foi criada uma rede social, a Lego Life, que permite partilhar fotografias das construções que são feitas com as peças. Foi ainda lançado a Lego Boost, um robô que combina codificação, programação e construção tradicional, que foi já considerado o brinquedo do ano.

“O nosso principal objetivo é o de tornar os momentos de lazer – cada vez mais escassos – em diversão, sempre incentivando a brincadeira em conjunto. Desejamos despertar o contato ainda maior com os blocos da marca, nosso DNA, por meio da interação lúdica dos displays e áudios. Eles serão um convite à brincadeira familiar, pois as crianças poderão materializar em Lego, de maneira personalizada, o que ouvem, aumentando a conexão emocional com a marca e reforçando o famoso ‘fui eu que fiz’”, sublinhou recentemente Vivian Marques, head de Marketing da Lego do Brasil.

Também Padda já tinha sublinhado a importância de usar as diversas plataformas digitais a favor da marca. “A inovação é fundamental para o nosso sucesso e, anualmente, cerca de 60% do nosso portfólio são novos produtos. Estamos constantemente a desafiar-nos, a envolver e a inspirar as crianças com as experiências de jogo mais relevantes, emocionantes e divertidas. Por isso, a Lego descobriu novas maneiras de se ligar com as crianças através de uma variedade de plataformas digitais”, esclarece. 

Faturação recorde Apesar da tentativa de rentabilizar a empresa, a verdade é que as contas dos anos anteriores têm dado motivos para sorrir. Em 2016, a Lego conseguiu obter a maior receita de sempre, em 85 anos. A empresa registou, aproximadamente, cinco mil milhões de euros. 

“Tivemos uma primeira metade do ano muito forte, ao passo que o crescimento das vendas no segundo trimestre foi mais sustentável, comparativamente a anos anteriores. Ficámos encorajados pelo nosso desempenho em mercados maduros como a Europa e continuámos a ver grande potencial na China, que representa uma oportunidade de crescimento atrativa”, referiu Bali Padda.

A verdade é que a Lego vinha a desafiar a gravidade. Enquanto as rivais viam as vendas cair, a empresa voltava a encontrar estabilidade, depois de ter estado perto do colapso financeiro em 2003. Mas as contas deste ano vieram baralhar as contas. Para Jorgen Vig Knudstorp, a empresa está longe da linha vermelha em termos económicos, mas é imperativo mudar a estratégia: “Saímos um pouco do nosso caminho. Vamos precisar de cerca de dois anos para conseguirmos chegar à forma que queremos ter. Mas não estamos numa crise financeira, não precisamos de reverter toda a situação”.

Jorgen Vig Knudstorp, que salvou a Lego da falência durante o ano de 2003 e 2004, esclarece que a empresa tem de continuar atenta às mudanças nos mercados onde está presente. Para já a urgência é conseguir emagrecer os quadros e reorganizar as áreas de negócio.