Prisões. Prende-se de mais em portugal?

O debate foi reaberto pelo presidente do Supremo Tribunal de Justiça, que considera que o país tem demasiados reclusos e penas longas. Reponsável pelos Serviços Prisionais concorda e diz que tem tentado mudar o cenário.

Como é que o terceiro país mais pacífico do mundo tem das taxas mais elevadas de reclusos por 100 mil habitantes e dos maiores tempos de permanência na prisão entre os países europeus?

O paradoxo foi recentemente denunciado pelo Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, Henriques Gaspar. Já o tinha feito antes, mas desta vez falava para 18 novos juízes, que tomaram posse na semana passada, incitando-os a refletirem sobre essa realidade e pedindo-lhes «menos presos». Insólito? Talvez não. O diretor-geral de Reinserção e Serviços Prisionais, Celso Manata, também já alertou para o mesmo. Ao SOL, o responsável defende, por exemplo, que o princípio de liberdade condicional devia ser mais vezes aplicado. E diz que há condenações que não têm em conta o contexto do indivíduo.

Os números

Portugal está acima da taxa média europeia de presos por 100 mil habitantes – fixada nos 115.7 – à frente de países como a Alemanha e França e dos companheiros sul-europeus Itália e Grécia, diz o último relatório do Conselho da Europa com dados dos 47 Estados-membros. O documento vai no mesmo sentido das declarações do presidente do Supremo Tribunal sobre o tempo de prisão. Se nas penas mais baixas, até três anos, Portugal está na média europeia no número de reclusos, o mesmo não acontece nas penas superiores (entre três e 20 anos), onde o país já está acima da média. Entre os reclusos a cumprir penas entre cinco e menos de dez anos, a diferença é mais vincada: 36,4% dos presos do país estão nesta situação quando a média europeia é de 21,8%.

Quanto à criminalidade, os dados do último Relatório Anual de Segurança Interna, de 2016, dizem que Portugal tem vindo a reduzir desde 2008 os crimes participados. A criminalidade violenta e grave baixou 32% neste período.

Onde está o problema?

Feito o retrato, o diagnóstico tem diferentes variáveis. Para Pedro Garcia Marques, investigador de Direito Penal, o problema do excessivo número de reclusos não está na legislação. «O legislador tem previsto uma lista cada vez maior e mais generosa» de medidas alternativas à prisão, explicando que têm sido definidas para casos em que ainda não houve condenação, de forma a substituir as medidas de coação mais graves, como a prisão preventiva. É o caso da prisão domiciliária com pulseira eletrónica. O problema, refere o especialista, é que nem sempre as medidas podem ser aplicadas por falta de condições. O problema tem muito que ver com circunstâncias sociais dos indivíduos. É o caso de pessoas que sofrem de «uma exclusão social efetiva», exemplifica o investigador, que não têm uma rede familiar que lhes permita indicar uma morada válida. Também os reclusos estrangeiros, que «são pessoas totalmente desenraizadas», estão entre estes casos elucida o investigador.

Este cenário reflete-se nas estatísticas: em 2016, num universo total de 13.799 reclusos, 2.295 eram estrangeiros. Uma fatia de 16,6%, quando se estima que os estrangeiros a residirem em Portugal representam 3,8% da população.

Para Vítor Ilharco, secretário-geral da Associação Portuguesa de Apoio ao Recluso, o problema também não está na lei, mas no facto de o Tribunal de Execução de Penas «não funcionar». É neste tribunal que se decide tudo o que se relaciona com o cumprimento de uma pena e Ilharco concretiza. Imagine-se um condenado a 12 anos, ao fim de um quarto da pena – três anos –, devia poder passar dois dias em casa e depois apresentar-se novamente na prisão. Caso o seu comportamento tivesse sido bom, três meses depois podia voltar a casa por dois dias e, tendo continuado bom, três meses mais tarde passaria outros três dias em casa. Assim sucessivamente, até ter cumprido metade da pena. Nessa altura, deveria ser-lhe dada a liberdade condicional, que corresponderia aos restantes seis anos.

Se, ao longo desses seis anos, o recluso cometesse algum delito pelo qual fosse condenado, antes de cumprir a nova pena teria de cumprir os seis anos da anterior e só depois começaria a cumprir a nova. Isso, defende Ilharco, «era uma espada que ficava sobre a cabeça» do recluso, a prevenir a reincidência.

Mas nada disto, previsto na lei, acontece na prática, alerta, acusando os tribunais de execução de penas de uma «absoluta» inércia e incapacidade. «Não dão nenhuma saída precária antes do meio da pena, quando os reclusos deviam sair em liberdade condicional. E não dão liberdade condicional antes de dois terços da pena», diz.

Prisões sobrelotadas, mas com projetos de valorização

O resultado são prisões sobrelotadas, problema que Celso Manata, diretor da Direção-Geral de Reinserção e Serviços Prisionais (DGRSP), conhece bem. «A liberdade condicional não está a ser aplicada com todas as possibilidades que a lei permite, ou seja, a maioria das pessoas que estão presas saem em fim de pena e não em liberdade condicional», diz o responsável. As repercussões vão além da vida do próprio recluso. «Há maior probabilidade de as coisas funcionarem bem» em casos em que é aplicada a liberdade condicional.

Para Manata, parte do problema está, também, na atuação dos tribunais, mas às vezes logo na condenação. O diretor confessa não serem poucas as vezes que encontra situações em que tem dificuldade em perceber por que é que determinadas pessoas foram presas. «Ainda este mês tivemos um caso de um indivíduo que faleceu numa prisão onde tinha entrado há cerca de um mês com problemas de saúde gravíssimos. Entrou na cadeia para morrer».

No entanto, não concorda com a associação do problema à atuação dos tribunais, lembrando que a DGRSP também tem responsabilidades. Além disso, é necessário que os magistrados tenham a «mentalidade de não usar tanto a prisão como têm usado», remata.

Ainda assim, a DGRSP tem vindo a implementar algumas medidas para rentabilizar melhor o tempo na prisão, como a valorização profissional dos reclusos. Mas não só. Uma vez que existe um número considerável de presos por condução sem habilitação legal, um dos projetos mais recentes foi um protocolo com o ACP para ajudar os presos a passarem no exame de código.

Liberdade condicional «não é um direito»

Manuela Paupério, da Associação Sindical dos Juízes Portugueses, considera simplista reduzir o problema aos tribunais e propõe outra reflexão que poderia explicar o paradoxo inicial. «Se o nosso país é seguro e tem uma taxa de reclusão alta, se calhar é seguro porque as pessoas que estão reclusas não deviam estar cá fora».

A magistrada lembra que «a liberdade condicional não é um direito». Diz não ter uma explicação para os números, mas não duvida da boa aplicação da lei por parte dos juízes, «que só prendem as pessoas que entendem dever prender». Já a falta de meios é outra questão. Paupério desafia a uma análise das «condições que, por exemplo, os juízes dos tribunais de execução de penas têm para trabalhar».

Manuela Paupério sublinha também o efeito ressocializador que as penas devem ter e deixa uma pergunta – a título pessoal e não como presidente da Associação Sindical dos Juízes Portugueses: qual a eficácia ressocializadora «de uma pena que põe as pessoas em casa e que as deixa sair para trabalhar todos os dias e regressar à noite?».

* Texto editado por Marta F. Reis