O país ao contrário

Os ministros deste Governo só são responsáveis pelas operações de sucesso. Tudo o resto, ou não existiu ou há-de ter um responsável… um dia

Santa Maria Madalena!!!» A expressão é de Pedro Santana Lopes (CM de ontem), perante o anúncio – aliás, a justificação – da demissão de Rui Esteves do cargo de comandante nacional da Proteção Civil.

Subscrevo, porque não há outra reação possível que não seja bradar aos céus, estupefação ou espanto, quando, face a tudo o que se passou nos últimos meses, o comandante nacional da Proteção Civil deixa as funções porque… tem no currículo uma licenciatura feita de equivalências.

Como???

Rui Esteves não se demitiu nem foi exonerado de comandante nacional da Proteção Civil porque a época de incêndios foi dramática, trágica mesmo, e o comando falhou no combate aos fogos, com evidente descoordenação e, não raras vezes, até descontrolo de todos os meios e recursos diretamente na sua dependência.

Tão pouco se demitiu ou foi demitido pelos esbanjamento de horas de voo de meios aéreos muito antes de ter começado a ‘fase Charlie’ dos incêndios.

Ou sequer na sequência da contestação à sua nomeação pelas dúvidas desde logo colocadas quanto à sua eventual impreparação ou não qualificação para o cargo.

Nem ainda quando se verificou exercer em acumulação outras funções alegadamente incompatíveis – sujeitando-se até a procedimento disciplinar movido a mando da ministra da Administração Interna.

Porventura, Rui Esteves demitiu-se na sequência de tudo isso. Mas a justificação e o momento em que considerou ser impossível manter-se no cargo foi quando veio a público a história da licenciatura tirada com recurso a uma série de equivalências na instituição em que até é professor.

É, de facto, de bradar aos céus.

Houve dezenas de vítimas mortais, centenas de feridos, gado perdido, casas, fábricas e área florestal consumidas em proporções só muito raramente vistas no mundo.

Houve abertura de inquéritos e relatórios parcelares e menos parcelares, todos apontando para a descoordenação do comando e falhas graves imputáveis à Proteção Civil.

Mas a verdade é que, volvidos dois meses, ninguém, mesmo ninguém, ainda tinha retirado qualquer consequência ou assumido responsabilidades. E, assim, continua sem se retirar ou assumir – embora já se anteveja quem será o bode expiatório.

Tal como, aliás, no vergonhoso e cada vez mais patético caso do assalto a Tancos, de cujo o ainda ministro da Defesa ainda diz não saber se existiu ou não.

Está tudo ou estão todos a brincar?

Umas dezenas de portugueses que se encontravam nas Caraíbas e viveram o tormento da passagem do furacão Irma regressaram na quinta-feira a Portugal, numa operação de repatriamento montado em tempo recorde pela Força Aérea Portuguesa.

À chegada do C-130 a Lisboa – Figo Maduro, Portela – tinham à sua espera, naturalmente, familiares e câmaras de televisão e o secretário de Estado da Defesa, Marcos Perestrello. Mas, vá lá saber-se por que razão, lá estava também o ministro dos Negócios Estrangeiros, Augusto Santos Silva.

Com tamanha receção de Estado, não é de estranhar o ar de espanto do primeiro repatriado que mal passou a porta da aeronave deu de caras com o ministro e o secretário de Estado e com as câmaras apontadas. Já o segundo manteve a cabeça enfiada no capuz e logo atrás dele outros mais que, certamente pelo cansaço de 24 horas de viagem, também não tiraram o boné ou o chapéu da cabeça.

Marcelo Rebelo de Sousa, o omnipresente Presidente da República, desta vez, não esteve. E muito bem. Porque não se justificava. Como também não tinha razão de ser a presença do ministro. Se alguém podia ter estado em representação do Ministério dos Negócios Estrangeiros, era o secretário de Estado das Comunidades, não o ministro.

Não há noção nem sentido de Estado.

A presença de Augusto Santos Silva naquela ocasião só tem uma explicação possível: cobrar dividendos mediáticos, ou seja, populismo e eleitoralismo.

Que os ministros deste Governo – como bem se está a ver em matéria de Administração Interna e de Defesa – só são responsáveis pelos casos de sucesso e não têm responsabilidade por coisa alguma quando as coisas correm mal.

A falta de educação e de respeito pelas funções do Estado, pelo papel do Estado, pela missão do Estado, não é só dos anónimos de capuz enfiado ou boné enterrado até às orelhas. É também e bem mais grave dos próprios titulares de cargos públicos. Que não sabem respeitar o verdadeiro lugar (missão) que lhes é confiado(a) – seja por eleição, seja por nomeação. E muito mais quando não sabem (ou não querem) assumir as respetivas responsabilidades. Independentemente das suas qualificações e competências, certificadas ou não por diploma de habilitações literárias ou académicas, reais ou por equivalência.

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