Europa. Macron quer uma nova Europa e a velha Merkel

Se o presidente francês se assustou com as eleições alemãs, não o mostrou ontem. Paris lança-se na refundação e conta com a chanceler.

Emmanuel Macron apresentou esta terça-feira a sua há muito aguardada proposta de refundação da União Europeia sem se mostrar constrangido pelos resultados das eleições na Alemanha que, de forma imprevisível, ameaçam encravar a aliança entre Paris e Berlim que o presidente francês e a chanceler se preparavam para retomar, depois de anos abandonada.

Ao longo de duas horas de discurso na Universidade de Sorbonne, em Paris, Macron não só não suavizou as propostas para reformar a comunidade europeia – como podia ter feito para convencer os próximos parceiros de coligação de Angela Merkel, sem a qual não pode avançar com o seu projeto – como ainda falou diretamente para Berlim e para as negociações difíceis que lá vão começar.

“Cada um tem de fazer o que lhe compete. Eu não tenho linhas vermelhas, só horizontes.”

Macron, cuja candidatura se construiu sobre as promessas de reformar a França e refundar a Europa, apresentou uma série de propostas profundas, capazes de alterar muito daquela que é a atual organização da comunidade – todas pela via de uma maior integração.

Como já se sabia, propôs um orçamento europeu para ser gerido por um ministro comum das Finanças. Merkel, pelo menos até a este domingo, parecia já concordar com o orçamento, mas oferece ainda resistência quanto ao superministro. Mas as dúvidas nestes pontos centrais prendem-se agora, e sobretudo, sobre o que vão dizer os seus possíveis parceiros.

Agenda 2020 e 2024

Os Verdes elogiaram a postura ecologista de Macron, que promete defender o Acordo de Paris e instituir um imposto sobre o carbono. Os liberais, não. “Não se fortalece a Europa com novos potes de dinheiro”, dizia esta terça-feira o deputado europeu Alexander Graf Lambsdorff.

O presidente francês foi muito mais adiante. Defendeu a harmonização de impostos para empresas na Europa e um imposto sobre transações bancárias, este último há muito um tema difícil para a finalização da união bancária.

E definiu outras metas – algumas para estarem alcançadas até ao início de 2020, quando o Reino Unido supostamente já estiver fora da comunidade, outras até 2024. Avançou com a criação de um procurador-geral da UE, uma força armada de intervenção para ser criada até à próxima década e um orçamento europeu a acompanhá-la.

Quer também uma academia de espionagem europeia, que metade dos deputados em Estrasburgo se candidatem por listas europeias, impostos sobre os gigantes da internet e novos laços com África. Mais que tudo, quer a refundação de um sistema em que o desemprego em França é ainda mais que o dobro do da Alemanha. “Está em jogo reduzir o desemprego que afeta hoje um em cinco jovens europeus.”

Merkel e May

Macron presumia até a este fim de semana que o seu discurso seria ouvido em Berlim por uma chanceler em pleno consenso, renovada por uma nova vitória e prestes a entrar novamente numa coligação com os sociais-democratas do SPD, cuja agenda europeia está muito mais em linha com a do presidente francês que a de Merkel.

Macron fez campanha contra a falta de visão na UE e o discurso que agendou para dois dias depois das eleições alemãs tem uma intenção clara de se colocar como uma das duas faces da nova liderança europeia.

Errou o cálculo, como quase todos os demais. Mas não deixou de estender a mão para além de Paris, até para Londres, dizendo que os britânicos têm lugar numa UE “simplificada e renovada”.

O fundamental, porém, guardou para Merkel. “Partilhamos as mesmas ambições europeias e conheço o seu compromisso com a Europa”, disse Macron. Proponho à Alemanha uma nova parceria. Não concordaremos em tudo, não imediatamente, mas tudo discutiremos.”