Lava Jato chega aos cinemas envolto em polémica

Já estreou a produção cinematográfica baseada no maior operação anticorrupção no Brasil. Os críticos dizem que filme Polícia Federal – a Lei é para Todos é uma obra de ‘propaganda’ que toma o ‘partido dos polícias’, além de retratar Lula da Silva como um político ‘viciado no jogo do poder’.

Brasil vive hoje o que é, provavelmente, a sua maior crise política, institucional, económica e social das últimas décadas – e a corrupção não se encontra nas margens. A Lava Jato, a maior operação anticorrupção do país, abalou a cena política brasileira ao envolver políticos, empresários da Odebrecht e funcionários públicos a uma escala nunca antes vista. Não é raro um fenómeno com importância política dar originem à produção de filmes. Atente-se no Todos os Homens do Presidente, de 1976, sobre a investigação jornalística que revelou o escândalo Watergate durante o mandato do presidente norte-americano Richard Nixon, ou o Z, de Costa-Gavras, de 1969, que acompanha a investigação de um conjunto de jornalistas sobre o assassinato de um ativista de esquerda por oficiais do governo na Grécia. Filmes que marcaram a cena política nos respetivos países e que geraram fortes polémicas.

O caso Lava Jato, não foi exceção e rapidamente se começou a produzir um filme sobre o assunto – o Polícia Federal – a Lei é para Todos, realizado por Marcelo Antunez e produzido por Tomislav Brazic. O filme conta com um elenco de atores mundialmente reconhecidos, onde se incluem Antonio Calloni (Ivan, delegado federal), Ary Fontoura (Lula da Silva, ex-presidente e um dos investigados), Flávia Alessandra (Beatriz, delegada federal), Marcelo Serrado (Sergio Moro, juiz federal), entre outros. Os responsáveis pela longa-metragem referem que esta é a primeira parte de uma trilogia, sendo que as restantes deverão acompanhar os novos desenvolvimentos no caso. Os produtores já prometeram ampliar o leque de vilões nas continuações – informação confirmada pela cena que aparece após os créditos.

Um filme partidário?

O filme, que estreou na quinta-feira no Brasil, tem sido aguardado com grande expectativa tanto pelos críticos como pelos apoiantes da Operação Lava Jato. O guião baseou-se no livro com o mesmo nome de Ana Maria Santos e Carlos Graieb, ex-redator-chefe da revista brasileira Veja. De acordo com os críticos de cinema, o filme não pode ser inserido na categoria dos thrillers – é antes um drama documental. 

O orçamento da produção rondou os cinco milhões de euros – e os investidores mantiveram o anonimato, levantando interrogações sobre os interesses no financiamento de um filme que pode suscitar interpretações políticas num momento crítico para a política brasileira. Porém, e de acordo com o realizador, a produção e lançamento da película teve objetivos didáticos. «Os brasileiros têm sabido dos detalhes da Lava-Jato sempre a posteriori, via imprensa, por isso focámo-nos naquilo que não se sabe, na investigação, como as coisas foram descobertas, por isso decidimos fazer o recorte na condução coercitiva do Lula, um dos pontos nevrálgicos do processo», disse Marcelo Antunez em declarações ao jornal O Estado de Minas. No entanto, se o objetivo é didático, o realizador nega haja uma tentativa de politização do público. «Estamos a fazer um filme de entretenimento, a nossa intenção é não politizar, é sermos imparciais, contar apenas o processo de investigação de forma organizada na maneira como foi acontecendo», explicou.

Contudo, um filme que aborda um caso judicial com claras consequências e perspetivas políticas dificilmente poderá ser despolitizado, independentemente do esforço que se fizer, segundo vários críticos. Bernardo Mello Franco, colunista no jornal Folha de S. Paulo, escreveu, num artigo de crítica ao filme, que «em vários momentos se assemelha a uma peça de propaganda» que tem como objetivo defender a «Lava Jato de qualquer crítica», exagerando no «tom de exaltação da Operação». Para Franco, o filme assume «o partido da polícia», uma vez que a ação é«comandada por um trio de delegados determinados em prender políticos corruptos e passar o país a limpo».

Ao contrário do que se esperava, o juíz Sergio Moro não tem no filme um protagonismo proporcional ao da vida real, sendo até relegado para segundo plano. De acordo com analistas políticos, Moro representa a judicialização da política com a Lava Jato, ou seja, quando os tribunais afetam, no desempenho das suas funções, de forma significativa as condições da ação política, nomeadamente as decisões politicamente fundamentais. o que faria presumir que tivesse grande protagonismo na película. 

Outro crítico, Paulo Cavalcanti, escreveu que os polícias «não são pintados como super-heróis, mas como profissionais dedicados». Franco afirmou ainda que o filme oferece tratamento desigual aos personagens, tendo a produção optado por expor os nomes dos investigados, incluindo o de Lula da Silva, enquanto que os nomes da força policial são fictícios. Segundo Cavalcanti, o filme retrata Lula como sendo «um político viciado no jogo do poder, que, ao imaginar estar fazendo a coisa certa, despreza os oponentes, não importa quem forem», para além de apenas atingir figuras políticas ligadas ao Partido Trabalhista, deixando de lado outros casos de corrupção nos restantes partidos, o que os críticos consideraram ser um ataque camuflado ao PT num momento em que as campanhas para as eleições presidenciais de 2018 já começaram para alguns candidatos. Este é precisamente o caso de Lula, o que poderá ter impacto no público quando se afirma como um dos candidatos favoritos, ao mesmo tempo que aguarda pelo veredicto do seu recurso à condenação e sentença de nove anos e seis meses de prisão por crimes de corrupção passiva e lavagem de dinheiro no âmbito da Operação Lava Jato. 

No final do filme os produtores deixaram a mensagem de que a corrupção e a crise ética no Brasil são generalizadas e que precisam de ser investigadas, independentemente das cores partidárias. Porém, parece que não deixaram pistas sobre o porquê da corrupção ter atingido uma proporção tão grande no país. Independentemente das críticas, é certo que Polícia Federal – a Lei é para Todos coloca a corrupção sistémica no centro da discussão.