Aterrar ‘de barriga’…

O objetivo de fazer um aeroporto internacional em Coimbra pode tornar-se um caso muito sério

Asíndrome da irresponsabilidade constitui um dos traços mais preocupantes deste novo tempo mascarado de abastança, paredes-meias com um sentimento de impunidade que grassa na sociedade portuguesa – ao qual não é estranho o mau exemplo de alguns representantes eleitos, que atuam, amiúde, como se não tivessem contas a prestar dos seus atos. 

Sobejam os exemplos, de norte a sul, de esbanjamento de dinheiros públicos em dispendiosos equipamentos – desportivos e culturais –, nalguns casos, fechados e ao abandono, que têm servido para envaidecer autarcas e captar votos, alimentando rivalidades locais.

Mas não se ficam por aqui. Um dos fétiches do poder local são os aeroportos. O de Beja, é um dos mais chocantes, que mereceu, à época de Sócrates primeiro-ministro, os mais ardorosos panegíricos dos autarcas comunistas, patrocinados pelos ministros socialistas das Obras Públicas. 

Sabe-se no que deu. De acordo com as estatísticas de transporte publicadas pelo INE, no primeiro trimestre deste ano passaram pelo aeroporto de Beja 298 passageiros em voos comerciais!… 
Recorde-se que as ‘Orientações Estratégicas para o Sistema Aeroportuário Português’, apresentadas em julho de 2006 pelo então ministro Mário Lino, previam que o aeroporto de Beja movimentasse, em 2015, cerca de meio milhão de passageiros. Viu-se.

A infraestrutura erguida com este ‘irrelevante’ erro de cálculo custou 33 milhões de euros aos cofres públicos, fora os encargos com a manutenção permanente e o pessoal afeto, desde que foi inaugurada. 

O sucessor de Lino foi António Mendonça que, ainda em 2011, por altura do primeiro voo simbólico para Cabo Verde, afiançava, sem corar, que o novo aeroporto iria ter «um impacto muito positivo na economia da região».

O impacto na economia da região foi obviamente nulo. Em contrapartida, o rombo nos cofres do Estado foi de monta. 
Inaugurado a 13 de abril de 2011, o aeroporto de Beja continua às moscas, servindo de parqueamento para alguns aviões… e pouco mais. Sócrates, Lino, Mendonça e os autarcas comunistas de Beja emudeceram, e fingem não ter nada a ver com este desastroso investimento, que sobra para os contribuintes. 

Apesar do escândalo em Beja, eis que António Costa apareceu, de sorriso largo, em Coimbra, apadrinhando na 1.ª fila outra utopia, lançada pelo (re)candidato autárquico socialista Manuel Machado, ao defender, todo ufano, que «a promessa mãe de todas as promessas» é liderar «a transformação do aeródromo de Coimbra – o Aeródromo Municipal Bissaya Barreto, em Cernache – num aeroporto civil comercial». 

Se Machado ganhar Coimbra – e Costa continuar em São Bento –, este rasgo megalómano do autarca pode tornar-se um assunto sério. 

A ‘mãe de todas as promessas’ de Machado, para transformar Cernache num aeroporto ‘internacional’, surge como se as companhias de low cost não tivessem melhores alternativas…  e os peregrinos de Fátima rezassem para aterrar a 57 quilómetros do Santuário.
Veremos se Costa imita Sócrates e ‘aterra de barriga’ em Coimbra, repetindo a asneira de Beja. O que espanta é o à-vontade com que autarcas e governantes se propõem gastar ‘à tripa-forra’ em obras de fachada. O PS no poder não tem emenda.

Nota perplexa 1: O ministro da Defesa, Azeredo Lopes, que continua em funções – apesar das trapalhadas de Tancos – fez uma declaração inconcebível ao DN: «Não sei se alguém entrou em Tancos. No limite, pode não ter havido furto». 
Esta ignorância, dois meses depois do desaparecimento do material de guerra (que o próprio considerou «grave»), é vergonhosa, vinda de um governante que tem a tutela de um setor sensível. Tancos é uma nódoa para o Exército. E para o Governo. 
Tancos e Pedrógão Grande fragilizam o Estado. E afrontam o Presidente da República que, repetidamente, tem exigido o apuramento de responsabilidades «doa a quem doer».

Nota perplexa 2: O atual presidente da Câmara de Lisboa e candidato pelo PS a outro mandato adquiriu um apartamento nas Avenidas Novas do qual só comunicou ao Tribunal Constitucional o valor do sinal pago, não corrigindo mais tarde a declaração pela importância global. 

A casa foi vendida por uma herdeira da família Teixeira Duarte, que controla a empresa do mesmo nome, contemplada com uma controversa obra de estabilização do miradouro de São Pedro de Alcântara, por ajuste direto (de 5,2 milhões de euros), defendido por Medina, invocando uma urgência sem suporte nos pareceres do LNEC. 

Adicionalmente, o apartamento em causa – segundo consultas feitas por vários meios de comunicação – terá sido transacionado abaixo do valor de mercado naquela zona. É tudo normal pelos vistos. E ninguém se interroga sobre as coincidências e a bondade do negócio?…