E se de repente o concurso em Lisboa ficar deserto?

Oprimeiro concurso do Programa Renda Acessível, a jóia da coroa de Medina, derrapou. Ou não houve interessados, ou o concurso estava mal feito

E se de repente um estranho não lhe oferecer propostas? É impulse. Os mais velhos lembram-se certamente deste anúncio: «E se, de repente, um estranho lhe oferecer flores? Isso é impulse». Nunca esqueci a genialidade do anúncio. Por causa do repentismo e do impulso de um estranho a oferecer flores.

Tem-me vindo à memória repetidamente porque de cada vez que a Câmara Municipal de Lisboa abre um concurso, já me ocorre: «E se, de repente, não há propostas? E se, de repente, acaba tudo em Tribunal?».

O primeiro grande desaire aconteceu com os terrenos da feira popular em Entrecampos. Duas vezes levados à praça por 135 milhões de euros, duas vezes ficaram desertas as hastas públicas. Antes dos concursos, Fernando Medina e o inefável vereador das Finanças, João Paulo Saraiva, anunciaram resmas, paletes de interessados nos terrenos. Não apareceu um. Houve algumas perguntas, mas os investidores recuaram quando olharam para as condições e preços. Medina não conseguiu vender os terrenos, mas ainda assim, ilegalmente, incluiu as putativas verbas no orçamento como putativa receita. Neste caso, não houve propostas. 

O concurso para repavimentação da segunda circular é diferente: houve interessados, mas houve assim uma espécie de concurso interrompido para evitar dar à luz um grande empecilho nas autárquicas do mês de outubro pela revolta dos condutores. A desculpa oficial foi um problema de júri deixado cair a meio, com suspeitas graves de favorecimento a certos participantes.
Igualmente mal está o concurso para a publicidade exterior da Câmara Municipal (paragens de autocarros, mupis) com o qual previam arrecadar uma receita de oito milhões de euros. Um dos concorrentes acusa a Câmara de graves infrações no concurso e já avançou para Tribunal. 

O mais recente caso está agora a passar-se com o concurso público para o Programa Renda Acessível. Há dois anos em debate na Câmara e na Assembleia Municipal, e voltado a apresentar como jóia da coroa do Programa eleitoral de Fernando Medina, o concurso derrapa.

O programa consiste em construtores privados fazerem o projeto e construírem apartamentos em terrenos da Câmara, gerirem os edifícios, sendo senhorios de dezenas de famílias em regime de renda acessível. A qual foi anunciada mesmo com valores de renda de um quarto do preço do mercado. O projeto foi anunciado durante dois anos, para quinze locais, quinze empreendimentos.

O primeiro concurso foi lançado, finalmente, a 16 de junho para a Rua de S. Lázaro, estando aberto 47 dias para receber propostas. Esse concurso terminou no fim de agosto. Durante duas semanas, o portal do programa renda acessível nada disse. Esta semana foi revelado finalmente que o concurso para a Rua de S. Lázaro foi prorrogado até 12 de setembro.
Ou não houve interessados, o que é grave, ou o concurso estava mal feito, o que é pior ainda. Fizeram-no num impulso?