Alzheimer. Quando uma foca robô também é uma arma contra a doença

Mais de 80 peritos discutem esta semana, na Fundação Champalimaud, os avanços na investigação e tratamento da doença. A cura tem tardado, mas as terapias não farmacológicas também dão cartas.  É o caso das experiências de socialização e reabilitação com a ajuda de animais – reais e mecânicos

Chega a temer-se uma batalha em pleno palco do auditório da Fundação Champalimaud, em Lisboa. Takanori Shibata, engenheiro japonês de 50 anos, acaba de apresentar de forma entusiasta o projeto de uma vida – um robô terapêutico neurológico, na forma de uma foca bebé de pelo branco e macio. Eis quando se segue a apresentação de Elisa Pérez Redondo, do Centro de Referência para o Tratamento de Alzheimer em Espanha. Nesta unidade especializada, têm sido usados cachorros (verdadeiros) nas sessões com doentes de Alzheimer, mas o intuito é o mesmo: ajudar a minorar ansiedade e agitação, obter concentração e estimular comportamentos prosociais. 

Recuperar funções cognitivas seria outra meta, mas quanto a isso não há resultados duráveis em nenhum dos projetos. Elisa garante, ainda assim, que o programa de intervenção assistida com cães, comparado com o uso da foca Paro, tem melhores resultados. E mostra os resultados da experiência com Pipo, um desses cachorrinhos que tem devolvido sorrisos aos doentes e familiares com quem interage, mas também parece proporcionar melhores resultados de sessões de fisioterapia, por exemplo ganhos posturais. 

Takanori não desmobiliza: ninguém resiste à foca bebé, que durante o painel acaba por encontrar lugar no colo da moderadora. Os sons que emite foram registados nas Ilhas Madalena, no Canadá. “Tive de apanhar quatro voos para lá chegar”, contou ao i Takanori Shibata. Tem sensores no pelo e nos bigodes e reage à voz. 

Nos últimos anos, chegou a 3000 utilizadores no Japão e a Dinamarca, que adotou a Paro em 2009, tem 300 exemplares, já disponíveis em 80% dos municípios. Ao todo estão presentes em 30 países, com metade dos robôs a serem usados em instituições como hospitais e centros de dia, em demências mas também autismo. Custa 6000 euros, revela Takanori Shibata, com garantia de dez anos. Em alguns estudos feitos com utilizadores, chega a diminuir a toma de medicação ansiolítica em 30%. 

Como o resultado sugere, e duelos à parte, o tema é sério: depois de 30 anos de avanços na investigação da doença de Alzheimer, cujo dia mundial se assinala amanhã, tardam em chegar medicamentos capazes de alterar o curso da doença – entre 2002 e 2012, apenas 0,4% dos ensaios clínicos revelaram resultados eficazes. As terapias não-farmacológicas, tema deste painel que teve lugar ontem na “Alzheimer’s Global Summit”, são por isso uma aposta central na abordagem à doença que afeta 50 milhões de pessoas no mundo. 

Outro eixo de intervenção neste debate é a estimulação cognitiva: sessões de tratamento com atividades com a categoriação de objetos, jogos de números e cores, memorização, que permitem recuperar algumas funções. O princípio, resume Aimee Spector, investigadora do Reino Unido, é basilar nas neurociências: “use the brain or lose it” – o treino parece ser vital no processamento cognitivo. 

E há ganhos concretos: a especialista cita um estudo feito em Inglaterra em 2011, uma avaliação económica do uso de alternativas a medicamentos antipsicóticos – o padrão na clínica – para pessoas que vivem com demências. Concluiu que as intervenções ao nível do comportamento, como é o caso destes programas, não só melhoram a qualidade de vida dos doentes como geram poupanças de 61 milhões de euros por ano no país. Sai mais caro do que usar apenas medicação, mas, ao promover um cérebro mais ativo, reduz os custos prevenindo AVC e quedas, consequências das doenças neurodegenerativas.

Dando um salto um pouco maior, por agora um pouco mais longe da prática clínica do dia a dia, Albino Oliveira-Maia, investigador da Fundação Champalimaud, apresentou os estudos que estão a ser feitos na área da neuroestimulação, no caso com campos magnéticos de baixa e elevada intensidade – a chamada estimulação magnética transcraniana repetitiva (rTMS na sigla em inglês). Em combinação com treino cognitivo em simultâneo, os ensaios apontam para resultados mais consistentes e ganhos funcionais nos doentes, que um dia poderão ser uma realidade no tratamento do Alzheimer. 

Hoje em dia estes aparelhos de neuroestimulação que não implicam cirurgia já são usados no tratamento da depressão, mas a perspetiva é que possam ser usados para reabilitar as diferentes zonas do cérebro comprometidas pelas demências.

AVC e demências lado a lado Sobre o futuro, Vladimir Hachinski, neurologista especialista em demências do Canadá, deixaria um apelo no final da sessão: são doenças multifatoriais, por isso é preciso integrar conhecimento. O perito atribui mesmo à crescente especialização médica e científica parte da demora na chegada de soluções mais eficazes para as doenças do cérebro, que começam a dar sinais cerca de seis anos antes do início dos sintomas em pequenas alterações na matéria branca do cérebro – pista que Hachinski diz ser promissora para um diagnóstico precoce.

Para o especialista, um primeiro passo seria as estratégias nacionais passarem a colocar o AVC e as demências no mesmo grupo, visto serem doenças que têm em comum a “desregulação vascular” no cérebro e que estão associadas: ter um AVC duplica o risco de vir a sofrer de demência, por isso prevenir o acidente vascular cerebral também previne demências. Como? Exercício, estilo de vida saudável e “enriquecimento cultural”, o tal uso do cérebro. No Canadá, nas regiões onde o AVC diminuiu, baixou também a incidência de demência, sublinhou. 

Perceber qual é o nível ótimo de tensão arterial – sabendo-se que a hipertensão é um risco – e arranjar formas de retardar o envelhecimento, visto que as demências surgem sobretudo com a idade, foram outras pistas deixadas pelo investigador. E há boas notícias desse campo: a restrição calórica tem dado resultado nas experiências com animais, o que reforça o papel da alimentação. O exercício é, mais uma vez, uma variável. E começam a surgir dados mais fiáveis sobre medicamentos que poderão ter um papel rejuvenescedor, como a metformina, lembrou. Esta substância é usada na diabetes mas já foi considerada uma potencial “pílula da eterna juventude”, podendo vir, um dia, a adiar o início de processos neurodegenerativos. 

O debate prossegue na Fundação Champalimaud até sexta-feira. Amanhã, o Dia Mundial da Doença de Alzheimer será assinalado com palestras científicas e um concerto de Rodrigo Leão, pelas 18h30.