Sónia Paixão. Não haveria André Ventura se não tivesse havido Bernardino Soares

A candidata do PS em Loures reivindica o bom trabalho de 2009 a 2013

Lamenta que a discussão, em Loures, tenha sido este ano mais mediática que programática?

Sim, mas creio que ainda vamos a tempo de inverter essa tendência e darmo-nos a conhecer com os projetos que cada um defende para o concelho. Estou certa de que a candidatura do Partido Socialista é aquela que apresenta um melhor programa.

Porquê?

Porque é aquela que reflete as necessidades reais dos lourenses. E que reflete também o contributo de muitas – mesmo muitas – pessoas que ao longo deste tempo escutámos: pessoas que residem em Loures, trabalham em Loures, estudam em Loures. Auscultámos os diferentes quadrantes da sociedade e os seus contributos foram muito válidos para a concretização do nosso programa. 

Acredita que, se a discussão tiver mais a ver com as propostas em concreto, a candidatura do PS sobressairá. 

Claro que sim.

E que propostas destacaria?

O nosso programa assenta sobretudo em dois compromissos: o primeiro é a valorização do território, potenciá-lo, captar investimento, atrair mais pessoas; o segundo compromisso é a melhoria da qualidade de vida de quem cá reside. 

Que é uma pasta sua já há algum tempo em Loures…

Sim, a melhoria da qualidade de vida tem vários eixos. É um grande desígnio. Eu tive responsabilidades entre o mandato autárquico de 2009 a 2013 em alguns desses eixos e destaco aí a ação social. Foi uma área em que nos últimos quatro anos [governação de Bernardino Soares] assistimos a um claro desinvestimento. 

O atual executivo camarário justifica o desinvestimento com o endividamento que o Partido Socialista lhe deixou…

De maneira nenhuma. Este desinvestimento na intervenção social deve-se ao facto de simplesmente não ser uma aposta do atual executivo. Não é uma primeira aposta de Bernardino Soares. Quando lhe falo em respostas sociais, falo no apoio que demos ao terceiro setor, a instituições de solidariedade social, que são aquelas que devem caminhar lado a lado com as autarquias locais. 

E isso, para si, foi desvalorizado?

Foi claramente desvalorizado. Repare que nós, antes, conseguimos construir 11 equipamentos sociais. Tínhamos também a mais-valia de um governo socialista que criou um programa de alargamento da rede de equipamentos, entretanto votado ao abandono… Se fizéssemos um contraponto entre o investimento total deste executivo camarário nesse domínio e aquele que está a investir em publicidade, é cinco vezes maior a despesa em propaganda ou publicidade – só neste orçamento de 2017…

Houve um investimento no mais supérfluo e não no mais importante?

Houve, como lhe disse, um maior investimento em publicidade do que na melhoria da qualidade de vida das pessoas. Foi um executivo que falhou. Que fez agora recentemente umas obras de fachada nos centros urbanos de Loures – Moscavide e Camarate – que têm múltiplos efeitos negativos na vida de quem cá reside e de quem passa por cá. Na Rua da República, pelo final do dia, demora-se uma eternidade a conseguir percorrer uns metros. É evidente que a circulação rodoviária foi prejudicada porque se trata de uma obra que não foi devidamente pensada. Em Moscavide, esta suposta requalificação tirou 90 lugares de estacionamento numa localidade que já tinha um défice de estacionamento de perto de 300 lugares. Nós, PS, deixámos um projeto para a criação de um parque de estacionamento mas, infelizmente, não foi feito.

Entre as várias críticas que tem dirigido ao candidato do PSD (André Ventura), tem deixado também claro que a candidatura do PS se assume como alternativa ao atual presidente de câmara, do PCP. Quando diz que o mandato de Bernardino Soares fracassou, pergunto-lhe: fracassou de tal modo que não se sentará à mesa com ele depois das eleições?

Neste momento estou focada no nosso objetivo: as eleições de dia 1 de outubro e vencer a Câmara de Loures. Tudo aquilo que sejam conjunturas pós-ato eleitoral, que é um ato soberano do povo, deixaremos para depois deste. 

Assumindo como ponto prévio que venceria a eleição, preferiria não trabalhar – isto é, não ter um acordo de governação – com ninguém? 

Já o dissemos claramente. Acordos com o PSD de André Ventura não faremos. 

Certo. Eu aí tenho de perguntar-lhe – e a entrevista nem é minha -, mas o facto é que a frase (“André Ventura daria um bom vereador”) está lá. 

A frase foi mal interpretada, como já tive oportunidade de esclarecer. Há um interregno entre uma conversa anterior e essa afirmação, que fiz com ironia. Talvez por mea culpa, não tenha sido bem entendida. 

Se eu fosse um eleitor socialista em Loures, acharia algo contrastante que a Sónia Paixão acusasse um candidato de “racismo” e, um mês depois, o considerasse “bom vereador”. 

Entendo a sua questão, mas estou convicta de que os meus camaradas entenderam aquilo que eu queria dizer. Sabem-no desde a primeira hora, conhecem o meu percurso político aqui em Loures, conhecem as minhas ideias; sabem que nunca poderia estar ao lado de um candidato que profere as afirmações que profere e que tem uma atitude manifestamente racista no nosso concelho, onde sempre fizemos impor no exercício das nossas funções o cumprimento da lei. Sempre primámos por isso. Eu própria já tive responsabilidades no domínio da habitação e, já aí, a lei era para cumprir por todos: com direitos e deveres, independentemente da etnia.

Esta ideia de que há um problema em Loures é, então, falsa? Há ou não há?

Não há um problema de segurança em Loures e muito menos motivado por qualquer comunidade, atenção. 

Mas além das declarações mais tituláveis, André Ventura identifica a segurança como prioridade geral. 

Eu agradecia que não me pedisse para comentar as afirmações de André Ventura. Aliás, a controvérsia em torno das afirmações de André Ventura tem sido tanta que altos dirigentes do PSD não se reveem nelas. A esmagadora maioria diz que não se revê nas afirmações, inclusivamente um ex-líder da JSD desfiliou-se do partido. 

Acredita que a esmagadora maioria do PSD não concorda com André Ventura?

[Pausa] Acho que têm sido vários os companheiros de André Ventura que têm discordado das suas afirmações. Eu sei qual é o sentimento do meu partido. Sobre o sentimento do PSD, eles lá saberão. Que não andam muito unidos, não andam…

Retirando a parte étnica da questão, entende que há um problema de segurança em Loures ou não?

Em Loures, nós tivemos alguns problemas de maior insegurança em alguns bairros em concreto. Aí tivemos a oportunidade de implementar um projeto pioneiro e com provas dadas, que foi o contrato local de segurança. Infelizmente, fruto também do atual executivo municipal, numa pasta que até estava a cargo do PSD no acordo de coligação que tem com Bernardino Soares, esse projeto foi votado praticamente ao abandono. Se não fosse o facto de termos agora um governo [nacional] do PS, que voltou com medidas de segurança de proximidade, estava ao abandono de todo. Eu, na altura, deixei o contrato local de segurança com 68 parceiros ativos e com os índices de criminalidade reduzidos em mais de 10%. 

Se o projeto estava a resultar, e até foi premiado, porque acha que foi descontinuado?

Como lhe disse, houve um grande desinvestimento na intervenção social. E a área da segurança também se cruza com a intervenção social. Não nos podemos esquecer de que qualquer atuação feita neste domínio é vista no médio prazo, e não a curto prazo. Nesse sentido, deviam ter dado continuação ao bom trabalho que estava a ser feito. Pura e simplesmente, não quiseram. Não há qualquer trabalho em rede, qualquer busca de parceiros. Nós tivemos entidades religiosas, culturais, empresariais. Hoje, não temos praticamente nada. Nem parceiros, nem projetos. E se quiser falar nas forças de segurança pública, foi com o nosso contrato local de segurança que conseguimos mais meios, nomeadamente veículos. No nosso programa deste ano temos o retomar desse trabalho e o alargamento do projeto a mais freguesias do concelho, além da instalação de videoproteção em alguns locais, em ligação com as forças de segurança pública. Essa é uma estratégia que tem vindo a ser usada com sucesso em alguns municípios, inclusivamente na Área Metropolitana de Lisboa, visando sobretudo aumentar o sentimento de segurança das populações. 

Responsabiliza apenas o executivo camarário atual por esse desinvestimento ou o Estado central poderia ter estado melhor? 

Sabe, essa é a grande diferença entre ter o PS e a CDU à frente dos destinos de uma autarquia. A CDU reivindica junto do governo e a única coisa que faz é cumprir aquilo que julga ser da esfera das suas competências. Como julga que as matérias de segurança não fazem parte da sua competência, nunca fazem parte da solução. Foi isso que aconteceu. 

A popularidade do governo socialista não causa uma pressão acrescida nos candidatos autárquicos do PS?

É verdade que o governo é muito popular, mas eu não vejo isso assim. Prefiro que os munícipes vejam os candidatos socialistas como os melhores interlocutores com o governo, isso sim. Aqui, em Loures, faltam-nos centros de saúde, faltam-nos melhorias no transporte público, muitas coisas sob a tutela do governo, mas que uma câmara municipal da mesma cor conseguirá concretizar. O hospital de Loures foi o melhor exemplo disso. 

Nota-se no seu discurso o orgulho no mandato do PS entre 2009 e 2013. 

Só posso ter. Sou socialista e tenho muito orgulho no legado do PS em Loures. Cresci cá, fui adolescente neste concelho, vi as reais necessidades do concelho bem de perto. O que o executivo municipal liderado pelo PS teve de fazer foi, a nível de infraestruturas, uma grande aposta nas escolas, nos equipamentos desportivos, na rede viária. Não conseguimos fazer tudo, mas queremos fazer mais. 

Como viu a candidatura como independente de Carlos Teixeira (ex-presidente da Câmara de Loures) a Lisboa, este ano?

Carlos Teixeira é um cidadão livre e um homem adulto, faz aquilo que bem entender [risos].

Mas ficou surpreendida?

Naturalmente, um pouco. Cada um traça o seu caminho.

Em Lisboa, votaria em Medina?

Votaria claramente no Fernando Medina. Já falei até com ele para conversarmos sobre a possibilidade do alargamento da rede do metropolitano até ao concelho de Loures. 

E a questão da anexação da Junta de Freguesia do Parque das Nações ao concelho de Loures?

Isso, de facto, foi uma questão. Nós, PS, sempre votámos contra a retirada dessa zona do nosso concelho. Foi essa a nossa posição e mantenho-a. Se eu estava no executivo municipal que votou contra essa retirada, não posso agora dizer o contrário. Neste momento, é certo que o prisma é diferente, porque o que passou passou. Mas àquela data fui contra. Um processo de reversão teria de ser devidamente analisado. Não é o mesmo patamar. Não está em cima da mesa. Não temos de ir a reboque de qualquer afirmação que o candidato do PSD profira, pois não? Qualquer dia dizem que vão “construir um muro” e temos de conversar sobre isso como se fosse normal [risos]. Eu prefiro construir pontes.

E fê-lo entre 2009 e 2013? Os relatos das forças policiais não a preocupam?

Esses são problemas reais e que estavam em vias de resolução. Eram problemas com um investimento devidamente efetuado e, sobretudo, com uma estratégia de pontes e trabalho em rede. O atual candidato [André Ventura] pretende o contrário: a construção de muros e a geração de ódios. Numa altura em que o atual executivo municipal não continuou essa estratégia de aproximação, é natural que seja mais fácil aproveitar esses problemas.

Está a dizer que, como o executivo atual não continuou políticas do executivo do PS, ficou mais fácil fazer populismo com os problemas que elas antes resolviam?

Exato.

Não haveria André Ventura se não tivesse havido Bernardino Soares?

Claramente que não.