Montez usado para tentar ‘chantagear’ Cavaco Silva

O grupo próximo de Sócrates tentou envolver o genro de Cavaco em negócios, com o objectivo  expresso de condicionar o então Presidente da República. E o banqueiro Ricardo Salgado, eventualmente com intenção semelhante, ajudou Montez a comprar o Meo Arena, usando o ascendente que tinha sobre Zeinal Bava, líder da PT.

Luís Montez, genro de Cavaco Silva, foi considerado por pessoas próximas de José Sócrates e Ricardo Salgado como uma peça importante na luta política, na medida em que podia funcionar como ‘chantagem’ para condicionar o então Presidente Cavaco Silva. 

Casado com Patrícia, filha de Cavaco, proprietário da produtora de espetáculos Música no Coração, Montez foi envolvido primeiro no processo Face Oculta – e mais recentemente, já em 2012, foi ajudado por Ricardo Salgado a comprar o Meo Arena (antigo Pavilhão Atlântico). 

Os amigos de Sócrates sempre o tiveram como alvo privilegiado. Nas escutas do processo Face Oculta figuram conversas que não deixam margem para dúvidas. Numa delas, Paulo Penedos e Rui Pedro Soares – dois dos homens próximos de Sócrates que o MP suspeitava estarem por detrás do plano para controlar o grupo proprietário da TVI – falaram do assunto em termos inequívocos. 

Ao ter conhecimento da tentativa de envolver Luís Montez no negócio da Media Capital (de que a TVI fazia parte) para ficar com as rádios do grupo, Paulo Penedos pergunta malevolamente ao telefone a Rui Pedro Soares: «És tu o autor desta patifaria?». Ao que outro, sem responder diretamente à pergunta, adianta: «É o preço pela paz. Esse cala-se logo, fica a cuidar dos netos».

Salgado mete ‘cunha’ a Zeinal Bava

Mais tarde, em 2012, Ricardo Salgado ajudará Luís Montez a comprar o Meo Arena, metendo uma ‘cunha’ a Zeinal Bava, líder executivo da Portugal Telecom, hoje arguido na Operação Marquês. 

Escutas telefónicas realizadas pelo Ministério Público no âmbito da daquela Operação revelaram conversas entre Luís Valadas, diretor executivo do antigo BESI (atual Haitong) e Ricardo Salgado, que demonstram que este foi fundamental para conseguir de Zeinal Bava uma ajuda sem a qual o negócio não se efetivaria. 

A 16 de maio de 2012, pelas 11h30, Valadas pede a Salgado que insista com Zeinal, pois faltam 48 horas para expirar o prazo-limite para a apresentação de propostas e ainda não existem as garantias financeiras exigidas pelo Estado para a compra do Pavilhão. 

«Sem o naming da PT, não há operação», diz Valadas a Salgado. O ‘contrato de naming da PT’ previa que esta entrasse com 12 milhões de euros repartidos por 10 anos. Mas Zeinal está incontactável.

Seis horas depois, já à tardinha, Ricardo Salgado informa Valadas que conseguiu contactar o líder da PT e que este se comprometeu a ligar-lhe daí a pouco. Mas foi logo avisando que o via «com pouca vontade» de celebrar esse contrato, pois na PT estavam «a cortar os custos». Luís Valadas faz-lhe ver que a operadora é «a principal fonte de financiamento» do negócio, e até dá como exemplo o patrocínio da Unicer, que não vai além dos 200 mil euros. A diferença é de 12 milhões para 200 mil…

Zeinal aprova investimento por causa do BES  

Faltavam 3 segundos para as 20h00 quando Zeinal liga de volta a Salgado, dizendo: «Isto não faz parte dos nossos planos… Só fazemos isto por ser importante para o BES. Mas só fazemos um milhão a 10 anos, com as contrapartidas que falaram nas reuniões». Mal este desliga, Salgado informa Valadas: «Um milhão está confirmado. Disse que para eles não é uma prioridade, fazem isto por atender ao BES». 

Recorde-se que, segundo as suspeitas do MP, tempo antes deste negócio Salgado terá pago dezenas de milhões de euros em ‘luvas’ para obter decisões favoráveis ao GES no âmbito da sua participação na PT. Bava terá recebido 18,5 milhões de euros. 

Os investigadores suspeitam que as decisões tomadas na PT nos últimos 10 anos beneficiaram propositadamente os acionistas, em particular o GES. Esta rede de influências terá levado a PT a defender os interesses de Ricardo Salgado, não só no chumbo da OPA da Sonae mas também na venda da Vivo à Telefónica, na compra da Oi e noutros negócios que nada tinham a ver com a operadora portuguesa.

Venda decidida pelo Governo de Passos Coelho 

A venda de património da Parque Expo, empresa pública que, na altura, tinha uma dívida de 200 milhões de euros, foi decidida pelo Governo de Passos Coelho. A tutela da empresa pertencia à atual líder do CDS, Assunção Cristas – então ministra da Agricultura e do Mar –, que avançou com a venda do Pavilhão Atlântico.
Luís Montez ganhou o concurso em julho de 2012, comprando o emblemático edifício por 21,2 milhões de euros, metade do que o Estado gastara na sua construção. 

Cristas explicou que o caderno de encargos exigia que as propostas promovessem a «estabilidade da gestão do imóvel» e preservassem «a vocação de sala de espetáculos com uma programação ativa, relevante e diversificada», para que a infraestrutura fosse «um polo dinamizador da economia local e nacional». «O critério que nos permitiu fazer melhor seriação e desempate foi o da maximização do encaixe financeiro», afirmou.

No comunicado em que anunciou a venda ao consórcio Arena Atlântida (que incluía Montez), o Conselho de Ministros justificava que a proposta do empresário destacava-se não só por oferecer o melhor preço, mas também «por apresentar um sólido compromisso de realizar um plano de atividades coerente, de preservar os postos de trabalho, de assegurar uma estrutura acionista e de assumir um plano de estabilidade e garantia que acautelam a estabilidade da gestão» do pavilhão.

Negócio esteve ‘pendurado’ um ano

No entanto, a venda esteve depois cerca de um ano congelada pela Autoridade da Concorrência (AdC). Um mês após a aprovação da venda, o regulador decidiu abrir uma investigação ao negócio, por – dizia – ter «identificado sérios indícios de que a operação é suscetível de criar entraves significativos à concorrência efetiva nos mercados da promoção de eventos de música ao vivo, serviços de bilheteira e exploração de espaços indoor para espetáculos e eventos de grande dimensão». 

Já em 2013, a AdC acabaria por encerrar o processo, declarando a sua «não oposição» à venda, uma vez que o consórcio Arena Atlântida apresentara, entretanto, «um novo conjunto de compromissos que visaram dar resposta às preocupações que resultaram do teste de mercado aos compromissos apresentados em primeira fase do procedimento». 

Felícia Cabrita e Joana Marques Alves