Hiroshima vezes oito

Kim acumula poder e tecnologia. Ninguém sabe ao certo para quê, mas uma coisa é clara: as sanções não bastam.

O que os norte-coreanos fizeram no domingo não foi apenas mais um teste nuclear. O dispositivo que detonaram num fosso subterrâneo situado nas montanhas do nordeste do país tão-pouco parece ter apenas sido apenas uma bomba atómica. Julgando pelo tremor de terra que a explosão gerou, contando com as partículas radioativas entretanto recolhidas por aviões sul-coreanos e japoneses, e considerando as – quase sempre duvidosas – declarações norte-coreanas, o dispositivo detonado no domingo teve o impacto de uma bomba de hidrogéneo. Ou, no mínimo, de uma sua forma rudimentar. A distinção é importante. A bomba de hidrogénio funciona por fusão e não por fissão: teoricamente, o seu poder não tem limites. O regime até pode não ter atingido uma bomba de hidrogénio pura, acionada em dois estágios, mas o dispositivo que detonou no domingo teve o poder equivalente ao de oito vezes a bomba largada pelos norte-americanos em Hiroshima: 120 quilotoneladas – ou seja, 120 mil toneladas de TNT.

A comunidade internacional respondeu mais ou menos como tem respondido a cada passo nuclear ou balístico da dinastia dos Kim. Os Estados Unidos repetiram que estão dispostos a tudo, queixaram-se com um tom mais severo que os outros países do Conselho de Segurança das Nações Unidas e lá, no decorrer de uma reunião de emergência, a embaixadora americana declarou que «a Coreia do Norte está a implorar por uma guerra». Donald Trump foi mais além e, mesmo não prometendo desta vez «fogo e fúria» – como quando o regime norte-coreano testou o seu mais recente míssil intercontinental, em agosto – disse quinta-feira que Kim está a brincar com o destino do seu reino. «Responder militarmente é com certeza uma opção. Se é inevitável? Nada é inevitável. Preferia não ir por essa via militar. Mas se formos por aí, esse será um dia muito triste para a Coreia do Norte».

O guião de sempre

Os últimos dez anos de respostas à Coreia do Norte seguiram mais ou menos o mesmo guião: respondendo a um qualquer avanço sensacional que parece pôr tudo em causa, os países do Conselho de Segurança apertam o nó das sanções, redobram as ameaças e ficam à espera para ver se é dessa que o Norte entrega as armas ou – à exceção da Rússia e China – se o regime desaba com a pobreza. Segundo o guião, a este período segue-se um novo desenvolvimento espantoso, que faz regressar tudo ao início. É o que se passa agora: os Estados Unidos querem congelar os bens de Kim Jong-un no estrangeiro, possivelmente os do seu governo também, ou até ir mais além e proibir a ida de trabalhadores norte-coreanos para fora do país – há outras propostas, como congelar as remessas de petróleo e começar a vasculhar navios coreanos. Enquanto o discutem, no entanto, o Norte avança com os seus programas. Hoje, sábado, espera-se até um novo teste de míssil para celebrar o aniversário da fundação do regime. Foi neste dia do ano passado que Kim testou aquele que até à semana passada havia sido o seu último teste nuclear, com uma bomba seis vezes mais fraca do que a do último domingo.

China e Rússia insistem em dizer que é preciso dialogar com o regime e o Presidente chinês, Xi Jinping, telefonou ontem ao líder francês, pedindo-lhe que colabore nesse esforço. No governo americano, não há um discurso coerente: Donald Trump afirma que não quer negociar, mas o seu secretário de Estado e outros elementos do governo dizem que essa porta está aberta. Mas os últimos 11 anos de marcha nuclear norte-coreana parecem demonstrar que as sanções, a sós, não são suficientes para travar os Kim. Como argumenta o antigo diplomata americano Joseph DeThomas, no think-tank 38 North, os castigos económicos à Coreia do Norte podem mais facilmente espoletar uma guerra do que propriamente a dissuasão. Não há como ignorar que este é o país onde morreram entre 600 mil e 2,5 milhões de pessoas de fome nos meados da década de 90, na chamada «Marcha Árdua». E a situação económica, com alguma liberalização, só tem melhorado nos últimos anos. Nas palavras de DeThomas: «Pondo-o em termos claros: o último dólar disponível na Coreia do Norte irá para Kim; o penúltimo irá para os seus guarda-costas; e o antepenúltimo irá para o programa nuclear e de mísseis – independentemente de quem passe fome e do que desabe».