Argentina. Treme como gelatina o orgulho dos homens das pampas

Quinta classificada entre as dez equipas do apuramento sul-americano para o Mundial-2018, a celeste revive o pesadelo de 1970

Imaginar uma fase final de um Campeonato do Mundo de futebol sem a Argentina, sobretudo neste tempo em que a inflação de selecções apuradas atinge o número quase sarcástico de trinta e duas, é algo que deixa na boca um certo sabor a azedo, pouco importa aqui as maiores ou menores simpatias, as maiores ou menores acrimónias que as rivalidades sempre acarretam. Mas, factos são factos. E, até ao momento, a selecção das riscas brancas e azuis celestes, comandada por Messi e com mais um ror de estrelas cintilantes em quaisquer campos do planeta, não tem feito grande coisa para justificar o favoritismo com que entrou nesta fase de qualificação para o Rússia-2018.

O recente empate frente à Venezuela, última classificada desse grupo único que decide os finalistas sul-americanos, em Bueno Aires, no Monumental de Nuñez (1-1), deixou os argentinos num desconfortável quinto lugar que, a materializar-se, obriga à disputa de um play-off contra o primeiro classificado que sairá da qualificação da zona da Oceânia. 24 são os pontos que os argentinos do seleccionador Sampaoli arrecadaram em 16 jogos até ao momento, tendo agora mais dois – em casa contra o Peru (que tem os mesmos pontos) e fora frente ao Equador – para fugirem à ainda mais embaraçosa possibilidade de virem a ser ultrapassados pelo Chile (23 pontos). Seria o descalabro. A recordar o ano negro de 1970.

Foi nesse Campeonato do Mundo absolutamente mágico para o Brasil de Pelé, Tostão, Gerson, Rivelino, Jairzinho e por aí fora, que a ausência dos argentinos mais se notou. Tendo estado presente nos Mundiais de 1930 (finalista derrotada pelo Uruguai) e 1934 (afastada no play-off inicial pela Suécia), os dirigentes da federação argentina decidiram não se fazerem representar nos três campeonatos do mundo seguintes, sobretudo por via de um conflito latente com a confederação brasileira que demorou a ser sanado. Em 1958 estavam de volta, mas com resultados muito pobres que até meteram uma goleada por 1-6 às mãos da Checoslováquia.

Questão de hábito.

A partir daí, a presença da Argentina na fase decisiva da maior competição de futebol a nível planetário tornou-se praticamente numa inevitabilidade. Excepto em 1970. Logo nesse 1970 que coroou os seus arqui-rivais brasileiros como a melhor selecção de todos os tempos.

Treinada por Adolfo Pedernera, uma das mais extraordinárias personagens do futebol dos anos-40 e 50, a Argentina viu-se colocada num grupo eliminatório com Peru e Bolívia.

No dia 27 de Julho de 1969, em La Paz, as coisas começaram mal para terminarem horrivelmente. O golo inicial do boliviano Diaz (18 minutos) foi rebatido ainda antes do intervalo (43m) por Tarabini. O segundo tempo trouxe o colapso dos rapazes das pampas. Blacut e Alvarez condenaram-nos a uma derrota sem apelo nem agravo – 1-3.

Pouco tempo depois, no dia 3 de Agosto, a Argentina jogou em Lima, no Peru. Nova derrota, desta vez por 0-1, com o golo andino a ser apontado por Léon.

Ainda se estava para saber da qualidade das exibições que essa selecção do Peru, que contava com gente do calibre de Cubillas, Chumpitaz ou Sotil, realizaria no México, no ano seguinte. Mas, com os dois jogos de retorno a serem disputados na Argentina, não havia quem pusesse (ainda) em causa o favoritismo dos celestes. Ainda por cima tendo em conta que Peru e Bolívia como que tinham anulado a vantagem conquistada ao dividirem os pontos disputados entre ambos: Bolívia, 2 – Peru, 1; Peru, 3 – Bolívia, 0.

Dia 24 de Agosto, em Buenos Aires, Albrecht deu a vitória aos argentino sobre os bolivianos por 1-0. Tudo ficava por decidir no dia 31.

La Bombonera, estádio do Boca Juniors, encheu-se até rebentar pelas costuras. O técnico peruano era o lendário Didi, das folhas secas. Um final de loucos. Chacito Ramirez fez 0-1 aos 70 minutos. Albrecht empatou (80m). Ramirez voltou a marcar (81m). Rendo conseguiu novo empate, aos 89m, que de nada serviu. Diria no final: “Nos quedamos afuera. Fue la peor experiencia de mi vida. Impresionante ver tanta amargura en un vestuario, algunos lloraban, Pedernera fumaba en un rincón”.

Pela primeira vez a Argentina falhava a fase final de um Campeonato do Mundo por via das eliminatórias.

Uma memória amarga que tem vindo à superfície nestes últimos dias de uma selecção sem brilho.