Autoeuropa. Decisão será conhecida a 3 de outubro

Nos primeiros anos a administração tentou controlar a comissão de trabalhadores, mas o cenário mudou com a entrada de Chora. O futuro de Palmela vai passar pelo futuro líder. 

O futuro da Autoeuropa e, acima de tudo, a produção do novo modelo que está a ser atualmente fabricado na fábrica de Palmela, o T-Roc, está nas mãos do próximo líder da comissão de trabalhadores (CT), que só será conhecido a 3 de outubro. A empresa tem como tradição negociar apenas com esta estrutura, dando pouca ou nenhuma margem aos sindicatos, apesar destes terem saído otimistas do encontro. «Ficaram abertos os canais de diálogo com vista a uma solução para os novos horários de laboração contínua que agrade a todas as partes», disse o coordenador do Sitesul – Sindicato dos Trabalhadores das Indústrias Transformadoras, Eduardo Florindo, escusando-se a revelar mais pormenores.

Esta imposição de negociar apenas com a Comissão de Trabalhadores não é nova. Contactado pelo SOL, António Damasceno Correia, ex- chefe de departamento dos recursos humanos da fábrica de Palmela e responsável pelo trabalho ‘A Auto-Europa: um modelo de produção pró-fordista’, recorda que a administração da fábrica de Palmela sempre seguiu o exemplo vivido na casa mãe, na Alemanha, cuja relação entre trabalhadores e administração se centrou sempre na comissão de trabalhadores, ao ponto de um destes ter lugar na administração. «O que foi trazido para Portugal resultou da experiência do grupo Volkswagen e também da própria lei alemã que privilegia este tipo de canais».

O responsável diz ainda que, com estas reuniões com os sindicatos, a empresa está a fazer um compasso de espera até que a nova comissão de trabalhadores tome posse. «A Autoeuropa acredita que com a nova estrutura vai ser possível celebrar um eventual acordo», lembrando ainda que «a comissão de trabalhadores representa toda a empresa, ao contrário dos sindicatos que só representam os trabalhadores sindicalizados. Os sindicatos são muito mais politizados, mais reivindicativos, enquanto as comissões de trabalhadores estão mais vocacionadas para a gestão de conflito, procuram soluções de compromisso».

O desafio, segundo Damasceno Correia, é encontrar uma pessoa com o perfil adequado para responder às necessidades das empresas e dos trabalhadores. «Acredito que 20 anos depois seja possível encontrar um rosto credível e coerente que responda aos desafios».

Tentativa de subordinação

A verdade é que ao início – até a entrada de António Chora na CT em 1997 – houve uma tentativa da empresa em controlar esta estrutura. «Houve encenação por parte da Autoeuropa. A empresa, para evitar a negociação com os sindicatos da CGTP, encenou a constituição de uma comissão de trabalhadores com a qual pudesse negociar. Tentou arranjar uma pessoa popular, razoável e que tivesse persuasão para arranjar uma equipa de pessoas para constituir uma lista que se apresentasse às eleições para a CT e que fosse influenciável pela administração. Antes de nos reunirmos com a CT sabíamos qual era o programa reivindicativo dos trabalhadores», confessa António Damasceno Correia ao SOL.

Esse cenário mudou em 1997 e o ex- chefe de departamento dos recursos humanos admite que, a partir daí, a relação negocial passou a ser mais séria. «António Chora não era um homem fácil, mas sabia o que queria. Defendia o interesse dos trabalhadores e não os interesses dos partidos, nomeadamente do PCP. Sempre defendeu e bem os interesses dos trabalhadores, mas sem pôr em causa a empresa e a perda dos postos de trabalho. Esta negociação integrativa sempre resultou bem».

António Damasceno Correia lembra ainda as crises que foram superadas nos últimos anos e, que no seu entender, «foram bem mais graves». Um desses casos foi a ameaça de despedimento de 850 trabalhadores em 2003 quando a produção caiu de 130 mil em 2002 para 110 mil em 2003 e com o cenário de continuar a cair. «Perante esse risco, a empresa queria despedir 850 trabalhadores, mas António Chora, que tinha a capacidade de ver as duas partes, conseguiu que nesse diferendo fosse possível não despedir nenhum trabalhador ao aceitar que durante dois anos não houvesse atualizações salariais e que fosse implementado os ‘down days’, ou seja, as paragens obrigatórias porque o mercado não tinha capacidade de absorver a produção», recorda o responsável.

Guerra de poder

Para António Damasceno Correia este braço de ferro deve-se à ausência de uma comissão de trabalhadores em funções, já que a anterior estrutura demitiu-se depois de os trabalhadores terem rejeitado o pré-acordo com a administração, deixando espaço aberto para ser ocupado pelos sindicatos que sempre foram «neutralizados» na fábrica de Palmela. «Com a necessidade de aumentar a produção da empresa também houve a necessidade de mudar os horários de trabalho e é claro que isso gerou uma revolta. A comissão de trabalhadores, como é razoável, aceitou o pré-acordo com a administração, mas quando o submeteu a votos foi chumbado. Foi então que os sindicatos tiraram proveito situação», refere Damasceno Correia.

Também António Chora, no dia da greve, – que já foi considerada histórica e travou a produção de 400 carros – afirmou que a paralisação foi uma «tentativa do PCP pressionar o Governo para algumas cedências noutros lados». Sobre o SITE Sul, defendeu que este sindicato «montou-se em cima de quatro ou cinco populistas. É lamentável porque é um sindicato com história», acrescentou, mostrando-se surpreendido com a primeira greve na empresa (fora de greves gerais): «Estou espantado. Nunca pensei ver tanta verborreia como tenho visto ultimamente, mas o populismo é assim».

Uma opinião partilhada pela coordenadora das comissões de trabalhadores do Parque Industrial de Palmela, que conta com quase duas dezenas de empresas fornecedoras da fábrica Autoeuropa. Para esta, a paralisação resultou «do desejo de protagonismo dos sindicatos».

A comissão lembrou ainda que «neste complexo industrial os sindicatos sempre estiveram numa posição de segundo plano em relação às comissões de trabalhadores e a partir do momento em que têm uma oportunidade para ganhar protagonismo o que é colocado ao serviço dos Trabalhadores? Greve», alerta.

Ameaça de deslocalização

O conflito na Autoeuropa começou com a mudança de horários e a necessidade de trabalhar mais um dia, de forma a permitir o aumento da produção, que deverá atingir mais de 200 mil automóveis em 2018. Ou seja, o dobro do registado em 2016, graças à chegada do novo modelo, o SUV T-Roc.

A Comissão de Trabalhadores e a administração da fábrica de Palmela ainda chegaram a um pré-acordo para os novos horários e turnos – que incluía uma compensação financeira de 175 euros acima do valor previsto na legislação, mais um dia de férias, um aumento mínimo de 16% do salário e uma redução de horário semanal para as 38,2 horas –, mas a proposta foi rejeitada pela maioria dos trabalhadores , tendo contado apenas com 23,4% de votos favoráveis, num universo de 3.472 votantes, o que motivou a demissão da CT.

Para o sindicato que convocou a greve, a proposta que foi apresentada era «gravosa do ponto de vista social, pessoal, familiar. Para que haja um espaço de abertura para o diálogo é imperativo que a administração retire essa imposição de mudança de horário de trabalho».