O preço e o custo

As medidas ‘moralizadoras’ são muitas vezes um embuste

É um erro muito comum confundir o ‘preço’ com o ‘custo’. Preço é o valor facial de um bem, mas pode ser, só, uma componente do custo, dando razão ao ditado: ‘O barato sai caro!’.

Vou buscar aos primórdios da banca nacionalizada um exemplo que mostra o logro – sobretudo quando existe uma imprensa amiga, que se apressa a exaltar o que é servido como virtude, sem se incomodar com os embustes do discurso oficial. Aqui está um campo em que esquerda e direita não se distinguem. Todos os regimes têm os seus serventuários.

No caso, o que se passou foi que, com a nacionalização da banca, seguros e restantes setores base da economia, os administradores foram afastados e os lugares foram ocupados por gestores certificados com o carimbo da ‘confiança dos trabalhadores’. 

Em coerência, certamente em nome da ética republicana, espartana por natureza, foi fixado um limite às remunerações dos novos gestores, de nomeação governamental: o vencimento de ministro, 30 contos! E a propaganda de ‘a banca é do povo’ apressou-se a proclamar: «Acabaram os ordenados milionários!». O feito fez soar um bravo unânime, mais alto que o coro da Quinta dos Animais: «Quatro pernas, bom; duas pernas, mau! Quatro pernas, bom; duas pernas, mau!». 

Falo da realidade que conheci. No banco em que trabalhava, a remuneração dos administradores era de 45 contos, e o novo limite significava um corte de 1/3, para glória do povo trabalhador. 

Simplesmente, as aparências podem iludir. 

E aconteceu uma coisa muito simples: onde antes havia um administrador, passou a existir um kit constituído por administrador + secretária, carro e motorista + despesas particulares do administrador (viagens ao estrangeiro + almoços ‘de trabalho’ no Avis, na Tágide e no Gambrinus).

Feito o balanço, concluiu-se o seguinte: antes da nacionalização, com ordenados que eram «uma ofensa para os trabalhadores», o custo de cada administrador era igual ao seu ‘preço’: 45 contos. Aplicada a lei ‘disciplinadora’, o preço foi multiplicado por três: o salário tabelado de 30 contos carregava uma ‘mochila’ de 60 contos de custos suplementares, nascidos da criatividade dos habilidosos. Para agravar as coisas, a receita do Estado também caiu, porque o ‘avô’ do IRS passou a incidir só sobre os 30 contos. Medida inteligente! 

Como em tudo, o mal está na primeira transgressão. Experimenta-se. Se resulta, fica o campo aberto a todos os abusos. 
Numa altura em que ressurge a guerra contra os ‘ordenados milionários’, talvez não seja mau tirar a limpo, em cada caso, qual é o salário nominal e qual o custo que vai à ‘Conta de Exploração’. É capaz de haver grandes surpresas. 

E também será pedagógico distinguir as empresas onde se paga um único salário, às claras, com todos os impostos para os cofres nacionais, daquelas outras onde o salário oficial é artificialmente baixo, mas é agravado por uma miríade de custos, que ficam a cargo de uma infindável cascata de sociedades participadas, em Portugal e no estrangeiro. 

Como sempre, uns têm a fama e pagam os impostos todos; outros trazem os milhões clandestinos, que ninguém viu na folha de salários.