A mentira de Medina

Medina vai a eleições com várias histórias mal contadas no cadastro. A desta semana nem é a pior

Em setembro de 2016, Fernando Medina cancelou as obras planeadas para a Segunda Circular devido a «indícios de conflito de interesses» pelo autor do projeto de pavimentação «ser também fabricante e comercializador de um dos componentes utilizados» – ou assim dizia o atual presidente da Câmara Municipal de Lisboa, em conferência de imprensa. 

Medina sustentava a decisão num relatório do júri da obra que afirmava que o projeto de pavimentação fora «elaborado pela mesma entidade que comercializa, em exclusividade em território nacional, a solução de pavimentação betuminosa» usada no projeto. Abriu-se, então, um inquérito durante o qual o projetista negou sempre as suspeitas, disponibilizando-se para qualquer esclarecimento. 

«Nem em 15 anos a nossa máquina conseguiria fabricar borracha suficiente para fornecer esta obra. Até demos uma lista de outros fornecedores à Câmara», afirmou o projetista, Jorge Sousa, a este jornal. A máquina em questão deverá ter uma dimensão semelhante à do frigorífico que o meu caro leitor guarda na cozinha.

«A máquina deles [da empresa de Jorge Sousa] produz apenas cinquenta quilos por hora. A nossa tem que produzir uma tonelada de borracha por hora para fornecer projetos destes [como o da Segunda Circular]», esclareceu, também a este jornal, Miguel Coll, dirigente de uma das empresas que Jorge Sousa sugeriu ao município lisboeta, a Valoriza. 

«Conheço muito bem o laboratório deles, mas a sua capacidade, ao lado de uma estrutura industrial, não é nada. Claro que não poderiam fornecer a borracha para a Segunda Circular», continuou Coll, que já negava que Jorge Sousa tivesse a «exclusividade» de que era acusado. «A Valoriza vende para todo o mundo, incluindo Portugal», concluía, demonstrando que Sousa não detinha o monopólio do componente.

Também em setembro, Fernando Nunes da Silva, que foi vereador de António Costa e é um público adepto da solução de governo que este lidera, veio dizer que a alegação que Fernando Medina lançava sobre o projetista não passava de uma «desculpa» para cancelar a obra da Segunda Circular e evitar o dano eleitoral que o «pandemónio» certamente causaria. Volvidos dez meses, o relatório do inquérito pedido veio a público e deu razão a Nunes da Silva, não conseguindo provar o «conflito de interesses» que Medina evocara para cancelar a empreitada. O  inquérito assume mesmo «não conseguir comprovar, com absoluta certeza, o exclusivo desta empresa quanto ao seu efetivo fornecimento». 

O BE, de quem esta coluna é tudo menos próxima, reagiu dizendo que Medina «enganou os lisboetas». O PAN, com quem esta coluna não partilha mais que a posse de um beagle, chegou «à triste e inaceitável conclusão de que o projetista [Jorge Sousa] nunca terá sido ouvido».

Por isso, quando esta semana o i denunciou Fernando Medina por ter adjudicado mais de 5 milhões de euros à empresa de uma família a quem comprou uma casa de luxo, não se deu grande surpresa. A máscara, como disse Ricardo Robles, já havia caído há muito tempo.