A geopolítica e as grandes alterações globais

A estabilidade do sistema dependerá das maiores potências de projeção mundial: as democráticas União Europeia, Canadá e EUA por um lado e as ideológicas Rússia e China por outro

António Almeida Tomé
Professor Doutor Catedrático

 

O atual sistema global encontra-se em acelerada mudança e as suas características configuram-se como altamente perigosas para a manutenção da precária ‘paz’ internacional. Esta é uma Era nova, em que a maioria dos Estados atravessa crises de soberania, de autoridade estadual e de territorialidade e em que o poder, por ter mudado de natureza e se ter tornado mais difuso nas suas manifestações, tende a mudar de configuração. Aumentaram as confrontações e as crises, nomeadamente as patrocinadas por ditaduras esquerdistas, ideológicas e místicas e religiosas, as quais, através do exercício do seu poder funcional de posição geográfica de influência geopolítica, têm aumentado o seu grau de agressividade contra as democracias demoliberais. Sendo os Estados os principais atores das relações internacionais, a questão central prende-se também com os efeitos condicionadoras do pleno exercício da sua soberania resultantes das ondas de choque provocadas pelo inesperado protagonismo exercido por outros tipos de atores da arena internacional, como as organizações criminosas transnacionais, o terrorismo radical islâmico e as redes do narcotráfico; todas interligadas em rede nos mundos real e virtual visando explorar as vulnerabilidades das potências. 

Contemporaneamente, o sistema global mais parece em desequilíbrio dinâmico entre duas tendências contraditórias que se sobrepõem e o caracterizam: uma tendência aglutinadora facilitada pela densa rede das relações multiformes entretanto desenvolvidas concretizada pela inexorável marcha da globalização; e uma outra tendência de fragmentação ou de dispersão dos centros de decisão, traduzindo uma nova matriz resultante dos efeitos não controlados da mesma globalização onde predominam os confrontos ideológicos mais exacerbados e os choques culturais e de valores que a modernidade exerce nas diferentes áreas civilizacionais. 

As forças da globalização materializam-se maioritariamente nos domínios da economia e dos mercados financeiros, exercendo uma tendencial ação erosiva na soberania e no poder das potências. O que se reflete numa inevitável redefinição da função do Estado, exigindo uma adaptação constante ao novo sistema de relações e de interações e uma revisão ‘inteligente’ da sua atuação, obrigando a uma flexibilização do conceito inerente às fronteiras físicas que lhes estão próximas e àquelas de segurança mais longínquas, evitando que um Estado proscrito ou irracional detentor da armas atómicas possa ameaçar em permanência as maiores potências democráticas e possa colocar em causa a própria sobrevivência da humanidade. O elemento novo é que à sociedade dos Estados se veio juntar uma outra sociedade transnacional mais flexível que vem exercendo um acrescido e considerável peso no sistema, atuando à margem das fronteiras e em função de interesses privados. Nesta conjuntura, o poder advém da capacidade dos Estados em conseguirem manter o indispensável equilíbrio nas suas várias dimensões, desde a política, diplomática e cultural até à económica e financeira, tecnológica e militar.

Com o fim da Guerra Fria o sistema entrou em disfunção e ainda não foi alcançado um novo equilíbrio; daí a instalação de uma considerável desordem e a necessidade de enfrentar as novas e multifacetadas ameaças. Nesta incerteza conjuntural, as futuras condições de estabilidade do sistema dependerão em larga medida do tipo de relações dominantes que se estabelecerem e vierem a prevalecer entre as maiores potências de projeção mundial: as democráticas União Europeia, Canadá e Estados Unidos – EUA por um lado e as ideológicas Rússia e China por outro. Deste equilíbrio dependerá largamente a boa gestão da futura nova ordem e a manutenção dos necessários equilíbrios conducentes à paz possível, em que as potências maiores terão de conter e prevenir a irresponsabilidade fanática das menores, cuja irracionalidade poderá provocar um holocausto termonuclear.