Temos eleições

Para os mais novos, a esperança morre à nascença. Tarde de mais, descobriram que o facilitismo na escola foi um embuste, que só serviu a preguiça dos professores-mercenários. Quem não teve de se esforçar para passar de ano está, agora, numa terra de ninguém, onde todas portas se fecham

António Sérgio, figura proeminente da oposição a Salazar, apontava frequentemente a ‘ignorância’ como a principal doença que amolecia o povo e explicava a falta de reação contra um regime opressor. Acusava o Estado Novo de negar as escolas, a informação e os saberes que poderiam ajudar os mais pobres a sair do obscurantismo, preferindo o analfabetismo, que tornava dispensável o voto: quem não sabe, não pode votar. E assim se viveu até 1974.

No final da vida, Sérgio acrescentou outro ‘i’, o da ‘inveja’, como causa dos males da Pátria.

A inveja, dizia, é inimiga da iniciativa e do trabalho. Um trabalhador que topa outro com uma camisa lavada atribui-a aos padrinhos, às cunhas, às influências, à sorte ou, quem sabe, à desonestidade. Em parte era assim, mas o povo alimentava o vício: as cunhas eram más, mas todos procuravam uma, a sua, a legítima, desde que garantisse o lugar, a nomeação ou a promoção para o filho. O mal ganhou raízes. Da mais remota freguesia ao Governo central, da mercearia da aldeia à empresa cotada no PSI 20, há as cunhas criticáveis, as dos outros, e as outras…

Prevalece a ideia de que o talento e o trabalho servem de pouco se não estiverem estribados nas ‘boas relações’ – que residem agora nas ‘Jotas’, no carreirismo e no tráfico de influências que pulula nos corredores do poder, na Maçonaria, nas redações dos jornais e numa multiplicidade de alianças de compadrio. Vamos a Eça e ficamos esclarecidos: nada mudou, apenas os novos caciques usam as redes sociais, e as ‘chapeladas’ já não se fazem às escâncaras.  

Para os mais novos, a esperança morre à nascença. Tarde de mais, descobriram que o facilitismo na escola foi um embuste, que só serviu a preguiça dos professores-mercenários. Quem não teve de se esforçar para passar de ano está, agora, numa terra de ninguém, onde todas portas se fecham. Tem em casa um diploma sem préstimo e desespera no envio de CV’s, às dezenas, que se somem no vazio. A vida real está a léguas das diversões do Facebook e dos videojogos, que prolongaram o entretenimento e a distração para além do razoável.

Nas redes sociais ferve a crítica, feita de um ódio novo, que está a um passo da violência – por enquanto restrita às claques da bola. Desiludidos da vida procuram abrigo no discurso radical das extremas… ou desligam! Vamos ao Portugal profundo e a fotografia é outra, mas não menos preocupante: uma população envelhecida vota em primos e vizinhos que se revezam nos executivos, ou encontra no frio, ou no calor, o álibi para não votar.

As campanhas eleitorais são de uma indigência que insulta, traduzida em lutas de cromos para encher debates televisivos. Entretanto, o correio eletrónico brinda-nos com dezenas de fotos de outdoors toscos, que nos fazem participar na comédia. E nem nos damos conta de que é a democracia que está a ser posta a ridículo.

É o fim? Não será, mas convém pensar no assunto. Uma coisa é certa: não é nas ‘universidades de Verão’ que se cura o défice de ignorância. Quando muito, concorrem para aumentar o índice de inveja.