Coreia do norte. O mistério para lá do paralelo 38

Kim Jong-un gaba-se de ter em Pyongyang o maior estádio do mundo. Com capacidade para mais de 120 mil pessoas é o centro do futebol de um país que já se cruzou duas vezes com Portugal. 

Tropeçamos na Coreia do Norte em tudo o que são páginas de jornais ou noticiários televisivos. O destempero de um homenzinho arredondado chamado Kim-Jong-un, Líder Supremo, assim mesmo com maiúsculas, e que tem deixado o mundo em geral à beira de um nervosismo próprio de um ataque de bexigas doidas, não significa que o figurão não goste de futebol e não esteja muitas vezes presente no Estádio Rungrado 1.º de Maio, uma obra faraónica que suporta cerca de 120 mil espetadores, embora este número seja por vezes contrariado pelas autoridades norte-coreanas que referem já ter recebido no seu bojo mais de 150 mil pessoas para assistirem ao vivo a uma daquelas exibições desportivas de estadão que são marca infalível do regime.

Bem, seja como for, o Rungrado (que recebe o nome de uma ilhota situada no rio Taedong), em Pyongyang, está na lista dos maiores estádios do mundo, só não sendo oficialmente considerado o maior de todos por causa da tal dificuldade em perceber-se o que entra no campo da realidade ou da irrealidade para lá das fronteiras de um dos países mais isolados do planeta.

Curiosamente, a Seleção nacional da Coreia do Norte conseguiu dois apuramentos para fases finais de campeonatos do mundo, desde que se filiou na FIFA em 1958, e em ambas viria a cruzar-se com Portugal.

Em 1966, os norte-coreanos foram a grande sensação do Mundial de Inglaterra. Inesquecível! Sem qualquer currículo no futebol internacional – embora na fase da qualificação tenham envergonhado a Austrália: 6-1 e 3-1 – conseguiram o segundo posto no grupo que dividira com Chile, URSS e Itália, resistindo heroicamente à derrota inicial (0-3) frente à União Soviética, para empatar em seguida com o Chile (1-1) e vencerem estrondosamente a Itália (1-0) no jogo decisivo.

Do que sucedeu nos quartos-de-final, com os 3-0 a Portugal revolucionados por Eusébio num 3-5 absolutamente deslumbrante, todos nos recordamos. Como também nos recordamos do reencontro entre portugueses e norte-coreanos no Mundial da África do Sul: 7-0 para a equipa dos cinco escudos azuis na camisola, a maior derrota da história da seleção de Kim-Jong, algo que o deixou obviamente irritado e acabaria por ter custos pesados para os prevaricadores.

Entretanto, na fase preliminar para a Rússia-2018, os norte-coreanos ficaram cedo pelo caminho, embora lutando bravamente com o Uzbequistão e assegurando o segundo lugar no Grupo H, à frente de Filipinas, Bahrein e Iémen, o que de pouco lhes serviu.

Os chongryon

Com um leque de escolhas bastante reduzido, Jorn Andersen, norueguês, selecionador desde maio do ano passado e que, até aqui, apenas perdeu um jogo, tem jogado mão de alguns dos chongryon, isto é, membros da forte comunidade norte-coreana estabelecida no Japão, de forma a reforçar a equipa.

Neste momento, na luta pela qualificação para a fase final da Taça da Ásia, que terá lugar nos Emirados Árabes Unidos entre 5 de janeiro e 9 de fevereiro de 2019, a Coreia do Norte acaba de empatar 2-2 com o Líbano num grupo do qual fazem também parte Hong-Kong e a Malásia. Como é evidente, nomes como Jang Kuk Chol, Ri Yong Jik, Kim Yu Song ou Park Kwag Ryong dizem zero mesmo aos maiores coca-bichinhos da febre futeboleira. Talvez Jong Tae-se ainda faça soar campainhas nas memórias mais atentas. Sendo um chongryon, começou a sua carreira de avançado-centro no Japão (Kawazaki Frontale) e na Alemanha (Bochum e Colónia) antes de se instalar no Shimizu S-Pulse, da cidade de Shizuoka, não muito longe de Tóquio. Mas ficou mais famoso por tombar num ataque de choro incontrolável enquanto ouvia o hino do seu país no início do Coreia do Norte-Brasil, no Elis Park de Joanesburgo, do que propriamente pelo brilho das suas exibições. Aliás, nesse dia 15 de junho de 2010, quem registou o nome na lista das lendas do futebol norte-coreano foi o veterano defesa-esquerdo Ji Yum-nam que, aos 89 minutos, marcou o golo que definiu o resultado do encontro – um nada entusiasmante 2-1 para os brasileiros. Yum-nam afastar-se-ia do futebol no ano seguinte, ele que foi sempre fiel ao 25 de Abril, o clube com maior sucesso no país que fica a norte do Paralelo 38.

Eis outro aspeto no qual a Coreia do Norte vive distante do resto do mundo. Por causa da falta de transparência na mecânica de transferência de jogadores, os clubes do país não são aceites nas taças asiáticas.

Rebusca-se nos canhenhos e os dados apontam para que haja um campeonato minimamente organizado desde 1960, embora com informações praticamente inexistentes sobre resultados e vencedores. A partir de 1972, duas competições têm convivido simultaneamente: a Competição de Inovação Técnica, se me permitem a liberdade tradutória, e o Campeonato da República Democrática.

De entre o que se pode constatar, o 25 de Abril tem sido o grande açambarcador de títulos, deixando para trás a concorrência formada pelo Kigwancha, pelo Pyongyang SC ou pelo Amrokgang.

25 de Abril: um dos feriados mais importantes da Coreia do Norte. Afinal comemora-se do dia da fundação do Exército Popular Coreano. E há lá coisa que tenha mais valor para King Jing-un do que o seu exército invencível e os seus desfiles infinitos…