Os sinais de fumo de Costa

António Costa podia muito bem ter-se queimado de vez com os incêndios deste verão.  A tragédia de Pedrógão Grande, o descontrolo total do comando, as evidentes e graves faltas de coordenação, o falhanço absoluto da Proteção Civil… dezenas de vítimas mortais, centenas de feridos, demasiada área de floresta ardida, casas perdidas, fábricas, gado, criação, culturas,…

António Costa podia muito bem ter-se queimado de vez com os incêndios deste verão. 

A tragédia de Pedrógão Grande, o descontrolo total do comando, as evidentes e graves faltas de coordenação, o falhanço absoluto da Proteção Civil… dezenas de vítimas mortais, centenas de feridos, demasiada área de floresta ardida, casas perdidas, fábricas, gado, criação, culturas, tudo demais.

Além, claro, do SIRESP. Que, na verdade, foi ele, António Costa, enquanto ministro da Administração Interna (curiosamente tinha como única assessora jurídica Constança Urbano de Sousa – por mera coincidência, ou não, atual ministra da Administração Interna), quem adjudicou as comunicações das forças de segurança e da Proteção Civil à PT (TMN) sem ouvir formalmente as propostas alternativas (e bem menos onerosas para o Estado) da Optimus e da Vodafone. Ainda por cima tendo sido ele quem, mal entrou no Governo com José Sócrates, mandou parar tudo e levou um ano e meio a analisar o concurso.

Ou seja, se a fonte de todos os problemas, como o primeiro-ministro chegou inusitada e contundentemente a afirmar na Assembleia da República, foram as falhas da rede da PT, o responsável político é… ele próprio.

E, se não é, seria bom que ao menos explicasse por que razão – ou por ordem de quem, se não foi dele – tal concurso não foi anulado e reaberto, com auscultação de todos os potenciais interessados ou concorrentes.

Mas António Costa sobreviveu politicamente aos incêndios de verão. E não só.

É verdade que apesar de as mais altas instâncias da República – incluindo ele próprio – terem assegurado que em matéria de responsabilização tudo seria feito e apurado até às últimas consequências, e ‘doa a quem doer’, até agora… está tudo rigorosamente na mesma. Tanto em sede de Administração Interna, e no que concerne aos incêndios, como em sede de Defesa Nacional, que o roubo de Tancos também não conhece um único responsável. E o tempo vai passando.

 Convém, porém, não esquecer que há eleições autárquicas daqui a menos de um mês e duas semanas volvidas o Governo entrega a proposta de Orçamento do Estado para 2018 na Assembleia da República.

Em período de pré-campanha eleitoral, e quando o combate aos incêndios ainda na fase Charlie, não era expectável que o Governo provocasse um verdadeiro terramoto na Proteção Civil.

Mas António Costa e o Governo têm dado alguns evidentes sinais que, se não se ficarem pelo fumo, prometem incendiar a Proteção Civil e todas as demais estruturas envolvidas, a começar no MAI e a acabar nos bombeiros. Sim, nos bombeiros.

Costa ensaiou o discurso lembrando-se de atirar para a Oposição – PSD e CDS – o ónus das críticas ao trabalho dos soldados da paz que, a não ser na boca do próprio líder do PS e chefe do Governo, não se ouviu, de facto, ninguém fazer.

Ora, se Costa o disse, não foi por acaso.

Como por acaso não foi o pré-anúncio envergonhado – numa entrevista do secretário das Florestas (Ministério da Agricultura) ao jornal Público – de que o Orçamento para 2018 vai tirar verbas ao combate para dar à prevenção.

«É preciso acabar com os mitos», disse Miguel Freitas na dita entrevista, na semana passada.

Não será, pois, de estranhar, que o Orçamento do Estado traga as verdadeiras consequências do que se passou neste verão – com uma boa fatia das verbas destinadas ao combate a serem transferidas para a prevenção.

Seja por via de reforço do Ministério da Agricultura e da aposta na reforma da floresta, seja por via da descentralização e maior responsabilização das autarquias.

À custa do Ministério da Administração Interna, da Proteção Civil e dos… bombeiros.

Miguel Freitas antecipa, inclusivamente, que os bombeiros passem a colaborar na prevenção dos fogos, quais sapadores florestais.

Se assim for, e tudo leva a crer que será, António Costa – depois de tratar de abrir concurso para o SIRESP (que já é tempo e, entretanto, até já viu o último secretário de Estado do Governo de Passos Coelho, Fernando Alexandre, vir a público defender a ‘nacionalização’ daquele sistema de comunicações, qual acérrimo bloquista), vai atirar-se ao lóbi dos bombeiros.

Que é forte e bem espalhado pelo país. Eles, de facto, estão em todo o lado. E são muitos. É fazer as contas: só corporações de voluntários há mais de 400 distribuídas pelos 308 concelhos do Continente (o concelho de Lisboa tem 45 corporações, sem contar com os Sapadores; Cascais tem cinco; Loures nove, etc., etc., etc.).

António Costa é um habilidoso sobrevivente político.

Não demitiu ninguém até agora, mas não esperem pela demora. Mal acabe a época de fogos e, sobretudo, passadas que sejam as autárquicas, é capaz de ir tudo a eito. Que, por ele, a responsabilidade pode ser de todos… menos dele.

Até lá, é só sinais de fumo. 

Esperemos é que, depois, não seja mesmo mesmo só fumaça.