A semente do SOL

Enfrentámos o poder político, fomos perseguidos por Governo e partidos, desafiámos a Justiça. Mas a todos os contratempos o SOL resistiu. Porquê? Porque a semente era forte e vigorosa

OSOL nasceu dentro da barriga do Expresso. Um dia propus a Balsemão a criação, dentro do grupo Impresa, de um semanário concorrente do Expresso.
Na altura, o Expresso não tinha concorrência. O Jornal morrera, o Tempo morrera, O Independente agonizava. Era, pois, natural o aparecimento de um novo semanário, de características diferentes. Assim, antes que outros o criassem, a própria Impresa deveria antecipar-se e aproveitar a oportunidade.
Eu propunha-me ser o diretor do novo jornal, o que tinha a vantagem suplementar de permitir uma renovação da liderança do Expresso, já necessária depois de 22 anos da minha direção. 

FOI ESTA A PROPOSTA que fiz a Balsemão, embora parecesse louca à primeira vista. Que sentido fazia um grupo de comunicação criar um jornal concorrente de um título seu? E que sentido tinha um diretor ir liderar um challenger do jornal que dirigira durante longo tempo? Foi exatamente o que Balsemão pensou, ao dizer-me: «Isso seria dar um tiro no pé… ou um pouco mais acima». 
Perante esta recusa, comuniquei-lhe lealmente que procuraria outros interessados – e assim fiz. Quando o SOL ganhou forma, Balsemão admitiu voltar atrás e participar no novo projeto. Mas era tarde.

DESDE O INÍCIO, não pretendi fazer uma réplica do Expresso. E era esse o espírito da equipa que me acompanhava: o José António Lima, o Mário Ramires, o Vítor Rainho, a Ana Paula Azevedo, a Felícia Cabrita, o Manuel Boto (que não era jornalista mas quis participar connosco no investimento), outros mais. Pretendíamos fazer um jornal diferente: menos institucional, mais leve, mais agressivo, mais irrequieto, mais politicamente incorreto, embora igualmente credível.
11 anos depois, acho que o conseguimos. Estou à vontade para o dizer, pois já não sou diretor do SOL. Agora vejo as coisas de fora. Mas durante estes anos, até hoje, o SOL foi o meio de comunicação que mais e melhores notícias publicou, e mais casos suscitou e desenvolveu: Submarinos, Portucale, Freeport, Face Oculta, Tagus Park, Monte Branco, Operação Marquês, etc.

MOSTRÁMOS ser um jornal ágil, incisivo, inconformado. Enfrentámos o poder político, fomos perseguidos por Governos e partidos, desafiámos a Justiça quando nos sentimos injustiçados. A Impresa tentou estrangular-nos. Neste percurso, perdemos sócios: o BCP, que era o nosso acionista de referência, ficou pelo caminho, em boa parte por razões políticas. Também os investidores angolanos – designadamente a família Madaleno –, que foram decisivos num momento dificílimo, acabaram por sair, parcialmente em consequência dos complicados meandros do poder em Luanda. 

MAS A TODOS os contratempos o SOL resistiu. Porquê? Porque a semente era forte e vigorosa. A planta foi espezinhada várias vezes, mas a raiz sobreviveu e deu sempre novos rebentos. Perdemos alguns ramos que prezávamos: o Essencial (um exemplar guia da semana), a excelente revista Tabu, a Cubo, sobre arquitetura, e a Gingko, sobre ambiente – estas duas de periodicidade mensal –, a originalíssima Agenda Anual. 
E além dos trabalhos jornalísticos tivemos outras iniciativas que nos orgulharam. O notável estudo Portugal: Desafios nos Alvores do Século XXI, que encomendámos a Ernâni Lopes (SAeR) e deu origem a vários livros e conferências, os Clássicos da Literatura Portuguesa Contados às Crianças por escritores atuais, os álbuns de Memórias de José Hermano Saraiva e de Maria Barroso.  

SE TIVÉSSEMOS mantido os acionistas iniciais, como conseguimos manter no essencial a equipa editorial fundadora, o SOL estaria hoje provavelmente na liderança da imprensa portuguesa.
Mesmo assim temos, em muitas semanas, a convicção de liderar – em termos de qualidade da informação publicada e da influência política.
Sendo um semanário generalista, o SOL será sempre um jornal que pretende ser influente politicamente. Influente mas apartidário: o espírito que animou esta equipa foi sempre de feroz independência dos partidos, dos políticos e das instituições. Independência que nos prejudicou em certos momentos – mas independência, também, que nos mantém vivos.