Quando a ADSE era dos “servidores civis” do Estado

Passam 54 anos da criação, mas a sigla nunca caiu em desuso. Viagem aos primórdios

Vinte e sete de abril de 1963. Foi a um sábado que nasceu a ADSE, quando ainda havia publicações em Diário da República ao fim de semana. Mas este não é o único resquício do passado: o subsistema de saúde dos funcionários públicos sofreu alterações de orgânica e nomenclatura ao longo das últimas cinco décadas, mas a sigla inicial sobreviveu ao tempo. Designava, nesse início dos anos 60, a Assistência na Doença aos Servidores Civis do Estado, termo usado desde a i República.

Foram as preocupações com a saúde dos funcionários do Estado e as desigualdades que iam grassando na sociedade que levaram o governo a avançar com benefícios de saúde próprios.

O decreto-lei n.o 45 002, que cria a ADSE, é assinado por Américo Thomaz, António Oliveira Salazar e outros membros do governo, não obstante ter saído do Ministério das Finanças. No preâmbulo recuperava-se que o governo, sempre em ponderação das questões orçamentais, tinha programado “providências em favor do funcionalismo”. Os dados compilados na Pordata não permitem recuar tão atrás, mas poucos anos mais tarde, em 1968, havia 196 mil funcionários nas administração pública, um terço dos que existem atualmente.

A que se propunha o Estado empregador com a ADSE? Depois de ter avançado com o abono de família máximo para os funcionários e condições vantajosas nos créditos para aquisição e construção de casas, tratava-se de garantir melhores condições de assistência em saúde. Na altura não existia Serviço Nacional de Saúde – nasceria em 1979, faz hoje precisamente 38 anos. Havia as chamadas caixas de previdência, para as quais os diferentes grupos profissionais descontavam, tendo acesso a cuidados de saúde, o que acontecia em alguns serviços públicos, mas o Estado tinha ficado “atrasado”, assumia o governo no diploma. “Com efeito, os trabalhadores das empresas privadas passaram a usufruir um esquema de benefícios muito mais amplo do que o concedido àqueles que constituem o vasto número de servidores do Estado.”

As primeiras disposições pressupunham que o Estado assumiria todos os encargos sem os trabalhadores fazerem descontos, ainda que estivessem em causa comparticipações nas despesas de saúde, e não a gratuidade dos cuidados que viria a estar na génese do SNS. Os benefícios poderiam vir a ser alargados aos agregados familiares, o que veio a acontecer. Incluía-se assistência médica e cirúrgica, maternoinfantil, enfermagem e medicamentos. Mas com calma. “Desnecessário parece acentuar que é num período de luta pela sobrevivência nacional, com todas as consequentes tensões financeiras, que o governo encara e procura resolver o problema da assistência na doença dos servidores civis do Estado”, reforçava o diploma.

Ao longo de 54 anos houve várias alterações na ADSE, com os trabalhadores a iniciarem descontos de 0,5% sobre a remuneração em 1979. Mas foi já recentemente, com a chegada da troika – qual sina da luta pela sobrevivência nacional –, que se deu a mudança de fundo. Uma das exigências do memorando de entendimento foi que os subsistemas de saúde dos funcionários públicos se tornassem autossustentáveis, com o Estado a deixar de ter qualquer encargo por via de transferências do Orçamento ou cofinanciamento por parte das entidades empregadoras.

O governo acatou e o atual executivo não fez inversão de marcha. Seguiu-se uma escalada nos descontos dos trabalhadores para o patamar dos 3,5%, onde se encontram. No ano passado, isto significou 570 milhões de euros descontados por parte de 831 407 beneficiários, 503 mil funcionários públicos no ativo e 327 mil aposentados. Depois de estar em aberto o futuro da ADSE, admitindo-se que em última instância poderia ser transformada num seguro privado gerido pelos beneficiários, manteve-se sob a tutela do Estado, mas com autonomia financeira e gestão na forma de um inédito instituto público de gestão participada. O futuro e a viabilidade vão desenhar-se nos próximos meses.