«Não sou esquisito! Gosto de todo o tipo de mulheres bonitas»

Esta afirmação, muito curiosa, cobre uma das paredes de uma antiga cabine telefónica no centro do Porto. Decorada de forma chamativa, tem esta inscrição num dos lados.

E quem afirmou isto não está só. Muitos homens há que declaram o mesmo: «Não sou esquisito! Gosto de todo o tipo de mulheres bonitas.» Trata-se, pois, simultaneamente, de uma afirmação irónica e da constatação de uma verdade. Homens há que não se importam com a totalidade / unicidade da beleza das mulheres, com a articulação entre o seu interior, a sua maneira de ser, a personalidade e a beleza exterior, a cor dos olhos, a estrutura do corpo, a forma como se veste.

Há ainda quem, em última instância, goste de todo o tipo de mulheres, bonitas ou não.

Mas a frase escrita na cabine telefónica identifica logo, como grupo-alvo, todas as mulheres bonitas, todas as mulheres que, por algum motivo, se distinguem pela beleza – seja pela beleza do rosto ou do corpo, seja pela beleza de algum pormenor do aspeto físico. Enfim, a frase diferencia as mulheres cuja beleza é alvo dos mais rasgados elogios ou dos mais belos poemas, como é o caso da «amada» a quem se dirige José Luís Peixoto: «estás dentro de algo que está dentro de todas as / coisas, a minha voz nomeia-te para descrever / a beleza. // os teus cabelos, a testa, os olhos, o nariz, os lábios. / de encontro ao silêncio, dentro do mundo, / estás tão bonita é aquilo que quero dizer.»

E esta restrição do grupo de mulheres às mulheres belas leva-nos a uma questão que poderá suscitar alguma reflexão: a beleza das mulheres e a sua utilização nos meios publicitários, como culto da beleza-padrão. Porque é necessário colocar uma mulher bonita ao lado de um carro para tentar vender o carro? Ou, para vender uma máquina de barbear, porque é preciso colocar uma mulher bonita a acariciar o rosto barbeado do homem? Ou por que motivo, para vender um seguro, é obrigatório ver-se a imagem de uma mulher bonita a garantir os benefícios do seguro?

Estudos há que comprovam que a presença de mulheres bonitas em publicidade é muito eficaz, mesmo para vender produtos que se destinam às mulheres, como por exemplo, uma mulher bonita, com belos cabelos, convence qualquer outra mulher de que aquele champô ou aquela tinta de cabelo a tornam muito mais bonita, com uma pele radiosa, mais magra; de que a tornam, enfim, como diz Florbela Espanca, «a moça mais linda do povoado». Porém, aquilo em que muitas pessoas não pensam (ou preferem ignorar) é que aquelas mulheres (modelos ou atrizes) já eram bonitas antes de usarem aqueles produtos e, portanto, não foram os produtos publicitados a torná-las mais belas.

Atualmente, tornou-se também comum a utilização de homens bonitos e com um corpo musculado para vender produtos destinados a mulheres. Trata-se, tanto na exposição do corpo feminino como do corpo masculino, do recurso a estereótipos, estabelecendo padrões estéticos, e utilizando o corpo humano para vender produtos que não se destinam ao corpo, como é o caso de detergentes para lavar a roupa… E tal deve-se sobretudo ao facto de, como defende David Le Breton, o indivíduo, na sociedade contemporânea, pensar o corpo como simples suporte e veículo da pessoa, algo que anda, respira e pensa, e não como parte integrante da pessoa – um corpo-objeto desumanizado. Trata-se, na realidade, do aproveitamento da vaidade e do narcisismo das pessoas para, de forma subjetiva e emocional, levar ao aumento de consumo, aumentando, assim, também, o sentimento de poder social de que os consumidores beneficiam. Supostamente, ao comprarem determinados produtos tornam-se mais belos, mais jovens, mais ricos, mais bem-sucedidos… Não é habitual ver-se em publicidade corpos menos belos, com imperfeições, doenças ou qualquer outro tipo de «falhas».

Ora, os consumidores não deveriam deixar-se enganar pelos truques que apelam à sua vontade de melhorar a sua aparência e de se tornarem mais magros, mais elegantes, mais saudáveis, mais belos. Mas não. Preferimos ser enganados, porque preferimos uma certeza, mesmo que não seja verdadeira, do que uma incerteza qualquer.

Mas há, por vezes, incertezas que nos levam mais longe. Há a incerteza deliciosa.

 

Escrito em parceria com o blogue da Letrário, Translation Services