Proteção Civil. Inspeção Geral da Educação investiga mais licenciaturas

O Ministério da Administração Interna disse há três dias que todos os dirigentes têm licenciaturas. Apesar da garantia, o i teve acesso a documentação que revela que se multiplicam os casos de suspeitas de irregularidades nos cursos de dirigentes

A polémica sobre as licenciaturas dos dirigentes da Proteção Civil está para durar.

Há três dias, o Ministério da Administração Interna – que ordenou um levantamento dos cursos de 70 dirigentes da Autoridade Nacional de Proteção Civil – disse que “todos possuem documento comprovativo de detenção” de licenciatura.

No entanto, o i teve acesso a documentação que não só comprova que entre os dirigentes de topo as suspeitas de irregularidades se multiplicam, como revela ainda que há casos de falta de licenciatura ou de cursos concluídos quase na totalidade através de equivalências. Recorde-se que, desde 2004, a lei exige que todos os dirigentes tenham, no mínimo, o grau de licenciados. 

Há, pelo menos, um ex-comandante nacional que concluiu uma licenciatura tendo frequentado apenas três disciplinas. Um comandante operacional distrital que concluiu a licenciatura tendo equivalências a mais de metade das disciplinas, quando a sua experiência profissional é sobretudo bancária. E há ainda casos de ex-comandantes operacionais que durante anos violaram a lei ao assumirem funções de dirigente, sem qualquer licenciatura, tendo apenas o 12.º ano.     

O i confrontou o MAI com todos estes casos e a tutela adiantou que, com os resultados do levantamento, decidiu “enviar o processo ao Ministério da Ciência e do Ensino Superior”, escusando a pronunciar-se “sobre casos particulares”. É ao ministro do Ensino Superior, Manuel Heitor, que compete ordenar à Inspeção Geral da Educação e Ciência (IGEC) uma auditoria a todas as licenciaturas. O i contactou o gabinete de Manuel Heitor para saber se essa decisão já foi tomada, mas não obteve resposta até ao fecho desta edição. 

Mas, pelo menos, para Beja os inspetores da IGEC já têm viagem marcada. A partir de segunda-feira, uma equipa de inspetores vai instalar-se no Politécnico de Beja para passarem a pente fino todas as licenciaturas em Proteção Civil, revelou ao i o presidente daquela instituição de ensino superior, João Paulo Trindade. “A inspeção acabou de me ligar a informar que o ministro os enviou para cá a partir de segunda-feira”, disse ontem ao i João Paulo Trindade. 

Ex-comandante nacional fez três disciplinas do curso

Foi depois de saber que o ex-comandante nacional da Proteção Civil, Vítor Vaz Pinto – atual comandante operacional distrital do Algarve – concluiu a licenciatura tendo frequentado apenas três disciplinas que Manuel Heitor decidiu agir. 

De acordo com o Politécnico de Beja, Vítor Vaz Pinto concluiu a sua licenciatura em Proteção Civil depois de lhe terem sido atribuídas equivalências a “31 das 34 disciplinas do curso”. E destas equivalências, “17 foram por experiência profissional”, as restantes foram por “cursos de formação pós-secundária”, a que se somam outras por ter frequentado “um curso na Universidade Independente”, como é o caso de Educação Ambiental. O comandante distrital do Algarve frequentou a instituição desde o ano letivo 2007/2008 e terminou o curso “em fevereiro de 2009”, na Escola Superior de Tecnologia e Gestão, disse ainda ao i o presidente do Politécnico de Beja. 

Os dados foram suficientes para levantar suspeitas sobre a regularidade da licenciatura que será agora analisada pela Inspeção Geral da Educação. E, à semelhança do que aconteceu no caso Lusófona e no Politécnico de Castelo Branco, deverão passar pelo crivo da Inspeção todos os processos académicos que envolveram a atribuição de equivalências no curso de Proteção Civil do Politécnico de Beja.

Ao i, João Paulo Trindade lembrou que, à data da licenciatura de Vaz Pinto, a lei permitia que as escolas dos politécnicos tivessem autonomia para decidir sobre as licenciaturas. “Os presidentes não sabiam de nada, não passavam por eles e só há poucos anos é que essa informação é centralizada”, frisa. 

De acordo com o despacho de nomeação de Vaz Pinto, o comandante tem funções de dirigente na Proteção Civil desde 2004. Foi assessor do ministro da Administração Interna, António Figueiredo Lopes, durante sete meses no governo de Durão Barroso. Mais tarde, entre 9 de março de 2011 e dezembro de 2012, assumiu o comando nacional das operações de socorro – as mesmas funções que o ex-comandante Rui Esteves – substituindo, na altura, Gil Martins que foi suspenso pelo MAI depois de se saber que estava a ser investigado pelo Ministério Público por desvio de verbas, acabando mesmo por ser condenado a quatro anos e seis meses com pena suspensa. 

Comandante bancário

Outro dos casos que levanta suspeitas é o curso de António Oliveira Ribeiro, comandante operacional distrital de Aveiro e ex-comandante operacional de agrupamento distrital do Centro Norte. De acordo com a informação a que o i teve acesso, o dirigente teve equivalência a 21 das 31 disciplinas da licenciatura em Engenharia da Segurança do Trabalho, no ISLA de Gaia. Curso que terminou a 8 de novembro de 2010. 

E entre as dez disciplinas frequentadas por António Oliveira Ribeiro, nenhuma foi de Engenharia, Física ou de Matemática. Ou seja, o dirigente teve equivalências precisamente às disciplinas centrais de um curso de Engenharia. 

De acordo com o despacho de nomeação, quase toda a formação complementar ou experiência profissional do dirigente, antes de assumir funções na Proteção Civil, passou pelo setor bancário. Realizou apenas três cursos na Escola Nacional de Bombeiros. 

Comandantes sem licenciatura

O i teve ainda acesso a dois casos de outros dois dirigentes que assumiram funções sem que tivessem qualquer licenciatura, como a lei exige. É o caso de Joaquim Chambel, que durante dez anos (entre 2003 e 2013) foi comandante distrital de Santarém, tendo apenas o 12.º ano. Habilitações académicas que manteve quando, em 2013, foi nomeado comandante operacional de agrupamento distrital do Cento Sul, função equiparada a adjunto do comandante nacional. Lê-se, aliás, no seu despacho de nomeação assinado pelo ex-ministro Miguel Macedo, que “frequenta o curso superior de Engenharia de Proteção Civil”, ou seja, o curso não está concluído. E a mesma informação mantém-se no despacho de 2016, assinado pelo atual secretário de Estado, Jorge Gomes, que volta a nomear Chambel para as mesmas funções. 

Depois de uma pesquisa, não foi  encontrado qualquer despacho de exoneração de Joaquim Chambel e fontes ouvidas pelo i contam que ao ser detetada esta situação, Joaquim Chambel foi afastado do comando operacional, exercendo funções na sede, em Carnaxide. 

Outro dos casos é Luís Almeida e Lopes, que entre 2013 e fevereiro de 2017 foi comandante distrital de Leiria. De acordo com os documentos consultados pelo i, o ex-comandante concluiu a sua licenciatura em Proteção Civil no Politécnico de Leiria, a 26 de julho de 2016. E entre as 36 disciplinas do curso teve equivalências a 12, sobretudo na área da Proteção Civil, como prevenção e controlo de incêndios, gestão de crises de emergência ou química para a proteção civil. 

Desde 2004 que a lei exige que todos os dirigentes em cargos públicos tenham o grau de licenciados. Regra que foi, aliás reforçada através da lei orgânica da Proteção Civil. O artigo 22.º estabelece que o recrutamento de todos os dirigentes “é feito de entre indivíduos, com ou sem relação jurídica de emprego público, que possuam licenciatura e experiência funcional adequadas ao exercício daquelas funções”. 

Até 2013 a lei não previa qualquer limite ao número de equivalências por experiência profissional que se podia atribuir num curso. Só depois do caso Relvas  mudou a legislação, impondo-se um limite máximo de 30% para as disciplinas de um curso que é possível obter por via de equivalências.