Proença de Carvalho. Um homem de sorriso de aço

O advogado construiu a carreira a golpes de trabalho e inteligência. Hoje é um dos mais poderosos homens do país, mesmo depois da queda em desgraça do seu amigo Sócrates.

Proença de Carvalho. Um homem de  sorriso de aço

Era um segundo julgamento de um homem acusado de violação. Os factos passam-se há muito tempo, talvez no final dos 70. Entram os juízes, a audiência, os advogados, o réu e o representante do Ministério Público levantam-se.

Quando os juízes se sentam, toda a gente faz o mesmo. Ato contínuo, o advogado Daniel Proença de Carvalho tira um gravador de bobines de uma mala e liga-o a uma ficha e calmamente aperta o barulhento botão que permite gravar. A sala quase vai abaixo. Os juízes exigem que retire imediatamente o objeto. Proença de Carvalho recusa-se: «Qual é o artigo da lei que me impede de gravar a sessão?». Os juízes não querem aceitar, «mas não há nada na lei que o permita», argumento que leva o advogado a responder: «Se não é proibido, pode-se fazer. Eu desejo ficar com o registo deste julgamento, para meu uso na defesa do meu cliente, o julgamento é público, e não vejo mal, nem nenhuma ilegalidade nisso». A sessão é interrompida, para que os juízes possam deliberar sobre a questão. Passado algum tempo, Proença de Carvalho é autorizado a gravar a sessão. No final do julgamento, o seu cliente é absolvido.

«Toda a gente sabia que não era proibido gravar as sessões, mas até aquele momento ninguém tinha tido a coragem e inteligência de fazer o que fez Daniel Proença de Carvalho», afirma o advogado Nuno Godinho de Matos, que foi durante décadas seu colega de escritório.

Daniel Proença de Carvalho é conhecido pela sua racionalidade, como garante Godinho de Matos: «tudo o que ele faz é por inteligência, é uma espécie de inteligência vezes inteligência, que é igual a inteligência ao quadrado». Não foi por vontade de entrar em conflito ou por bravata que o advogado quis fazer valer os seus direitos: «ele sabia que o seu cliente só podia ser condenado devido à intuição dos juízes, não havia provas suficientes contra ele. Ao fazer uma gravação, estava a alertar os juízes que ia poder demonstrar com facilidade isso», acrescenta Godinho de Matos.

A história é confirmada por alguém próximo de Proença de Carvalho, era a segunda vez que os mesmos juízes julgavam o mesmo crime, o advogado tinha ficado com o caso apenas depois do primeiro julgamento, em que o réu tinha sido condenado, e tinha o conseguido anulá-lo, mas sabia que na sala do tribunal iam estar as mesmas pessoas para uma decisão. A única forma de provar a falta de provas e uma condenação, exclusivamente baseada em intuição dos juízes, era isso ficar preto no branco, para um possível recurso.  

Já lhe chamaram de tudo: advogado do diabo e advogado dos poderosos. Isso levou-o a desmentir formalmente essa ligação, não especificamente ao demo, mas a essa preferência pela proximidade das saias do poder. «Ao longo de vida, tenho sido advogado de pessoas que designa como poderosos, como de muitas outras pessoas. Fui advogado de muitas pessoas, empresas, de várias condições sociais, partidos políticos… sou um advogado», declarou numa entrevista ao i, em 2010.

Mas esteve, muitas vezes, no lugar e momento certo em que muito se decidia. Foi em sua casa que Mário Soares e Carlos Mota Pinto acordaram as bases para o governo do bloco central entre PS e PSD, o IX governo constitucional em 1983; foi com ele que Ricardo Salgado foi recebido por José Eduardo dos Santos, a 2 de outubro de 2013, no Palácio da Cidade Alta, na célebre reunião para salvar o BES das dívidas do BESA, em que conseguem do presidente da República de Angola uma garantia «irrevogável» de 5,7 mil milhões de dólares (4,6 mil milhões de euros) – é verdade que o «irrevogável» teve o valor semântico da decisão de saída de Paulo Portas do governo de Passos Coelho, mas isso são outros quinhentos –, é também ele que defende José Sócrates, desde o tempo em que este tinha a pasta do Ambiente, até muito recentemente; é ele que participa primeiro como advogado e depois como presidente do Conselho de Administração da CIMPOR, na passagem da maior multinacional portuguesa para as mãos de empresas brasileiras, vivendo os tempos duros do desmantelamento da empresa que chegou a ser a nona maior cimenteira do mundo e que é retalhada pelos novos donos. 

Daniel Proença de Carvalho, para além de ser sócio de uma das mais poderosas sociedades de advogados em Portugal, Uría Menéndez- Proença de Carvalho, tem um poder e conexões sociais que vão muito para além das sua atividade como causídico.  

A 31 de dezembro de 2016, era Presidente do Conselho de Administração da Global Notícias – Media Group, S.A e Presidente do Conselho de Administração da CIMPOR. É ainda Presidente da Assembleia Geral de 26 empresas (ver caixa). E é ainda atualmente membro do conselho geral da AEM – Empresas emitentes de valores cotados em mercado e Presidente da Assembleia do Instituto Português de Corporate Governance e, também, Presidente do Conselho de Curadores da Fundação Champalimaud.

Em 2009, segundo o que garantia o livro “Os Burgueses”, de Francisco Louçã, João Teixeira Lopes e Jorge Costa, só nos quatro cargos que exercia em empresas cotadas em bolsa, membro da Comissão de Remuneração do BES, Presidente da Mesa da Assembleia Geral da GALP, chairman da Zon e vice-presidente da Mesa da Assembleia Geral da CGD, Daniel Proença de Carvalho recebeu mais de 250 mil euros dessas quatro empresas, nesse anos. As únicas sujeitas ao dever de informação pública sobre remunerações. Segundo os autores do livro, Daniel Proença de Carvalho recebia mais de 15 mil euros por reunião que participava. Era nessa altura ainda membro de órgãos sociais de mais de 30 empresas não cotadas em bolsa.

De comunista até homem de confiança de Champalimaud

Daniel Proença de Carvalho nasceu, a 15 de setembro de 1941, na aldeia de Soalheira, freguesia do concelho do Fundão. O pai era comerciante e a mãe professora. As condições de vida na aldeia eram difíceis. A família de Proença de Carvalho vivia melhor do que a maioria, até o pai ter tido alguns contratempos nos negócios. «O ambiente de uma pequena aldeia na Beira Baixa, naquela época, era de enormes dificuldades. Hoje nem se imagina! Por um lado, eu tinha uma situação privilegiada, com uma mãe professora e um pai com uma atividade que poderia proporcionar melhores rendimentos que o habitual; por outro, as coisas não correram bem ao meu pai, o que a partir de certa altura dificultou muito a nossa vida.

Não foi fácil», recordou o advogado numa entrevista ao Expresso em 1998. A mãe com a sua dedicação, força e pragmatismo era o motor da família. Muito católica, pretendeu inculcar esses valores no filho. Mas durante muito tempo, foi um tio, professor, que foi a grande influência política de Daniel Proença de Carvalho.
Vai para o liceu de Castelo Branco e milita numa célula do PCP. Quando, tempos depois, com incredulidade,  algumas pessoas lhe perguntam se foi apenas simpatizante ou mesmo militante comunista, ele não se descose completamente, mas sempre vai dizendo: «sabe que na altura não se passavam cartões plastificados aos militantes do PCP». Na entrevista citada ao Expresso, não confirma a filiação, mas explica como a família via com receio a sua atividade: «pertenci a uma pequena célula no liceu em Castelo Branco.

Éramos meia dúzia de colegas, supervisionados por um professor, que nos doutrinava e organizava tarefas políticas, como a de pintar nas paredes ‘Abaixo Salazar’. A minha mãe pedia que não me metesse em sarilhos, o meu pai, não sendo obviamente político, era um salazarista: conhecera os exageros da República e achava que, para o país, era um oásis ter surgido alguém que pôs ordem e disciplina e melhorou extraordinariamente as condições de vida, não obstante as dificuldades que ainda tínhamos. A primeira campanha em que intervim ativamente foi a de Humberto Delgado, organizando manifestações e agitando o meu pequeno meio».
Na universidade, não abandona as ideias revolucionárias, coisa que só declara ter feito quando começou a trabalhar no setor privado, mas deixa a militância. A música, o convívio e os namoricos tomam muito do seu tempo. Organiza com amigos um Orfeão, participa num grupo de baile, com nomes como José Cid, funda o clube de jazz em Coimbra e até chumba de ano. Acaba por licenciar-se com média de 16 valores. Casa e tem filhos muito cedo. O seu primeiro trabalho é como magistrado do Ministério Público no concelho alentejano de Santiago de Cacém. Nessa localidade, é obrigado, pelas suas funções, a tomar conta da cadeia e confrontar-se com situações de uma profunda miséria e degradação.

Como é o mais bem classificado no concurso do Ministério Público tem direito a escolher uma posição de Inspetor da Judiciária, escolhe ir para Lisboa, onde trabalha, entre 1967 e 1968, na área da investigação das fraudes. Como afirma o antigo inspetor da PJ Moita Flores, em depoimento para este perfil, as condições dos seus colegas mais velhos que trabalhavam nessa época eram muito precárias. A PJ era mal considerada e ganhava-se substancialmente menos que na polícia política, a PIDE, e muitas vezes viam as suas investigações destruídas e restritas a pequenos crimes. Daniel Proença de Carvalho, que já tem três filhos, tenta uma última hipótese de continuar na Judiciária em melhores condições, ganha colocação em Luanda. Altura que lhe surge uma nova possibilidade, ir trabalhar para o contencioso de uma empresa privada.

“Entretanto, respondera a um anúncio de emprego cuja resposta positiva significava uma remuneração bastante melhor. Entrei então para a empresa Cimentos de Leiria”, recorda o advogado à entrevista do Expresso. A empresa era de António Champalimaud, a primeiro vez que o viu cara a cara foi por causa de um contrato de compra de uma pedreira. O empresário quis falar com ele. «Falámos do contrato, nada mais», lembrou na sua entrevista a Anabela Mota Ribeiro, ao Jornal de Negócios em 2011. Posteriormente, devido ao agravamento do julgamento do célebre caso da Herança Sommer, em que Champalimaud era acusado de se ter apropriado indevidamente do dinheiro da herança de uns parentes, o empresário temeu ser detido. Encarregou Proença de Carvalho de fazer um périplo por vários países da América Latina, para estudar qual seria o melhor país pare ele se exilar e continuar a comandar os seus negócios. Proença de Carvalho tinha 28 anos quando foi encarregue dessa tarefa. O país escolhido foi o México.

O empresário quis falar com o seu jovem advogado e incluí-lo na sua equipa de defesa. O processo não estava a ser fácil. Sucessivamente o juiz do Tribunal ia expulsando do processo os advogados de Champalimaud. Era um Tribunal Plenário, normalmente usado para condenar sem apelo nem agravo os oposicionistas e o juiz era particularmente violento com a defesa. Foram passando pela barra do tribunal até serem corridos vários causídicos: Sidónio Rito, Manuel João da Palma Carlos, Salgado Zenha (mais tarde), e Francisco Sousa Tavares. Chegou a ter de ficar com o escrivão do tribunal como advogado oficioso. O empresário comunicou a Proença de Carvalho que o regime estava contra ele e o queria condenar. Daí o estranho de escolher advogados ligados ao PCP, como Palma Carlos, ou Zenha que também tinha sido militante comunista, e a quem Proença de Carvalho vai ficar ligado por muitos anos. Sobre a opinião de António Champalimaud sobre o seu jovem advogado, que conheceu aos 27 anos, temos o seu testemunho, recolhido por José Freire Antunes no livro Champalimaud: «Cedo descortinei nele atributos que viriam a torná-lo num dos advogados dos mais famosos da praça de Lisboa».

Proença é repetidamente acusado de ter saltado da Judiciária para a defesa de Champalimaud com informação da PJ sobre o processo. Várias vezes o desmente, por não ser verdade, ele não trabalhava nesse caso, mas sobretudo, como diz, «isso seria para além de desonesto uma enorme estupidez», e coisa que não lhe agrada é que o tomem por burro. Em 1969, o empresário fica a saber que vai ser emitido um mandado de captura contra ele e foge de uma forma rocambolesca. Vai para uma herdade vizinha à sua Herdade do Belo, para não se meter na boca do lobo, e para um seu familiar que vinha de avioneta buscá-lo, perceber onde estava, estende-se num lençol branco. Só regressará a Portugal em 1973, nas vésperas do 25 de Abril e depois de ter ganho o caso da Herança Sommer.

De socialista a “Maquiavel à moda do Minho”

Inscreve-se no Partido Socialista depois do 25 de Abril de 1974, e torna-se uma espécie de membro informal da equipa de Salgado Zenha, quase todos os dias ao fim da tarde, na época que Nuno Godinho Matos era chefe de gabinete do ministro da Justiça do I, II, III e IV governos provisórios, Daniel Proença de Carvalho aparecia ao fim da tarde, na companhia do antigo delegado do Ministério Público do caso da Herança Sommer, «um excelente e honesto jurista que só ficou amigo de Zenha e Proença de Carvalho depois do caso», observa Godinho de Matos. As conversas com o ministro prolongavam-se até depois do jantar. «Zenha encomendava e pagava do seu bolso a comida que encomendava ao Martinho da Arcada», recorda Godinho de Matos.

Apesar dessa proximidade com o ministro do PS, Proença de Carvalho começou a aceitar defender um conjunto importante de personalidades ligadas à vida política e económica do antigo regime. Um dia, os donos da Torrralta são presos. E na ausência do ministro é pedido a Nuno Godinho de Matos que faça um comunicado, desmentindo as alegações, de que se tratam de presos políticos. O comunicado é feito. Aparece pouco tempo depois Proença de Carvalho a indagar por que razão foi tomada esta posição, por parte do governo, e se o ministro tinha tomado conhecimento e aprovado este comunicado. Tendo sido informado, por Godinho de Matos, que tinha sido ele que tinha redigido o texto em que se argumentava não haver presos políticos em Portugal e que todos os detidos o estavam por suspeitas de crimes como sabotagem económica. Proença de Carvalho pede para falar com o ministro para protestar.

O advogado, até pela sua proximidade ao grupo Champalimaud, envolveu-se firmemente na defesa de muitos dos antigos homens fortes da economia portuguesa. Vindo posteriormente a editar um livro a respeito dessa experiência. «Fui advogado de muitas pessoas perseguidas, escrevi aliás um livro sobre isso [Cinco Casos de Injustiça Revolucionária], e nesses momentos pensei que eu e a minha família poderíamos ser muito prejudicados com patrocínios que ofereciam risco. Mas não só como advogado: vi um juiz a dar uma sentença justa e caírem-lhe as lágrimas por achar que ia ser perseguido. Em certos momentos, os advogados como os juízes ou magistrados precisam de ter coragem para tomar decisões e defender direitos», declara em entrevista ao i.

No quadro dessa luta que se trava durante a revolução, em que de um lado estão aqueles que defendem que os grandes grupos económicos criados à sombra do regime fascista, com favores e beneplácitos deles, como na Lei do Condicionamento Industrial, eram parte da estrutura da ditadura; e, por outro lado, está gente que argumenta só poder defender a nova democracia, se ela garantir a propriedade privada dos meios de produção com a manutenção da aristocracia empresarial existente. Proença de Carvalho vai intervir firmemente ao lado dos segundos, defendendo no Tribunal e na arena pública os grande proprietários e empresários.

É nessa época convidado para suceder a Artur Portela Filho à frente do Jornal Novo. «O Jornal Novo era uma publicação da esquerda democrática que lutava com imaginação e tenacidade contra os setores mais radicais da revolução. Mas com Proença de Carvalho torna-se muito mais agressivo, quase uma espécie de pasquim da direita dura. É aí que ele ganha os seus galões de combatente», defende Godinho de Matos. Uma outra fonte próxima de Proença matiza essa mudança, «ele tornou o jornal mais interventivo, mas não é correto que o colou à direita». É na sequência deste tirocínio que no primeiro governo de iniciativa presidencial, de Ramalho Eanes, o primeiro-ministro indigitado, Carlos Mota Pinto o convida, em 1978, para ministro da Comunicação Social,  para combater, nos órgãos de comunicação social, muitos deles nacionalizados, a influência dos jornalistas de esquerda e alinhados com a revolução.

Mota Pinto dá-lhe carta branca para «desgonçalvizar» a comunicação social. O governo dura pouco tempo, mas experiência e o empenho de Proença de Carvalho são impressivos, porque, anos depois, em 1979, é novamente desafiado, desta vez por Sá Carneiro, e depois da vitória da Aliança Democrática, para dirigir a RTP. Fá-lo, trabalhando duramente todos os dias para controlar  politicamente aquilo que considera uma redação vermelha. Nomeia para diretor de informação um homem do gabinete de Sá Carneiro, Duarte Figueiredo.

Nesse processo, mostra muito das suas características. Recebe os jornalistas do Conselho de Redação, ouve-os atentamente, com calma e urbanidade. «Depois de ouvir o nosso parecer negativo em ser nomeado para dirigir a informação da RTP um homem que vinha do gabinete do primeiro-ministro, de uma forma bem educada, mas sem apelo, Proença informa-nos: ‘ouvi-vos como manda a lei, o novo diretor de informação vai ser Duarte Figueiredo’”, recorda a jornalista Diana Andringa. Recentemente, justifica essa nomeação, em conversa com um jornalista, afirmando que Duarte Figueiredo era da sua inteira confiança e tinha sido seu chefe de redação no Jornal Novo.
Proença sorria, era bem educado, mas sabia ser duro. O jornalista da RTP José Mensurado, chamou-lhe num jornal,

«Maquiavel à moda do Minho» e foi despedido. Há dias, o advogado confessou, a fonte próxima com quem o SOL falou, que nada lhe movia contra Mensurado, mas que ele tinha sido útil: «um dos problemas que Cunha Rego tinha tido na RTP era falta de autoridade, as pessoas afrontavam-no nos corredores da empresa. Ao despedir Mensurado eu dei um sinal que não estava para brincadeiras».

A sua influência na estação não se fica por colocar pedras chaves na redação. Está lá de manhã à noite. Um convidado de um programa recorda, ao SOL, que chegou lá para gravar uma entrevista. Disseram-lhe que não havia cenário. Proença de Carvalho desceu do gabinete e mandou chamar os responsáveis de cenografia e obrigou-os a fazer o cenário rapidamente. Empenha-se de alma e coração na ideia de Sá Carneiro que era preciso um governo, uma maioria parlamentar e um presidente. Acha que a sua redação está pejada de comunistas e eanistas e impede os jornalistas de fazerem cobertura noticiosa das presidenciais pelos critérios dos jornalistas. As redações da RTP entram em greve.

«Antes da greve, passavam o tempo a interrogar-nos, para saber se íamos aderir à paralisação. Começamos a perceber que Proença estava a preparar uma redação sombra, de gente de fora, para nos substituir, foi por isso que mantivemos o jornal da RTP2, como o jornal da greve», lembra o jornalista Henrique Garcia. «Foi a primeira e única vez que me lembro que um dos principais jornais da RTP se afirmava grevista e mantinha o serviço mínimo informativo, para impedir ser adulterado por fura-greves que tinham sido contratados recentemente», aduz Diana Andringa.

No final da campanha eleitoral, dá-se a morte em acidente de aviação de Sá Carneiro, o ministro da Defesa Amaro da Costa e dos seus acompanhantes. «Lembro-me que estava escalado para fazer um comício, já não sei se de Aires Rodrigues ou de Carmelinda Pereira porque eles costumavam candidatar-se alternadamente. Era uma daqueles peças que nos obrigavam e que tinham que ter o mesmo número de minutos para todos os candidatos. Quando me preparava para sair, chegou a notícia que tinha caído um avião em Camarate. Nessa altura, isso não era para os padrões da época uma grande notícia. E fui falar com o chefe de redação, que me disse, ‘vai lá, faz umas imagens, mas o importante é que vás ao comício do POUS’. E eu arranquei para lá», relembra Henrique Garcia. Chegado ao local, começam a filmar o local do desastre e o avião, em que se viam várias vítimas. Ninguém sabia quem eram. «De modo, que feito o trabalho e um vivo à frente do avião, fui-me embora, quando me cruzei com os bombeiros, um deles comentou-me que devia estar lá uma alta patente militar». Perante isso, Henrique Garcia decidiu levar as imagens para revelar. Quando lá chegou, a RTP estava a transmitir música clássica. «Passei pelo gabinete da direção, enquanto as imagens eram reveladas no laboratório, e vi-os todos reunidos com ar lúgubre. Perguntei-lhes o que tinha sucedido? Disseram-me que Sá Carneiro tinha morrido. Como, indaguei. Num desastre de aviação em Camarate. Fiquei para morrer, tive a nítida sensação de ter estado ao lado da História, sem ter percebido que lá estava e sem ter conseguido acompanhá-la», lamenta-se Henrique Garcia.

Proença de Carvalho não perdeu no momento a calma, nem os objetivos a que se propunha, e e organizou, na véspera das votações, dia de reflexão das eleições presidenciais, a transmissão em direto do funeral de Sá Carneiro. Na sua gestão também foi fechado o jornal da RTP2. Anos depois Henrique Garcia perguntou-lhe se se arrependia de ter acabado com esse jornal? «Proença respondeu-me que à luz de hoje foi um erro, mas que tinha na altura o firme propósito de acabar com um espaço que considerava dominando pelos comunistas». Uma opinião que matizou em conversa com alguém próximo com quem o SOL falou para este perfil, «não dá para voltar atrás, provavelmente sabendo o que sabia na época faria o mesmo. Era um jornal com excelente jornalistas, mas dava uma informação enviesada contra o poder», justificou o advogado.

Depois da morte de Sá Carneiro chega-se a falar dele como putativo candidato presidencial da direita, veleidades que ele espanta depressa, empenhando-se no seu último ato militante, organizando e coordenando a campanha presidencial de Freitas do Amaral, em moldes e com gastos nunca vistos, levando o líder do CDS a quase ganhar as eleições com 46,31% na primeira volta, contra 25,43% de Mário Soares. É a unidade de esquerda contra «o revanchismo da direita», e a inflexão do PCP, que declara em congresso extraordinário a necessidade de «votar num sapo», para derrotar a direita, que vence a última grande campanha política de Proença de Carvalho.  

homem das empresas e de sócrates

Proença de Carvalho não dá o tempo por perdido. A sua atuação política e a mostra da sua competência em vários setores fazem o seu escritório dar um verdadeiro salto. Godinho de Matos, entretanto já a trabalhar há uma série de anos para Proença, testemunha esse crescimento: «a atuação de Proença de Carvalho na televisão deu-lhe uma notoriedade nacional». E o trabalho do escritório começou a crescer muito.

Excelente advogado, homem discreto, começa a ser o advogado das grandes empresas e até dos grandes casos. Apesar do sorriso permanente, esconde uma mandíbula de aço, de quem antes quebrar que torcer. Defende a sua amiga Leonor Beleza no caso dos produtos para os hemofílicos contaminados. Não contente com o resultado da justiça, faz um livro a proclamar a inocência da sua cliente. O bastonário da Ordem dos Advogados, Castro Caldas, considera que está a exorbitar das suas competências de advogado e ameaça processá-lo. «No dia do lançamento do livro, Freitas do Amaral faz uma intervenção em que acusa o Ministério Público de funcionar sem controlo e usando a comunicação social, nomeadamente O Independente”, para fazer fugas ao segredo de justiça, tentando condicionar a justiça, condenando os réus na praça pública», recorda o advogado João Nabais que esteve presente na sala. A intervenção não cai bem ao Procurador Geral da Altura, Narciso Cunha Rodrigues, que processa Freitas do Amaral.

Paulatinamente vai alargando a sua influência e os seus clientes a muitos dos homens dos grandes grupos económicos, para além da sua histórica ligação aos Champalimaud. Litiga contra o Estado para garantir indemnizações compensatórias aos grandes capitalistas que foram nacionalizados. É homem de confiança de Ricardo Salgado do BES, torna-se desde cedo advogado de José Sócrates. «Foi ele que me deu a honra de me escolher», afirma em entrevista ao i.

Uma das jornalistas acusadas por Sócrates, recorda ao SOL a forma particular como Proença de Carvalho conduzia esses processos. «Ligou-me previamente a avisar-me que o ‘senhor’ me ia processar. Sempre que me falava de Sócrates, nunca o identificava como primeiro-ministro ou outra coisa qualquer. Falava laconicamente do ‘senhor’, parecia ter todos os cuidados e intuir que algum dia poderia estar sobre escuta».

Em tribunal as coisas também tinham a sua ironia. «Fora da sala de audiência tratava-me muito bem, com toda a educação, mas no tribunal dizia cobras e lagartos de mim. Voltávamos a sair e era só elogios». A jornalista não aceitou nenhum acordo e acabou absolvida.

Esta embirração de Sócrates contra os jornalistas resulta em vários processos em que Proença de Carvalho trabalha com afinco, mas que não parecem ter a simpatia do ponto de vista racional deste. «Não vou revelar as conversas que tenho com clientes. Isso depende da forma de encarar as coisas. Há quem reaja de maneira diferente… Do ponto de vista do seu interesse político, se Sócrates ignorasse as críticas, teria maior vantagem», chega a dizer numa entrevista ao i.

Com a evolução do caso Sócrates, Proença de Carvalho acaba por abandonar a defesa do ex-primeiro ministro. Sobre isso, o seu ex-colega Godinho de Matos não tem duvidas, «não foi certamente Sócrates que quis prescindir da defesa de um grande advogado como Proença de Carvalho, se ele não o defende mais é que provavelmente percebe que ele não tem grande defesa». Uma fonte próxima de Proença de Carvalho não consegue concordar com esta conclusão: «a questão central é que Proença de Carvalho, devido às suas responsabilidades e muitos clientes, não tem o tempo necessário para levar a bom porto a defesa de Sócrates», garante.

Godinho de Matos que trabalhou mais de 35 anos com Proença de Carvalho e saiu três anos depois da criação da Sociedade Uría Menéndez – Proença de Carvalho, confirma essa enorme carteira de clientes. «Eu percebo Proença de Carvalho, ele abdicou do escritório com o seu nome, para garantir ao filho uma herança e uma posição importante numa grande sociedade de advogados, mas para se perceber a importância dele, basta dizer que no último ano em que eu lá estive, os clientes trazidos por Daniel Proença de Carvalho eram responsáveis por 40% da faturação da sociedade». 

O poder e influência de Proença de Carvalho é enorme até nos desenvolvimentos do caso BES. No pico da crise, é para além de advogado de Ricardo Salgado, membro da Comissão de Vencimentos do BES, e presidente da Mesa da Assembleia-Geral do BESI. Segundo notícia do Expresso, o seu nome chega a estar na mesa no meio da tempestade do BES, em junho de 2014, para poder suceder a Ricardo Salgado, e acaba por ser ele que terá sugerido Vítor Bento e Paulo Mota Pinto. Um episódio que Godinho de Matos, que também era administrador do BES, não consegue confirmar: «Eu fui escolhido por ser do PS e da Maçonaria, para compor o ramalhete, era administrador não executivo e naturalmente muitas das manobras eu vinha a sabê-las pelos jornais».

 A  ligação de Daniel Proença de Carvalho com o capital angolano reforça-se, não só com a participação na empresa de que é também acionista com a Sonangol, a Interoceánica, mas também com a nomeação entre 2007 e 2012, como presidente do Conselho de Administração da Zon, na altura que Isabel dos Santos era a acionista de referência.
Nas escutas, feitas pela justiça, ao grupo de colaboradores de Sócrates, o político aparece a querer escolher os diretores dos principais jornais da Global Notícias, pressionando Proença de Carvalho, que teria sido, segundo notícias de jornais, colocado para esse efeito, para nomear pessoas da sua confiança.

Marioneta de Sócrates?

«Sócrates combinou passar pelo gabinete de Proença ao fim da tarde para lhe transmitir o perfil do homem certo para o cargo de diretor do DN: o ‘porta-aviões’ do grupo, como entre eles era referido o diário», relata o SOL, a partir de escutas dos processos judiciais. Uma fonte próxima de Proença nega que ele tenha sido uma marioneta de José Sócrates: «As coisas são muito mais transparentes, Proença de Carvalho envolveu-se no trabalho de reestruturação do grupo e foi na sequência disso que é nomeado pelos acionistas para dirigir a Controlinveste».

O interessante no processo é que ele sucede-se à entrada do empresário angolano António Mosquito nos media, setor em que até então não tinha tido nenhuma experiência. Em conversa com o SOL, um dos amigos de Mosquito é cuidadoso, mas confessa que o empresário tinha dado esse passo como uma espécie de missão, era importante o poder de Luanda ter influência na comunicação social portuguesa, e há muito que tinham deixado de confiar nos irmãos Madaleno, que eram proprietários, na altura, do SOL e do i. Teria sido o próprio poder angolano e o general Kopelipa, a pedirem esse sacrifício ao amigo. Pela sua parte, Proença de Carvalho, é um sobrevivente. Devido à sua superior inteligência parece sobreviver aos escândalos que envolvem José Sócrates e até a uma mudança de poder em Angola.