O regresso dos federalistas

Por essa Europa fora, não é difícil antever que muitas sobrancelhas se tenham franzido ao ouvir as ideias de Juncker

O processo de decisão política em Bruxelas é normalmente longo, muitas vezes penoso e quase sempre disputado. Quem faz os discursos para o presidente da Comissão Europeia sofre exatamente dos mesmos males.  

Jean-Claude Juncker deu esta semana o seu discurso anual do Estado da União. Durante aqueles 70 minutos, enquanto o europeísmo regressava da tumba para onde o remeteram em 2016, recordei uma conversa com antigo speechwriter da Comissão Barroso.   

Dizia ele que os inquilinos do Berlaymont têm um enorme problema quando falam ao povo europeu. Em primeiro lugar, não há um povo europeu. Não há uma audiência mas sim 27 audiências distintas. Juncker a falar em inglês, francês e alemão durante uma intervenção até poder ser prova do cosmopolitismo e da diversidade europeia. Mas também resume um problema de comunicação claro: fazer chegar a mensagem a uma audiência caleidoscópica. 

Em segundo lugar há um problema de legitimidade. A Comissão tem uma legitimidade democrática diferida. De Lisboa à Finlândia, de «Vigo a Varna», os cidadãos europeus sabem que ninguém fala em nome da Europa. Legitimidade também é poder. E na UE o poder está partido. Na ausência de um único poder executivo, vigoroso e independente, os cidadãos sabem que qualquer visão prometida pelo líder da Comissão dependerá sempre da vontade de terceiros. Isso retira força ao que se diz.

Em terceiro lugar há o problema do consenso. Entre ser amado ou temido, um presidente da Comissão (como qualquer político) normalmente escolhe a primeira. O problema é que o amor não é unilateral. E se tantas vezes é complicado a dois, imagine-se a 27. A sobrevivência do político encontra-se a meio da ponte. Isso explica que, tantas vezes, os discursos europeus sejam chatos e desinteressantes. Dizendo tudo a todos, não dizem nada a ninguém. 

Olhando para estes três desafios, é curioso como os desafios retóricos são um espelho dos desafios políticos. E desse ponto de vista, o discurso de Juncker foi surpreendente – não pela forma pouco apaixonada como foi dito – pela ambição que apresentou. 

Juncker mostrou aos europeus os seus problemas. E apresentou-se como o homem certo para os revolver. Com uma visão. 
Juncker enfrentou o problema da legitimidade e do poder propondo a fusão das presidências do Conselho e da Comissão num posto único – «A Europa seria mais fácil de entender se o navio tivesse um único capitão», disse. 

Tal proposta abrirá uma batalha institucional. Mas Juncker mandou os consensos para lá dos Urais. Numa série de iniciativas que marcam o regresso das pulsões centralistas e federalistas, o luxemburguês quer uma União com um só presidente e, de caminho, com um único ministro das finanças. Quer uma Europa a uma só velocidade, com mais soberania para Bruxelas e menos para os 27, com menos exigência de unanimidade e mais recurso às maiorias no processo de tomada de decisão. Com Schengen e união bancária para todos. Quer uma Europa com uma só moeda, somando aos 19 da zona euro aos oito que se ficaram pela adesão clube europeu. E quer uma Europa maior: sem Londres (uma certeza) nem Istambul (uma probabilidade), mas estendida aos Balcãs orientais. 

Por essa Europa fora, não é difícil antever que muitas sobrancelhas se tenham franzido ao ouvir as ideias do veterano eurocrata.  
«Trabalhei e dediquei toda a minha vida ao projeto europeu», disse Juncker como quem sugere que o tempo agora é de retribuição. 
À entrada dos últimos dois anos de mandato, vai a Europa dedicar algum tempo às ideias de Juncker? 
Depois das eleições alemãs, logo se vê.