Jemma Dolan. “Ilha irlandesa deve permanecer como um todo dentro da UE”

Deputada do Sinn Féin na Irlanda do Norte teme que o Brexit possa colocar em causa a integridade do Acordo de Sexta-Feira Santa e, em declarações ao SOL, criticou ausência de estratégia de Theresa May.

Muitos irlandeses temem que a saída do Reino Unido da União Europeia possa erguer um novo ‘muro de Berlim’ na ilha, depois de décadas de cicatrização. Além das implicações práticas de uma restauração da fronteira, qual é a sua visão sobre as implicações psicológicas de tal cenário?

As implicações práticas podem resultar em implicações psicológicas se os estudantes do norte forem impedidos de estudar no sul, se as empresas fronteiriças começarem a perder negócios, se as famílias que vivem em ambos os lados da fronteira tiverem dificuldades em encontrar-se e, claro, se os agricultores começarem a perder subsídios e volume de negócio.

Suponho que sejam essas as principais preocupações do seu círculo eleitoral – Fermanagh and South Tyrone – até porque faz fronteira com a República da Irlanda…

Enquanto região de fronteira, só temos razões para temer o Brexit. Os nossos jovens vão perder a hipótese de estudar e trabalhar na Europa, a indústria local agrícola vai sofrer profundamente, o financiamento europeu – que ajudou a reconstruir muitas comunidades – vai ser cortado e a livre circulação de pessoas vai voltar a dividir física e mentalmente comunidades inteiras. 

Qual é a posição do Sinn Féin sobre a estratégia de Theresa May?

O Governo britânico não estava à espera do voto pela saída e, por isso mesmo nunca teve – e continua a não ter – uma estratégia para o Brexit. A situação do norte da Irlanda seguramente nunca lhes passou pela cabeça quando o referendo foi convocado. E segundo nos dizem os nossos quatro representantes no Parlamento Europeu, parece que os eurodeputados do resto da Europa têm um conhecimento mais aprofundado [que o Governo] sobre as consequências desastrosas do Brexit no norte e em relação ao Acordo de Sexta-Feira Santa (1998).

Que consequências serão essas para o acordo?

Durante as últimas duas décadas a ilha irlandesa tem vindo a transformar-se – como resultado do processo de paz para onde emergiu, depois de anos e anos de conflito político -, numa sociedade mais próspera, pacífica e democrática, alicerçada no Acordo de Sexta-Feira Santa. Este foi alcançado depois do cessar-fogo entre o IRA [Exército Republicano Irlandês ] e os unionistas e é a base do compromisso político existente entre os Governos irlandês e britânico. O acordo representa o enquadramento institucional, constitucional e legal que suporta o atual relacionamento entre o Reino Unido e a Irlanda e também consagra o direito dos irlandeses de exercerem sozinhos o seu direito à autodeterminação e ao estabelecimento de uma Irlanda unida. O Sinn Féin entende que a insistência do Governo britânico em arrastar a Irlanda do Norte para fora da UE vai enfraquecer a integridade e o estatuto do Acordo de Sexta-Feira, pondo em causa aqueles direitos.

Qual seria o melhor acordo possível entre o Reino Unido e a UE? E o pior?

A única coisa que é certa é que do Brexit não advirá nada de bom. Não há forma de gerir ou minimizar o seu impacto negativo, uma vez que é totalmente contrário aos interesses irlandeses. O facto de o norte estar a ser forçado a abandonar a UE, contra o desejo expressado pela sua população [56% votaram pela permanência no referendo], representa um enorme passo atrás no processo político, desafia diretamente a integridade do acordo de paz e pode vir a ter consequências dramáticas nas proteções nele contidas. Por outro lado, existem necessidades e oportunidades urgentes de arranjarmos novas formas de pensar a questão. Uma vez que um estatuto privilegiado de relacionamento fora da UE será claramente insuficiente para fazer frente aos enormes desafios políticos, sociais e económicos trazidos pelo Brexit, o Sinn Féin acredita que a única abordagem credível passa pela atribuição de um estatuto especial ao norte, dentro da UE, que permitiria à ilha da Irlanda permanecer, como um todo, na organização. Este estatuto incluiria: proteção do processo de paz; acesso ao Mercado Único; permanência na Zona Comum de Viagem; manutenção de todos canais de financiamento europeu; proteção do acesso ao emprego na UE; proteção da segurança social e seguro de saúde; manutenção dos direitos e condições dos trabalhadores; uma política ambiental; e representação política na UE.