Trump não afundou as relações cubanas. Pode um misterioso ataque acústico fazê-lo?

Washington está a avaliar se volta a encerrar a sua embaixada em Havana. “É um assunto muito grave”, diz Rex Tillerson.

Ninguém sabe ao certo o que aconteceu ou quem está por detrás do sucedido, mas a reaproximação entre os Estados Unidos e Cuba ao fim de 50 anos de relações congeladas pode estar em risco por causa dos misteriosos ferimentos observados em responsáveis americanos destacados para a embaixada de Havana.

Algumas das lesões são tão graves que o governo de Donald Trump está por estes dias a avaliar o encerramento da embaixada americana em Cuba, a mesma que reabriu há apenas dois anos no âmbito do processo de normalização dos contactos comerciais e diplomáticos entre os velhos rivais da Guerra Fria, iniciado por Barack Obama.

“Estamos a avaliá-lo”, disse na noite portuguesa de domingo o secretário de Estado, Rex Tillerson, questionado sobre se o governo americano pode vir a encerrar o grande centro de representação americana na capital cubana, ouvindo, por exemplo, algumas vozes conservadoras que o defendem. 

“É um assunto muito grave, tendo em conta os ferimentos que certos indíviduos sofreram”, prosseguiu o chefe da diplomacia americana, que, em todo o caso, parece hoje distante dos círculos íntimos de Trump. "Trouxémos algumas dessas pessoas para casa. O resto está sob revisão.”

Sintomas mistério

Muito do que sucedeu está envolto em mistério, mas, em finais do outono passado, vários funcionários na embaixada americana em Cuba começaram a demonstrar sintomas que pareciam estar ligados, como, por exemplo, perda de audição, dores profundas de cabeça, traumas e inchaços cerebrais, assim como perda de equilíbrio.

Os responsáveis feridos – 21, de acordo com o mais recente cálculo realizado em agosto – contaram à Associated Press que, em alguns escritórios da embaixada de Havana, ou mesmo em determinadas zonas de suas habitações, se sentiam em dados momentos como que sob poderosos feixes de som.

A natureza das queixas e dos sintomas levaram as autoridades americanas a concluir que os funcionários americanos foram expostos a uma sofisticada arma ultrassónica – que pode ter disparado frequências fora do alcance do ouvido humano – ou, então, que ficaram feridos com uma operação de espionagem mal calculada.

Está tudo em aberto para os serviços de espionagem americanos e, por isso, não é provável que o governo de Donald Trump tome decisões radicais em breve. Mas as relações entre Hava e Washington são frágeis, sobretudo sob um líder americano que vem prometendo castigar a dinastia dos Castro.

A hipótese de uma operação de espionagem com consequências imprevistas ganhou terreno nas últimas semanas. Os sintomas começaram a surgir pela altura da eleição de Trump, por volta de novembro, o que se entende como um incentivo para iniciar programas confidenciais de vigilância a responsáveis americanos.

A teoria ganhou ainda mais força este fim de semana através de um relato da Associated Press, avançando que o Departamento de Estado dos EUA acredita que o próprio Raúl Castro foi tão apanhado de surpresa pelos ferimentos como os próprios responsáveis em Washington.

Para além disso, alguns diplomatas canadianos demonstraram igualmente ferimentos, embora não tão graves como os que contraíram os americanos, alguns dos quais podem ter perdido a audição para sempre. Mas Havana tem boas relações com o Canadá e não parece ter incentivos para atacar os seus funcionários com armas de ultra-som.

Inversão das políticas

De tal forma Raúl Castro parece ter sido apanhado de surpresa que recentemente o líder cubano autorizou o FBI a deslocar-se ao país para investigar autonomamente o sucedido. O sinal de abertura é raro e desloca algumas suspeições do governo de Havana, que, aliás, só tem a perder com um novo afastamento americano.

Donald Trump já anulou algumas das políticas de abertura a Havana aprovadas por Obama – dificultou as viagens e o investimento, por exemplo –, mas até agora ficou aquém do que prometeu na campanha e que consistia em cancelar por completo o reatar das ligações comerciais e diplomáticas lançadas pelo seu antecessor.

Voltar a encerrar a embaixada dos EUA em Cuba ao fim de apenas dois anos em funcionamento seria um golpe duro na relação entre os dois países e pode ter consequências imprevistas para um reatamento que, nos últimos três anos, parece ter obtido algum consenso entre o público americano. 

Tillerson tem uma outra manobra radical à disposição, caso aceite o pedido enviado na semana passada por cinco congressistas republicanos, pedindo que os Estados Unidos expulsem todo o pessoal diplomático cubano no país, declarando-os persona non grata, como um passo de alerta antes de encerrar a embaixada em Havana.